Escalada de terrorismo afeta saúde mental

LAS VEGAS, NV – OCTOBER 01: People scramble for shelter at the Route 91 Harvest country music festival after apparent gun fire was heard on October 1, 2017 in Las Vegas, Nevada. A gunman has opened fire on a music festival in Las Vegas, leaving at least 20 people dead and more than 100 injured. Police have confirmed that one suspect has been shot. The investigation is ongoing. David Becker/Getty Images/AFP

Níveis de desordem de estresse pós-traumático chegam a subir mais de 30%

Por The Conversation | ArtigoODS 11ODS 3 • Publicada em 28 de dezembro de 2015 - 09:10 • Atualizada em 3 de outubro de 2017 - 13:49

LAS VEGAS, NV – OCTOBER 01: People scramble for shelter at the Route 91 Harvest country music festival after apparent gun fire was heard on October 1, 2017 in Las Vegas, Nevada. A gunman has opened fire on a music festival in Las Vegas, leaving at least 20 people dead and more than 100 injured. Police have confirmed that one suspect has been shot. The investigation is ongoing. David Becker/Getty Images/AFP
No Teatro Adriano, em Roma, a solidariedade aos franceses pelos ataques em Paris, no início de novembro, que deixaram 130 mortos
No Teatro Adriano, em Roma, a solidariedade aos franceses pelos ataques em Paris, no início de novembro, que deixaram 130 mortos

Por Daniel Antonius (*)

(Atualizada em 2/10/2017) – Aconteceu de novo.  Desta vez foi o maior ataque a tiros da história dos EUA, que matou 58 pessoas e deixou mais de 500 feridos em Las Vegas. No dia 13 de novembro de 2015, uma série de ataques em Paris matou 130 pessoas. Uma semana depois, homens invadiram um hotel no Mali, fizeram reféns e assassinaram 27 pessoas ao disparar indiscriminadamente. Poucos dias depois, outro ataque, num centro para incapacitados em San Bernardino, na Califórna, deixou 14 mortos. De lá para cá, outros tantos foram registrados.

Diariamente, pode-se levar horas assistindo, lendo e ouvindo notícias sobre esses trágicos acontecimentos. O nível de exposição pode influenciar sua visão de mundo e até sua própria vida. As pessoas podem se sentir mais vulneráveis. Enquanto as cidades adotam esquemas de alerta contra futuros ataques, o medo pode colorir nossas rotinas diárias e influenciar nossas ideias.

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O medo é uma reação natural a eventos como os ataques em Paris ou no Mali. Embora cada um reaja ao medo de forma diferente, ele pode influenciar na tomada de decisões sobre emprego, com quem socializar, como usar transportes como ônibus e trens, ir a lugares muito cheios ou viajar de avião.

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Com meu colega Justin Sinclair, da Escola de Medicina de Harvard, tenho estudado a complexidade do medo criado pelo terrorismo e como ele pode afetar e motivar as pessoas. Quais são os efeitos mais comuns e quanto tempo duram?

Estresse pós-traumático

Em 1995 e 1996, a França sofreu uma onda de atentados a bomba que matou 12 pessoas e deixou mais de 200 feridos. Um estudo feito em 2004 concluiu que 31% das pessoas expostas aos eventos e suas consequências sofriam de Desordem de Estresse Pós-Traumático (DEPT). Os sintomas podem incluir flashbacks, pesadelos ou pensamentos recorrentes. As pessoas tendem também a evitar situações que relembrem o trauma ou experimentar ansiedade intensa.

Uma pesquisa com moradores de Madri de um a três meses após os atentados no metrô, em 2004, constatou o aumento de casos de estresse pós-traumático e depressão. Análises posteriores concluíram que o aumento é temporário.

Após os ataques ao metrô de Londres em 7 de julho de 2005, habitantes ficaram relutantes em usar o transporte público.  Um estudo posterior constatou elevação significativa, de 31%, dos níveis de estresse. Outro dado foi que 32% dos entrevistados manifestaram intenção de recorrer menos ao transporte público. Nova pesquisa realizada sete meses depois mostrou que o nível de estresse da população havia caído significativamente. Mas a preocupação estava longe de desaparecer. Muitos continuavam com a sensação de estarem ameaçados e com uma visão mais negativa do mundo.

Mulheres no velório das 27 pessoas que morreram após o ataque terrorista num hotel em Mali

Pode-se esperar um aumento dos transtornos psiquiátricos em pessoas diretamente afetadas, ou que viviam na cidade na época dos atentados. Mas isto pode acontecer também em quem vivia fora dela. Uma sondagem feita logo após os atentados de 11 de Setembro indicou que 17% da população fora de Nova York reportaram sintomas relacionados à Desordem do Estresse Pós-Traumático. Seis meses depois, a percentagem baixou para 5,6%.

Uma revisão das pesquisas sobre o efeito do 11 de Setembro feita em 2005 destacou a elevação dos sintomas e transtornos psiquiátricos imediatamente após os atentados e uma normalização relativamente rápida nos 6 a 12 meses seguintes. Mas pessoas que viviam mais perto da área atacada, e assim mais diretamente expostas, demonstraram maior vulnerabilidade à DEPT do que os que moravam mais longe.

Mas por que os sintomas da DEPT aumentam também entre os que não estiveram diretamente expostos? A explicação pode estar na intensa cobertura da mídia aos ataques terroristas. Logo após o 11/9, um estudo nos EUA com mais de 2 mil adultos indicou que os que passaram mais tempo assistindo à cobertura pela TV tinham níveis mais elevados de estresse pós-traumático.

Cria-se um efeito contágio quando as pessoas revivem os ataques ou quando leem ou assistem a reportagens sobre eles. A exposição mais intensa à cobertura pode produzir uma resposta subjetiva de medo e desamparo em relação à ameaça de futuros ataques numa minoria dos adultos.

Medo é uma reação natural a eventos como os ataques em Paris ou no Mali. Embora cada um reaja ao medo de forma diferente, ele pode influenciar na tomada de decisões sobre emprego, com quem socializar, como usar transportes como ônibus e trens, ir a lugares muito cheios ou viajar de avião.

Se essas mudanças forem consideradas no conjunto da população, o medo do terrorismo pode ter consequências significativas tanto nas economias nacionais como na global. Turismo e consumo se tornam particularmente vulneráveis. Por exemplo, empresas aéreas sofreram graves perdas após o 11/9 e foram obrigadas a demitir um expressivo número de empregados.

Relação com governo pode mudar

Terroristas usam o medo como arma psicológica, o que pode ter sérias implicações não só para indivíduos como para países inteiros. Um temor subjacente pode persistir durante anos após um ataque. Em conflitos prolongados com atentados múltiplos, como na Irlanda do Norte ou entre Israel e os palestinos, medo crônico e ansiedade resultaram em níveis mais elevados de segregação e desconfiança.

Mulher pede para depositar flores na Ponte de Londres, em homenagem aos mortos no ataque deste sábado, 3/6 (Foto Niklas Hallen/ AFP)

Esse medo subjacente também pode afetar o engajamento político e a confiança nos governos. Depois de ataques terroristas, as pessoas tendem a confiar mais na capacidade dos governos de protegê-las de novos atentados. Por exemplo, antes do 11 de Setembro, a confiança do povo americano no governo estava em declínio. Mas os ataques despertaram o medo; e com ele a confiança de que o governo as protegeria e as manteria a salvo subiu a níveis não experimentados há décadas.

Entretanto, o aumento da confiança no governo pode não depender do medo. Em países onde já existe alto grau de confiança nas autoridades, o medo não tem uma importância tão grande. Um estudo examinou a relação entre medo e confiança na Noruega após o ataque terrorista de julho de 2011, quando um ativista de extrema direita e fundamentalista cristão detonou bombas em edifícios governamentais em Oslo e abriu fogo sobre uma multidão na ilha de Utoya. Houve 76 mortos. A conclusão foi que a fé nas instituições protegeu as pessoas do medo do terror e aumentou o apoio às políticas governamentais.

A ameaça terrorista não tem, óbvio, o mesmo efeito em todos. A maioria responde a ameaças futuras de forma racional e construtiva. Pesquisas sugerem que a raiva pode funcionar como um fator de proteção. Ao senti-la, as pessoas tendem a ter maior senso de controle e mais otimismo; já o medo traz sentimento de impotência e pessimismo.

(*) Daniel Antonius é diretor da Divisão de Psquiatria Forense da Universidade de Buffalo, Nova York

Tradução: Trajano de Moraes

The Conversation

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