Surfando na poluição

O australiano Mick Fanning numa das etapas do Mundial de Surf, em 2015, na Barra da Tijuca

Sujeira dos mares do Rio ajuda a determinar o local das competições

Por Luis Edmundo Araújo | ODS 6Rio 2016 • Publicada em 18 de julho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 1 de agosto de 2016 - 00:41

O australiano Mick Fanning numa das etapas do Mundial de Surf, em 2015, na Barra da Tijuca
O australiano Mick Fanning numa das etapas do Mundial de Surf, em 2015, na Barra da Tijuca
O australiano Mick Fanning numa das etapas do Mundial de Surf, em 2015, na Barra da Tijuca

A promessa de reduzir em 80% a poluição da Baía de Guanabara não saiu do papel, a Olimpíada bate à porta da cidade e a sujeira dos mares do Rio de Janeiro preocupa competidores de vela, da maratona aquática e do triathlon, que podem ter de enfrentar a triste realidade conhecida melhor do que ninguém pelos surfistas. Anderson Guerreiro, por exemplo, tem 40 anos e desde os 11 pega onda na Praia de São Conrado. No começo tinha muita diarreia, quase todo dia até “criar anticorpos”. No ano passado, o filho, Felipe Mello Guerreiro, então com 12 anos, ingeriu água brincando na maré baixa. “De noite ele teve febre alta, urina amarela, fomos no médico e foi constatada hepatite. Na escola ninguém teve, só ele. Foi da água do mar”, afirma Anderson.

A poluição tem influenciado diretamente na escolha dos locais para os campeonatos. Uma das melhores ondas do Rio é a do ponto em frente ao antigo Hotel Nacional (em São Conrado). Gostaríamos de realizar torneios ali, mas não dá porque é um local já conhecido de lançamento de esgoto.

O surfista se recorda de que estava no hospital com o filho no dia da final da etapa do Rio de Janeiro de 2015 do Circuito Mundial de Surf, quando os competidores também reclamaram da poluição da água do Postinho, a praia da Barra mais próxima de São Conrado, onde foi realizada a competição. “A poluição tem influenciado diretamente na escolha dos locais para os campeonatos. Uma das melhores ondas do Rio é a do ponto em frente ao antigo Hotel Nacional (em São Conrado). Gostaríamos de realizar torneios ali, mas não dá porque é um local já conhecido de lançamento de esgoto, a água está sempre poluída”, diz Abilio Fernandes, presidente da Federação de Surfe do Estado do Rio de Janeiro (Feserj).

Este ano, a organização da etapa do Circuito Mundial, realizada em maio, de novo no Postinho, não pode esperar por melhores condições das ondas, segundo Fabrini Tapajós, surfista e um dos fundadores da Salvemos São Conrado, organização que há quase cinco anos luta pela despoluição da Praia de São Conrado. “Tinha previsão de melhora do mar com a chegada da ondulação leste, só que essa ondulação traria também o esgoto, que durante as provas, com ondas não tão boas, estava indo para a Joatinga com a ondulação sul”. A Feserj faz parte da organização da etapa carioca do Circuito Mundial e Abilio conta que o campeonato teve de começar com duas sedes, uma no Postinho e outra na Praia de Grumari, onde também foram realizadas provas. “Teve um dia que tivemos de paralisar o campeonato e levar pra Grumari”.

Enquanto o Circuito Profissional do Rio de Janeiro continua parado por falta de patrocínio, a Feserj tem organizado uma média de 30 torneios por ano, dos circuitos amadores acima e abaixo de 14 anos, sempre em praias do Posto 4 da Barra em direção ao Recreio, na Prainha, em Grumari e em Saquarema, todas ainda protegidas, distantes da poluição que atinge em cheio São Conrado e também o Quebra-Mar da Barra, o Leblon, a Urca e as demais praias da Baía de Guanabara, que em dias de ressaca podem, algumas delas, virar ponto de surfe. “Cresci em Niterói, em Icaraí, e em dia de ressaca a Curva da Itapuca (em plena Baía de Guanabara) ficava com ondas maravilhosas, mas com a água muito suja”, lembra Abilio.

A população local costuma desenvolver algum tipo de resistência. O risco é sempre maior para quem está acostumado com águas limpas, cujo sistema imunológico não desenvolveu resistência a índices de poluição encontrados em algumas praias daqui.

Mesmo que as competições da Rio 2016 de triathlon e maratona aquática estejam programadas para uma área menos atingida pela poluição, na altura do Forte de Copacabana, próximo ao Arpoador, o risco não está descartado, ainda mais levando em conta que muitos dos competidores estrangeiros não estejam acostumados, nem de perto, com os índices de poluição das águas cariocas. “A população local costuma desenvolver algum tipo de resistência. O risco é sempre maior para quem está acostumado com águas limpas, cujo sistema imunológico não desenvolveu resistência a índices de poluição que podem vir a ser encontrados em algumas praias daqui”, afirma a professora Sandra Azevedo, pesquisadora do Laboratório de Ecofisiologia e Toxicologia de Cianobactérias da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Presidente da Associação de Surfistas e Amigos do Leblon, João Paulo Pimentel também não descarta os riscos para os competidores estrangeiros. “As saídas dos canais, como em São Conrado, são só o foco de um problema que está generalizado no Rio. É claro que depende do sistema de cada um, mas existe a possibilidade de um atleta estrangeiro, acostumado com águas limpas, vir a ter problemas”. Por sorte, Pimentel nunca teve nem micose, mesmo surfando pelas praias do Rio desde os 12 anos, às vezes em condições que só a paixão pelo surfe justificava. “Já fiquei sem conseguir ver a minha perna, sentado na prancha, de tão escura que estava a água. As vezes o mar não é o ideal e pode ser que a fissura fale mais alto e a gente arrisque mesmo, não dá pra controlar”, diz o surfista de 34 anos.

Apaixonado pelas ondas, Anderson Guerreiro sabe que Felipe, plenamente recuperado da hepatite há mais de um ano, não é diferente. Por isso considera simplesmente impossível evitar que o filho volte a se arriscar, diariamente, nas águas poluídas do Rio enquanto cria seus anticorpos naturais. “Ele é louco pelo surfe. Todo dia está no mar, não tem jeito. É a única diversão que ele tem que não paga nada, é pública”.

Luis Edmundo Araújo

Jornalista, começou como repórter do jornal O Fluminense, de Niterói, e redator da revista Incrível, da Editora Bloch. Trocou tudo pra ser repórter de Cidade do Jornal do Brasil, até sair pra ser repórter da revista Istoé Gente. De 2005 a 2016, foi editor do Jornal do Commercio, editor de Empresas, Economia, Mundo, Rio, SP, Brasília, Minas, Opinião, Direito & Justiça e, principalmente, País. Colaborou com o blog O Cafezinho em 2016 e 2017, e em 2018 participou da aventura da volta do Jornal do Brasil impresso, como editor-assistente de Política. Agora, batalha por uma causa dada como perdida: o jornalismo literário

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