Microcefalia: casos se multiplicam

Um número que chama a atenção é que 55% das crianças que nasceram com microcefalia são meninas. Foto de Heriberto Araújo

Incidência muito maior no Nordeste ainda é um mistério para os pesquisadores

Por Rosane Marinho | ODS 3 • Publicada em 17 de outubro de 2016 - 08:06 • Atualizada em 18 de outubro de 2016 - 11:56

Um número que chama a atenção é que 55% das crianças que nasceram com microcefalia são meninas. Foto de Heriberto Araújo
Um número que chama a atenção é que 55% das crianças que nasceram com microcefalia são meninas. Foto de Heriberto Araújo
Um número que chama a atenção é que 55% das crianças que nasceram com microcefalia são meninas. Foto de Heriberto Araújo

Negra ou parda, menor de 24 ou maior de 40 anos, que vive em alguma cidade pequena do Nordeste brasileiro, em particular no sertão da Paraíba e de Pernambuco, com – em média – três anos de estudo. Este é o perfil majoritário das mães de bebês que nasceram com microcefalia no Brasil, segundo o último relatório apresentado pelo Ministério da Saúde. Este levantamento foi feito a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), que coleta a informação diretamente da sala de parto e tem uma cobertura de 95% do território nacional. Estes dados mostram que entre os anos 2000 e 2014 nasceram uma média de 164 bebês com microcefalia e somente no ano de 2015 foram registrados 1608 casos, um número nove vezes maior que a média, coincidindo com a epidemia do vírus Zika.

Identificar a razão para que 71% dos casos de microcefalia aconteçam nos estados do Nordeste é o enigma que todo pesquisador que trabalha com microcefalia e Zika vírus quer resolver

“Identificar a razão para que 71% dos casos de microcefalia aconteçam nos estados do Nordeste é o enigma que todo pesquisador que trabalha com microcefalia e Zika vírus quer resolver” – afirma a doutora Fatima Marinho, diretora de análise de informação de saúde do MS. Um dos dados que chama a atenção da doutora Fátima é o baixo número de casos no norte de Minas Gerais, que além de fazer divisa com a Bahia, tem condições socioeconômicas parecidas. O Rio de Janeiro também chama a atenção. A cidade teve um grande surto de casos de Zika vírus entre o final de 2015 e início de 2016, mas não passa por uma explosão de casos de microcefalia neste momento, como seria esperado.

Este mesmo quadro se repete em outras regiões do Brasil, como o Mato Grosso, e em outros países como a Colômbia. Neste país foram registrados 12 mil casos de mulheres grávidas infectadas pelo Zika vírus, mas nasceram 21 bebês com microcefalia, segundo informa a Organização Pan-americana de Saúde. Os números sugerem que outros fatores ambientais, econômicos ou biológicos possam estar nesta equação. “Um dos fatores que estamos estudando é a má qualidade da água nas cidades mais afetadas”- conta a Doutora Fatima. Também está sendo investigada é a infecção simultânea pelos vírus da dengue e do chikungunya.  Por enquanto, o levantamento realizado pelo Sinasc dá um quadro mais exato sobre esta epidemia.

O Rio de Janeiro teve um grande surto de Zika vírus mas não passa por uma explosão de casos de microcefalia neste momento, como seria esperado.
O Rio de Janeiro teve um grande surto de Zika vírus mas não passa por uma explosão de casos de microcefalia neste momento, como seria esperado.

“Pelo relatório, vemos que os casos de microcefalia se concentram em cidades como Campina Grande, na Paraíba, e em muitas cidades pequenas do sertão. Assim como, vai desde a periferia de Recife, em Pernambuco, até Caruaru. Lembrando que estas duas cidades – Campina Grande e Caruaru – são muito parecidas, tem uma intensa troca comercial e movimento de pessoas”- comenta a doutora Fatima.

A definição do que é microcefalia é de uma medida padrão: corresponde a um perímetro cefálico de 28,85 a 30,99cm para recém-nascidos do sexo feminino e de 29,12 a 31,52cm para o sexo masculino. Outro número que chama a atenção é que 55% das crianças que nasceram com microcefalia são meninas. “Precisamos fazer mais estudos sobre isto. Uma das possibilidades a ser considerada é contaminação dos dados, já que as meninas têm um perímetro encefálico menor que os meninos da mesma idade gestacional. Quer dizer, podemos estar incluindo meninas com desenvolvimento normal. Mas existe a possibilidade de a microcefalia ser mais frequente em meninas ou elas nascerem vivas com maior frequência”- explica a doutora Fatima.

Um dos fatores que estamos estudando é a má qualidade da água nas cidades mais afetadas.

A prevalência de casos de microcefalia nas classes mais pobres poderia sugerir que mulheres de classe média e alta estivessem pagando por abortos quando descobrissem a anomalia no feto. “Não acreditamos nesta possibilidade” – afirma a doutora Fatima – “se fosse assim, se as classes média e alta fossem acometidas com a mesma magnitude que a classe de mulheres pobres, seria necessário contar com elevado percentual de abortos bem-sucedidos (sem internação decorrente de complicação e sem óbito) para que isso não se tornasse evidente. Entretanto, desde que houve aumento de casos de microcefalia no Brasil, não houve aumento dos registros de desfechos negativos de aborto”.

O fator raça e idade também são entendidos como indicadores indiretos do nível socioeconômico das mães de crianças com microcefalia. “Mulheres negras são majoritariamente pobres. Mulheres que engravidam muito jovens deixam os estudos também muito cedo” – esclarece a doutora Fatima.  “Precisamos cada vez mais aprimorar o sistema de vigilância de anomalias congênitas no Brasil para melhor entender todos os fatores envolvidos” – conclui.

Rosane Marinho

É jornalista, carioca, e há dez anos vive em Zaragoza, na Espanha. No Rio, trabalhou como fotógrafa na sucursal da Folha de S. Paulo e no Jornal do Brasil. Foi correspondente d'O Globo no Recife. Na Espanha, é professora de fotografia digital e trabalha como jornalista freelance. Casada, é mãe de dois pequenos hispano-brasileiros.

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