Saneamento público ou privado?

Na praia de Ipiranga, em Magé, no Rio de Janeiro, um dos muitos exemplos de não podemos mais perder tempo com debates sem fundamento. É hora de agir. Foto de Custódio Coimbra

Debate sem apoio na realidade atrasa solução de problemas. O Brasil precisa de ambos!

Por Edison Carlos | ODS 6 • Publicada em 2 de outubro de 2016 - 19:03 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 03:27

Na praia de Ipiranga, em Magé, no Rio de Janeiro, um dos muitos exemplos de não podemos mais perder tempo com debates sem fundamento. É hora de agir. Foto de Custódio Coimbra
Na praia de Ipiranga, em Magé, no Rio de Janeiro, um dos muitos exemplos de não podemos mais perder tempo com debates sem fundamento. É hora de agir. Foto de Custódio Coimbra
Na praia de Ipiranga, em Magé, no Rio de Janeiro, um dos muitos exemplos de não podemos mais perder tempo com debates sem fundamento. É hora de agir. Foto de Custódio Coimbra

Nas últimas semanas, muito tem se falado sobre o novo programa do Governo Federal que incentiva uma maior participação do setor privado no saneamento básico, principalmente nos serviços de água e esgotos. Nesta primeira etapa, o programa pretende promover a participação privada nas empresas operadoras de água e esgotos do Rio de Janeiro, Pará e Rondônia. O debate gera polêmica, especialmente por aqueles que entendem que a solução para o país seria um ou outro. Isso é um erro: o país precisa de ambos.

O país precisará de recursos financeiros da ordem de R$ 300 bilhões somente para que todos os brasileiros possam ter acesso aos serviços de água e esgotos. Se juntarmos as necessidades dos serviços de resíduos sólidos e drenagem das águas de chuva, esses recursos passam de R$ 500 bilhões.

Olhando os indicadores nacionais desde a Lei 11445, de 2007, a chamada Lei do Saneamento, bem como o Ranking que o Instituto Trata Brasil publica todos os anos desde 2009, com base nos dados fornecidos pelas 100 maiores cidades, vemos que o país avança lentamente nesses serviços e que, a se manter nesse ritmo, não conseguiremos levar água e esgotos a todos os brasileiros antes de 2050. Esta constatação, sozinha, já deveria servir para mostrar que o Brasil precisa dos dois. Importante ressaltar que temos exemplos bons e ruins tanto no saneamento público quanto no privado, então cabe uma visão mais apurada.

Se tomarmos apenas os indicadores das 20 melhores cidades do Ranking do Trata Brasil – ano base 2014 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS – Ministério das Cidades) – temos 11 cidades operadas por empresas estaduais, 5 por empresas municipais e 4 por sistemas envolvendo participação privada. Se pegarmos as 20 últimas colocadas também teremos os mesmos modelos. E o que isso significa? Que mais importante do que analisar se o modelo é público ou privado é ver a eficiência com que se opera o saneamento naquela cidade, a sequência de investimentos que vem sendo feita a longo prazo e o foco que os governantes locais e a empresa operadora têm em encontrar soluções concretas para os serviços de água e esgotos.

Pelos números divulgados pelas entidades ligadas ao saneamento básico, cerca de 70% da população brasileira é atendida por empresas estaduais de saneamento, 20% por empresas municipais e 10% por empresas privadas. Isso mostra que, apesar dos avanços do setor privado (e que continuará), é impossível pensar que o setor privado substituirá o papel das empresas públicas, que atendem 90% das pessoas. Se não paira dúvida sobre a importância das empresas públicas no saneamento, então porque a polêmica?

Podemos dizer que a participação privada no saneamento básico está vivendo a mesma pressão enfrentada anos atrás por outras áreas da infraestrutura, como rodovias, telecomunicação e energia elétrica. A simples sinalização de que a iniciativa privada pode entrar mais forte nos serviços de água e esgotos gera pressão contrária daqueles que veem esses serviços como essencialmente públicos. Os fatos e a história mostram, no entanto, que o descaso de nossos governantes e a omissão com o crescimento desenfreado das áreas urbanas fez com que o modelo predominantemente público não fosse suficiente para levar saneamento básico a todos na velocidade necessária.

Não é culpa, portanto, das empresas, mas de grande parte dos governadores, prefeitos e governo federal que nas décadas de 80 a 2000 fecharam os olhos para o planejamento sanitário. Sendo pragmático e analisando apenas os números do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), promulgado em 2013, vemos que o país precisará de recursos financeiros da ordem de R$ 300 bilhões somente para que todos os brasileiros possam ter acesso aos serviços de água e esgotos. Se juntarmos as necessidades dos serviços de resíduos sólidos e drenagem das águas de chuva, esses recursos passam de R$ 500 bilhões.

Isso tudo para resolver a situação em 20 anos. Um tempo absurdo para a situação vergonhosa que vive o país que possui 35 milhões de brasileiros sem água tratada, mais de 100 milhões sem coleta de esgotos e que tem somente 40% de seus esgotos tratados. Verificando a dramática situação econômica de estados, municípios e mesmo do governo federal, é certo que essas instâncias não têm como fazer frente aos desafios do saneamento básico e que, portanto, é essencial a entrada do setor privado. E a importância desse setor não se dá apenas pelo aporte adicional de recursos, mas principalmente por trazer em seu DNA os conceitos mais aprofundados de gestão, governança, produtividade, capacitação, lucratividade e tantas outras características que faltam à muitas das empresas públicas do setor de saneamento.

Como em qualquer serviço público, mais relevante do que questionar se a empresa é pública ou privada, o essencial é que haja fiscalização e regulação, que se cobrem metas de desempenho, atendimento de indicadores mínimos de performance e que se preste um bom serviço ao cidadão. Que as tarifas sejam condizentes com capacidade de pagamento dos moradores, que ele seja respeitado em suas demandas, mas também que a empresa possa sobreviver com as tarifas do sistema. Não é o caso, portanto, de considerar a entrada da iniciativa privada como uma ameaça, ao contrário, o mais inteligente é pensar nela como um complemento importante para promovermos avanços mais rápidos na mais básica e esquecida das infraestruturas. Uma oportunidade de trabalhar junto, dividindo riscos, ganhando escala e partilhando soluções. Temos que lembrar, portanto, que mais importante do que promover debates sem fundamento na realidade é lembrar que saneamento traz saúde, protege as crianças, ajuda a educação e o turismo, gera renda e melhora nossos recursos hídricos. Isso sim é relevante para o país.

Edison Carlos

É Presidente Executivo do Instituto Trata Brasil. Químico industrial de formação, por muitos anos atuou em áreas ligadas à Comunicação e Relações Institucionais nos setores químico e petroquímico. Além de formado em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz, o executivo é pós-graduado em Comunicação Estratégica, já tendo atuado nas áreas de tratamento de águas e efluentes. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que nos últimos anos foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa. Em 2012, Édison Carlos recebeu o prêmio “Faz Diferença – Personalidade do Ano” do Jornal O Globo – categoria “Revista Amanhã” que premia quem mais se destacou na área da Sustentabilidade em todo o país.

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