O metrô que virou ônibus

A linha 4 do metrô, que atende aos torcedores que vão para as competições na Barra, para de funcionar à 1h

Tumulto numa madrugada sem Linha 4, sem informação e com BRT improvisado

Por Fernando Molica | Rio 2016 • Publicada em 9 de agosto de 2016 - 19:27 • Atualizada em 9 de agosto de 2016 - 19:32

A linha 4 do metrô, que atende aos torcedores que vão para as competições na Barra, para de funcionar à 1h
A linha 4 do metrô, que atende aos torcedores que vão para as competições na Barra, para de funcionar à 1h
A linha 4 do metrô, que atende aos torcedores que vão para as competições na Barra, para de funcionar à 1h

O início de depredação de um BRT, muitos protestos e a desorientação de passageiros – especialmente de turistas –  marcaram, no início da madrugada desta terça, a operação de um dos ônibus escalados para substituir o metrô que deveria levar para as zonas Sul e Norte torcedores que saíram por volta da 0h30 do Parque Olímpico da Barra. Todos haviam comprado, por R$ 25, o bilhete que dava direito à viagem integrada.

O problema foi causado pela limitação de horário do metrô. Nascida há menos de duas semanas, a Linha 4 – que liga Ipanema à Barra –  é um bebê que dorme cedo, vai para o berço à 1h. Assim, deixa na mão parte daqueles que deveriam ser os primeiros beneficiados pela obra. A nova linha custou caro – R$ 9,7 bilhões, quase o dobro do previsto – e mantém a tradição de suas irmãs mais velhas, as de número 1 e 2, mimadas pelo poder concedente, o governo do estado.

O roteiro que estava com o motorista indicava que as paradas do Centro, marcadas em vermelho, não tinham as tais plataformas
O roteiro que estava com o motorista indicava que as paradas do Centro, marcadas em vermelho, não tinham as tais plataformas

Os torcedores e trabalhadores dos Jogos que saíram do Parque Olímpico pouco depois da meia-noite foram informados, na plataforma do BRT, que na recém-aberta Estação Jardim Oceânico, na Barra, não embarcariam no metrô, mas em ônibus articulados. Veículos que, diziam os funcionários, iriam parar em todas as estações do metrô e chegariam até a Central (não foi apresentada qualquer alternativa para quem se dirigia ao Estácio ou à Tijuca).

A informação dada aos usuários não era verdadeira: os ônibus passaram batidos por estações como Jardim de Alah, Cantagalo, Flamengo, Catete e Glória.  Quando notaram que o veículo não havia parado na Jardim de Alah, dois rapazes gritaram com o motorista e deram sucessivos chutes e socos em portas. Nem mesmo o protesto de outros passageiros impediu que eles continuassem a depredar o ônibus.

Dois quarteirões depois, as portas foram abertas e eles conseguiram saltar – o correto seria usar o verbo “pular”. Projetados para parar em plataformas, os veículos do BRT não têm degraus. Tanto que, para viabilizar a substituição do metrô, a prefeitura construiu estruturas provisórias ao longo de pontos da Zona Sul. Quem saltou fora dessas plataformas tinha que vencer uma altura de 90 centímetros.

E não foram só os dois rapazes que se arriscaram no salto em altura. Por conta do desrespeito à sequência de estações, do ônibus lotado e da demora – a viagem chega a durar o dobro do tempo da que é feita sobre trilhos -, outros passageiros, como mostra este vídeo, decidiram descer fora das estações improvisadas. Um roteiro que estava com o motorista indicava que as paradas do Centro, marcadas em vermelho, não tinham as tais plataformas.

O condutor do BRT demonstrou não conhecer o trajeto, tanto que se mantinha na cola de outros três veículos – o conjunto formava uma espécie de procissão por ruas da Zona Sul. Perdido em Ipanema, o motorista se recusou a ultrapassar um outro BRT que ficara muito tempo parado à sua frente, chegou a saltar para tentar descobrir o que ocorria. Para a surpresa dos passageiros, ficou fora do ônibus por alguns minutos – às gargalhadas, turistas franceses diziam que assumiriam o volante.

A gambiarra logística, que lesa quem pagou pelo cartão que dá direito ao transporte especial, não é sequer mencionada no site do Riocard, nesta página do visit.rio e no mapa do site Cidade Olímpica, da prefeitura.

Outra página do Cidade Olímpica cita a troca de metrô por BRT na madrugada, mas garante que o público de competições que terminam mais tarde seria alertado: “Serão emitidos avisos nos placares de arenas que têm competições após às 22h30, além de avisos sonoros nas instalações e no Parque Olímpico”. As milhares de pessoas que, até o início da madrugada desta terça, acompanharam o jogo de basquete entre França e China não receberam qualquer alerta – a menos que o aviso tenha sido exposto em mandarim.

O Metrô Rio informa que o horário de operação durante a Olimpíada foi feito de forma “alinhada” com o Comitê Rio 2016, responsável pela organização dos Jogos. A definição, segundo a concessionária, levou em conta a “expectativa de público” e a necessidade de manutenção do sistema – durante o Carnaval, o metrô funciona de maneira ininterrupta. O Comitê Rio 2016 não confirmou nem desmentiu a informação.

BRT sem motorista fez a alegria dos torcedores franceses
BRT sem motorista fez a alegria dos torcedores franceses

A empresa que opera o metrô diz que não recebe um percentual sobre cada bilhete de R$ 25. Afirma faturar R$ 4 por cada viagem, menos que os R$ 4,10 da tarifa padrão. Durante a Olimpíada, a Linha 1 funciona até 1h30. Nos dias 12, 13 e 21 os trens desta linha e os da 4 vão operar até as 2h.

Quem ia para o Largo do Machado chegou ao destino às 2h40 – a viagem de ida, de metrô e BRT, demorara pouco mais de uma hora. Entre os passageiros que saltaram no ponto improvisado estava um francês fantasiado de galo, um dos símbolos do país.  Contrariado pelo perrengue da viagem, mas feliz com a vitória sobre a China, ele desceu do ônibus e subiu correndo a Rua das Laranjeiras – o galo francês incorporava, de certa forma, o brasileiríssimo Galo da Madrugada que marca o Carnaval pernambucano.

Fernando Molica

É carioca, jornalista e escritor. Trabalhou na 'Folha de S.Paulo', 'O Estado de S.Paulo', 'O Globo', TV Globo, 'O Dia', CBN, 'Veja' e CNN. Coordenou o MBA em Jornalismo Investigativo e Realidade Brasileira da Fundação Getúlio Vargas. É ganhador de dois prêmios Vladimir Herzog e integrou a equipe vencedora do Prêmio Embratel de 2015. É autor de seis romances, entre eles, 'Elefantes no céu de Piedade' (Editora Patuá. 2021).

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