Diário da Covid-19: 3 milhões de casos e 100 mil mortes no Dia dos Pais

Na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, um homem segura a bandeira brasileira entre balões vermelhos e cruzes em homenagem os cem mil mortos pela covid-19. Foto Fabio Teixeira/Anadolu Agency

Maioria dos óbitos foi de homens idosos, pais e avós que não poderão comemorar por conta do descaso e do desleixo do governo

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 9 de agosto de 2020 - 12:34 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:49

Na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, um homem segura a bandeira brasileira entre balões vermelhos e cruzes em homenagem os cem mil mortos pela covid-19. Foto Fabio Teixeira/Anadolu Agency

O país está de luto no Dia dos Pais: já são mais de três milhões de pessoas infectadas e mais de cem mil mortes contabilizadas neste domingo, 9 de agosto de 2020. Foram muitas vidas perdidas, mas, proporcionalmente, a maior parte dos óbitos pela covid-19 foi de homens idosos. Desta forma, o Brasil perdeu muitos dos seus filhos, enquanto muitos filhos perderam os seus pais.

Há um desafio global, pois o coronavírus invadiu todos os territórios do mundo. Porém, alguns países conseguiram conter a propagação do Sars-CoV-2 e minimizar o número de vítimas fatais. Algumas nações tiveram sucesso no controle da pandemia. Mas, infelizmente, o Brasil fracassou e, em consequência, ocupa o segundo lugar no triste ranking dos países mais afetados pela pandemia. O maior país da América do Sul está no pódio das nações que não conseguiram evitar as consequências mais dramáticas da emergência sanitária e da emergência econômica.

Uma centena de milhar de mortes não ocorre por acaso, mas sim por um acúmulo de erros e desleixo. O Brasil não fez uma barreira sanitária para evitar a propagação do coronavírus no território nacional. Não rastreou adequadamente as primeiras pessoas que apresentaram sintomas da covid-19. Não fez o número de testes necessário para o monitoramento da transmissão comunitária. Não realizou um isolamento social efetivo que eliminasse a curva epidemiológica e ainda começou a liberar as atividades econômicas e sociais quando o número de novas mortes estava em um alto platô batendo recordes semanais sucessivos.

O principal responsável pela tragédia de 3 milhões de pessoas infectadas e de 100 mil mortes, sem dúvida, é o Governo Federal que foi incompetente tanto para prevenir, quanto para remediar a morbimortalidade da covid-19. O presidente Jair Bolsonaro promoveu o negacionismo, a desinformação e a desarticulação entre o Poder Público e a Sociedade Civil. Entre tantas declarações desencontradas e insensatas, talvez a mais nociva seja aquela em que o presidente disse: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”.

Pensando assim, Bolsonaro atuou como um médico que se recusa a operar um paciente, com a desculpa de que a morte seria o “destino de todo mundo”. Com este tipo de conceito, o presidente tem mantido um militar interino, sem as qualificações técnicas requeridas, na chefia do Ministério da Saúde desde o dia 15 de maio. Nos 85 dias de interinidade houve 86,5 mil mortes, ou 1.018 vidas perdidas por dia no período. Mas diante do horror da marca de 100 mil mortes o presidente se eximiu dizendo: “Vamos tocar a vida”.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde registrou 3.012.412 pessoas infectadas e 100.477 vidas perdidas no dia 08 de agosto, com uma taxa de letalidade de 3,3%. Foram 49.970 novos casos e 905 óbitos em 24 horas.

Embora tenha havido uma pequena queda do número de casos e de mortes nas duas últimas semanas, as curvas epidemiológicas continuam em um platô elevado. O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações de casos e de mortes no Brasil da 17ª semana epidemiológica (SE de 19 a 25 de abril) a 32ª SE (02 a 08 de agosto). Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis. Mas as linhas (pontilhadas) da tendência polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais e indicam uma extrapolação para os próximos 7 dias. Observa-se que a tendência de queda do número diário dos casos que aconteceu na 29ª SE foi totalmente revertido na 30ª SE. No caso das mortes, a linha pontilhada vermelha mostra que a curva está estacionada em alto platô, acima de 1 mil mortes diárias por mais de 2 meses e não parece que vai ceder rapidamente.

Para avaliar o ritmo da expansão do número de casos no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de pessoas infectadas pela covid-19 por semana epidemiológica (SE), começando na 10ª SE (de 01 a 07/03). Os números absolutos aumentam, mas a variação relativa diminui.

No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 38% ao dia). Até a 13ª SE (22 a 28/03) os números relativos ficaram acima de 30% ao dia. Porém, nas semanas seguintes os números absolutos foram crescendo ao mesmo tempo que a variação percentual diminuiu. Na 32ª SE houve a menor variação relativa (1,5% ao dia), mas o aumento absoluto foi de 304,5 mil novos casos, ultrapassando o patamar de 3 milhões de pessoas infectadas.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou de 397 casos na 13ª SE (22 a 28/03), para 3.130 pessoas na 17ª SE e mais do que decuplicou até a 25ª SE. Mesmo ultrapassando a cifra de 30 mil casos diários na 25ª SE (14 a 20/06) o surto pandêmico continuou avançando e chegou à média recorde de 45.665 casos diários na 30ª SE (19 a 25/07), com variação relativa de 2,1% ao dia. Nas duas semanas seguintes, o número médio diário diminuiu para 43.505 casos na 32ª SE, com variação relativa de 1,5% ao dia. Como sempre fazemos todos os domingos, apresentamos uma projeção para a 33ª SE (09 a 55/08), que indica 43,9 mil casos diários no Brasil, com aumento relativo de 0,96% ao dia.

Como vimos anteriormente, o número de mortes da pandemia ultrapassou 100 mil óbitos no dia 08 de agosto de 2020. O gráfico abaixo mostra a evolução do número das vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE), desde que ocorreu o primeiro óbito no dia 17 de março. Na 12ª SE houve 18 óbitos, o que representou um crescimento diário de 78% em 5 dias. Nas semanas seguintes, o número absoluto de óbitos subiu continuamente, mas o número relativo diminuiu progressivamente. Na 32ª SE (02 a 08/08) o número de óbitos foi de 6.914, representando um aumento de 1,0% ao dia.

O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE, passou para 387 óbitos diários na 18ª SE e chegou a 976 óbitos diários na 22ª SE (24-30/05). Nas semanas seguintes o número diário oscilou em torno de 1.000 óbitos e bateu o recorde de 1.097 óbitos na 30ª SE. Na 31ª SE o número diário ficou em 1.016 óbitos e na 32ª SE (02-08/08) o número diário de mortes ficou abaixo de mil, a primeira vez em 2 meses. Devido ao processo de flexibilização da quarentena e conforme apontado pelo modelo polinomial, nossa projeção indica que deve haver um pequeno aumento para 993 mortes diárias na 33ª SE (09 a 15/08).

O panorama global

O mundo registrou quase 20 milhões de casos e 729 mil mortes no dia 08 de agosto, com uma taxa de letalidade de 3,7%. Foram 262 mil casos e 5,6 mil óbitos em 24 horas.

No gráfico abaixo, a curva do número de casos parecia indicar uma reversão em meados de abril, começando a esboçar um declínio. Porém, manteve a tendência de alta e acelerou a subida, com um recorde de quase 300 mil casos no dia 24 de julho. A liderança absoluta dos novos casos coube a três países: EUA, Brasil e Índia. A curva de mortalidade apresentou uma variação máxima diária em 16 de abril com cerca de 8 mil óbitos. A partir deste dia houve queda até o valor de cerca de 4 mil óbitos no dia 25 de maio. Porém, a variação diária voltou a subir e manteve uma média de quase 6 mil mortes diárias na 32ª SE. Ou seja, a pandemia continua se expandindo no mundo. O ajuste polinomial indica a continuidade do aumento da morbimortalidade na próxima semana.

Todos os dados acima mostram que a pandemia continua avançando tanto no Brasil quanto no mundo, mas em um ritmo relativo menor. O gráfico abaixo mostra que o Brasil estava acelerando em relação ao mundo até a semana a 21ª SE (17 a 23 de maio), quando o número de casos brasileiros chegou a subir 3,2 vezes mais rápido do que os casos mundiais. Mas nas semanas seguintes o ritmo relativo brasileiro caiu mais rápido e na 29ª SE (12-18/07) ambos cresceram a 1,7% ao dia. Mas nas duas semanas seguintes o Brasil voltou a apresentar uma maior velocidade no número de novos casos (20% acima do ritmo mundial). Na 32ª SE (02-08/08) o Brasil apresentava um ritmo 10% acima do ritmo global.

Da mesma forma, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença chegou a mais de 3 vezes. Contudo, no mês de junho houve desaceleração do ritmo brasileiro e a diferença caiu. Nas duas últimas semanas (31ª e 32ª SE) a diferença caiu para 1,3 vezes, a menor diferença da série histórica. O Brasil está se aproximando do ritmo médio global.

Já estamos no mês de agosto e os números de casos e de mortes da covid-19 continuam elevados. Mas três países – EUA, Brasil e Índia – respondem por mais de 60% dos casos e mais de 50% das mortes globais do novo coronavírus.

Os EUA assumiram o primeiro lugar em número de pessoas infectadas no mês de abril, com média móvel de cerca de 30 mil casos diários, mas estes números caíram para a casa de 20 mil e o Brasil assumiu a primeira colocação no mês de junho, conforme gráfico abaixo. Porém, a segunda onda dos EUA fez o país voltar à liderança isolada com uma média de quase 70 mil casos diários na maior parte do mês de julho. A média móvel do número de casos dos EUA caiu para cerca de 55 mil nos últimos dias. A média brasileira também caiu para cerca de 44 mil casos diários. E a média móvel da Índia subiu para 56 mil casos nos últimos dias, projetando para o país do sul asiático a liderança global do número de casos neste mês de agosto.

Em relação ao número de mortes, os EUA também ficaram na liderança isolada nos meses de abril e maio e tiveram um pico com média de mais de 2.500 óbitos diários, conforme gráfico abaixo. Mas o número de vidas perdidas para a covid-19 caiu e o Brasil ultrapassou o número diário de mortes dos EUA no mês de junho e quase todo o mês de julho. Ou seja, o Brasil ficou quase 60 dias na liderança isolada do triste ranking global de vidas perdidas. No final de julho, os EUA voltaram a apresentar números superiores aos do Brasil e a Índia se aproxima cada vez mais dos dois países das Américas. Na última semana os EUA tiveram uma média móvel em torno de 1.100 óbitos diários, o Brasil em torno de 1.000 óbitos diários e a Índia em torno de 820 óbitos diários.

Como estes 3 países possuem dimensões demográficas diferenciadas, a tabela abaixo mostra os coeficientes de incidência e de mortalidade e outros indicadores. Nota-se que os EUA, possuem um coeficiente de incidência de 15,6 mil casos por milhão de habitantes, o Brasil vem em segundo lugar com 14,2 mil casos por milhão e a Índia com 1,6 mil casos por milhão, abaixo da média mundial que é de 2,5 mil casos por milhão. Em relação ao coeficiente de mortalidade, os EUA também estão na frente com 498 óbitos por milhão de habitantes, o Brasil com 474 óbitos por milhão. Na semana que passou o Brasil ultrapassou o coeficiente de mortalidade da França (que está em 464 óbitos por milhão).

A despeito dos números elevados, a Índia tem somente 31 óbitos por milhão, abaixo da média mundial que é de 93 óbitos por milhão. A Índia também possui a menor taxa de letalidade, com a mortes apresentando 2% dos casos.

Os EUA realizaram 195 mil testes por milhão de habitantes, enquanto o Brasil realizou 62 mil testes por milhão e a Índia apenas 17 mil testes por milhão. Isto quer dizer que as subnotificações devem ser bem maiores no Brasil e, especialmente, na Índia quando comparadas aos EUA.

 Teremos 200 mil mortes até o final do ano?

O Brasil chegou ao Dia dos Pais com 100 mil mortes pela covid-19, sendo que nos 85 dias da gestão do general Eduardo Pazuello, na interinidade do Ministério da Saúde, a média de vítimas fatais do novo coronavírus foi de 1.018 óbitos a cada 24 horas.

A experiência internacional mostra que o lado direito da curva epidemiológica é, em geral, 2 a 3 vezes maior do que o lado esquerdo. Isto quer dizer que é enorme a probabilidade do Brasil atingir 200 mil mortes, especialmente porque o presidente Bolsonaro continua praticando o diversionismo e se eximindo da responsabilidade constitucional de proteger a população do país que sofre com o desgoverno de Brasília.

Sem uma sinergia entre a parte civil e a parte política da sociedade fica difícil vencer o Sars-CoV-2. A única esperança é de que haja uma vacina disponível o mais rápido possível ou que o avanço da pandemia reflua na medida que o número de casos atinja o limiar da imunidade de rebanho e a população possa desenvolver os anticorpos necessários para se contrapor ao vírus.

Mas como é pouco provável o surgimento de uma solução milagrosa até o final do ano, a estimativa de 200 mil mortes já pode ser vislumbrada no horizonte. Restam 144 dias para o réveillon de 2021 e se até lá o número médio diário de novas vidas perdidas ficar em torno de 700 óbitos, a duplicação das 100 mil mortes ocorrerá entre os dias 09 de agosto e 31 de dezembro. E se o número médio de pessoas infectadas ficar em torno de 20 mil ao dia, teremos 6 milhões de casos na virada do ano.

É uma tragédia de dimensão colossal. Os números brasileiros de 2020 superam o total de mortos em eventos como a Gripe Espanhola e a Guerra do Paraguai. A pandemia já chegou a mais de 90% dos 5.570 municípios brasileiros, sendo que somente 324 cidades possuem mais de 100 mil habitantes. O número de pessoas infectadas ultrapassará esta semana o montante da população de cada um dos seguintes estados brasileiros: AC, AL, AP, DF, MS, PI, RO, RR, SE e TO.

Mas além da saúde, a pandemia tem provocado baixas ainda mais significativas no mercado de trabalho. O IBGE divulgou no dia 06 de agosto os dados da pesquisa PNAD Contínua Mensal indicando que o número de pessoas ocupadas no trimestre out-nov-dez de 2019 era de 94,5 milhões e caiu para 83,3 milhões de trabalhadores no trimestre abr-mai-jun de 2020. Portanto, foram eliminados 11,2 milhões de postos de trabalho nos primeiros 6 meses do ano. No trimestre abr-mai-jun de 2012 a população ocupada representava 57,1% da população em idade ativa (PIA) e caiu para 47,9% trimestre abr-mai-jun de 2020. Ou seja, pela primeira vez na história brasileira o país tem menos da metade das pessoas em idade ativa ocupadas e gerando renda para o sustento próprio e de suas famílias.

A economia brasileira já estava enfraquecida desde a recessão que começou no segundo trimestre de 2014. Agora, com a pandemia do novo coronavírus, o PIB brasileiro terá a maior contração da história. Consequentemente, a renda per capita voltará aos níveis de 2010, consolidando a pior década perdida (2011-20) da República.

Quanto mais tempo durar a pandemia mais grave ficará a situação. O país vive um momento caótico, pois os idosos estão morrendo antecipadamente pela covid-19, os adultos estão perdendo os empregos e a capacidade de gerar renda e os jovens e as crianças estão sem escola. Parafraseando Oscar Wilde (1854-1900), o Brasil está passando da Barbárie para a decadência, sem vivenciar as conquistas da civilização.

Frase do dia 09 de agosto de 2020

“Só podemos medir a nossa força quando nos deparamos com um obstáculo”

Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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