Formigas defendem plantas em troca de açúcar e proteína

Pesquisa da Unifesp mostra que agressividade de insetos em ambientes áridos ajuda plantas a afugentar herbívoros

Por Agência Fapesp | ODS 15ODS 4 • Publicada em 4 de agosto de 2019 - 14:57 • Atualizada em 5 de agosto de 2019 - 18:36

Formiga em flor de guarujá no sertão da Bahia: pesquisa mostrou que agressividade de insetos em ambientes áridos e com pouca disponibilidade de alimentos ajuda plantas a afugentar artrópodes herbívoros (Foto: Laura Leal)
Formiga em flor de guarujá no sertão da Bahia: pesquisa mostrou que agressividade de insetos em ambientes áridos e com pouca disponibilidade de alimentos ajuda plantas a afugentar artrópodes herbívoros (Foto: Laura Leal)

Peter Moon*

Os biólogos Laura Carolina Leal e Felipe Passos realizaram uma série de experimentos no sertão da Bahia, uma região de vegetação de caatinga, para verificar a interação das plantas que possuem nectários extraflorais e formigas. Nectários extraflorais são fontes de açúcar (carboidrato) que as plantas fornecem às formigas em troca do serviço de defesa da planta contra herbívoros. São glândulas de néctar não relacionadas com o processo de polinização da planta e visitadas frequentemente por várias espécies de formigas.

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“Diferentemente do que se pensava, descobrimos que o carboidrato é apenas uma das formas de pagamento oferecido pelas plantas em troca do serviço de defesa proporcionado pelas formigas. Outra forma de pagamento são as proteínas que as formigas podem obter ao consumir os artrópodes herbívoros que se encontram disponíveis nas plantas que as formigas visitam”, disse Leal, professora do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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“Esta constatação vai contra a ideia de que o pagamento é só açúcar. Mostra que aquilo que a formiga ganha do herbívoro também importa. Em um ambiente onde alimentos ricos em proteína são mais escassos, com menos artrópodes, verificamos que as formigas podem ser mais agressivas, defendendo sua fonte de alimento e, por consequência, as plantas”, disse à Agência FAPESP.

Resultados do estudo foram publicados no Biological Journal of the Linnean Society. O trabalho teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

As formigas, independentemente da espécie, tornam-se mais agressivas em relação a outros artrópodes em locais pobres em proteínas. Consequentemente, esse aumento da agressividade potencialmente aumenta a eficiência com que as plantas portadoras de nectários extraflorais são defendidas contra herbívoros

O foco dos estudos de Leal e Passos gira em torno da investigação das diversas formas de mutualismo que ocorrem na interação entre insetos e plantas. “Mutualismo é a interação entre duas espécies com benefícios dos dois lados. Se não for vantajoso para ambas as espécies, mas só para uma delas, então é parasitismo”, disse a pesquisadora.

“Diversos estudos mostraram que formigas nectarívoras expulsam herbívoros e aumentam o sucesso reprodutivo de plantas com nectários extraflorais. Quanto mais importante o néctar extrafloral para as formigas, melhor deve ser para as plantas, uma vez que isso aumentaria a agressividade das formigas ao interagir com herbívoros. Decidimos investigar se o néctar seria mesmo o único pagamento que as plantas fornecem às formigas, uma vez que consumir o próprio herbívoro também pode ser uma vantagem para as formigas”, disse Leal.

Leal e Passos verificaram a hipótese de que a frequência de forrageio por espécies de formigas mais agressivas e a eficiência de defesa de plantas por formigas seriam maiores quando a disponibilidade de carboidratos ou de proteínas para formigas fosse baixa. Isso aumentaria o valor relativo tanto do néctar extrafloral como dos herbívoros para as formigas.

O estudo foi realizado no campus da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia. A região tem clima semiárido, com temperatura média anual de 25,2 °C e precipitação média anual de 848 milímetros. A vegetação da caatinga é caracterizada por um mosaico de arbustos espinhosos e florestas sazonalmente secas.

Em Feira de Santana, no início de 2017, os pesquisadores estabeleceram para fins do estudo 19 parcelas de terreno de 16 metros quadrados cada uma, distantes entre elas ao menos 30 metros. As parcelas continham a planta rasteira Turnera subulata, popularmente conhecida como boa-noite, chanana ou flor-do-guarujá. A densidade de T. subulata variou de cinco a 218 exemplares por parcela de estudo.

“Nas áreas estudadas, T. subulata era a principal espécie de planta e a única que continha nectários extraflorais”, explicou Leal. Esta planta apresenta um par de nectários extraflorais inseridos no pecíolo e na base das inflorescências. Esses nectários são constantemente visitados por diferentes espécies de formigas que podem defender a planta contra herbívoros.

“A importância relativa de qualquer recurso para animais pode ser influenciada pela abundância desse recurso no hábitat, mas também pelo número de indivíduos que compartilham esse recurso. Portanto, nosso primeiro passo foi quantificar os ninhos de formigas que buscavam alimento em nossas parcelas”, acrescentou.

Plantas com nectários extraflorais e as 13 espécies de formigas foram estudadas no campus da Universidade Estadual de Feira de Santana, no Sertão da Bahia (Foto: Laura Leal)
Plantas com nectários extraflorais e as 13 espécies de formigas foram estudadas no campus da Universidade Estadual de Feira de Santana, no Sertão da Bahia (Foto: Laura Leal)

Para isso, os pesquisadores colocaram cinco iscas mistas de carboidratos e proteínas (sardinha e mel) no solo em cada parcela. Uma isca foi colocada no centro de cada parcela e as outras quatro iscas posicionadas nos vértices, a 3 metros do centro. As iscas permaneceram ativas entre as 7 e as 11 horas (pico de atividade das formigas no local de estudo). “Esperamos até que as formigas localizassem as iscas e as seguimos de volta a seus ninhos, mesmo quando os ninhos estavam localizados fora de nossas parcelas de estudo”, contou Leal.

Depois de quantificar os formigueiros, os pesquisadores estimaram a abundância local de recursos de proteína e carboidratos para formigas em cada uma das parcelas de estudo. Dado que T. subulata é uma herbácea que ocorre em hábitat aberto, é atendida principalmente por formigas que procuram alimento no solo. “Registramos 312 ocorrências de 13 espécies de formigas nas plantas do estudo, com a maioria das plantas sendo procuradas por duas ou mais espécies simultaneamente”, disse a pesquisadora da Unifesp.

Entre as espécies de formigas, Camponotus blandus foi a mais frequente (42% das ocorrências), seguida de Dorymyrmex piramicus (25,6% das ocorrências). Para essas formigas, os artrópodes mortos do solo são a principal fonte de proteína.

Os pesquisadores utilizaram a biomassa de artrópodes em cada parcela de estudo como aproximação para determinar a disponibilidade de proteína para formigas que frequentam os nectários extraflorais naquelas plantas em cada parcela. Para isso, instalaram cinco armadilhas de queda em cada local de estudo: uma no centro e quatro nos vértices de cada local de estudo.

“As armadilhas de queda permaneceram ativas por 24 horas. Filtramos o conteúdo de cada armadilha e secamos no forno (a 60 °C) por 24 horas. Quanto menor a biomassa seca média dos artrópodes coletados em cada local de estudo, menor a disponibilidade local de proteína para formigas”, frisou Leal.

Menos proteínas, mais agressividade

Para avaliar se a disponibilidade de carboidratos e de proteínas no hábitat afeta a eficiência da defesa de formigas, os pesquisadores observaram o comportamento das formigas que frequentam os nectários extraflorais em relação a um herbívoro simulado.

“Simulamos a presença de um herbívoro na planta usando larvas do besouro-do-amendoim (Ulomoides dermestoides), que leva este nome por ser um predador comum de sementes de amendoim. Colocamos uma larva no ramo mais apical de cada planta focal, na folha que ofereceu a melhor plataforma horizontal para o inseto. Esperamos até a larva ser localizada pelas formigas”, disse a pesquisadora Laura Leal.

Em cinco plantas de cada parcela, os biólogos registraram a identidade das formigas presentes e sua eficiência na remoção de herbívoros simulados da planta. “Quando a larva foi localizada, observamos o comportamento das formigas em direção à larva. Observamos se a larva foi removida da planta, se as formigas pegaram a larva e a levaram para o solo, se a larva foi lançada da planta pelas formigas ou se a larva foi consumida no local onde foi encontrada”, acrescentou.

Segundo a pesquisadora, a probabilidade de interação da planta com espécies de formigas mais agressivas não foi influenciada pelo número de nectários extraflorais ativos ou pela biomassa de artrópodes nas parcelas. “No entanto, os herbívoros simulados foram removidos com maior frequência em parcelas com menor biomassa de artrópodes. Isso sugere que as formigas, independentemente da espécie, tornam-se mais agressivas em relação a outros artrópodes em locais pobres em proteínas. Consequentemente, esse aumento da agressividade potencialmente aumenta a eficiência com que as plantas portadoras de nectários extraflorais são defendidas contra herbívoros”, informou.

Ao contrário dos carboidratos, os recursos proteicos não são renováveis e são distribuídos aleatoriamente no ambiente. Insetos mortos, por exemplo, não têm padrão previsível de distribuição, sendo encontrados em locais onde os insetos morreram. Uma vez consumidos, esses insetos mortos não podem ser acessados por outras espécies de formigas na comunidade. “Isso nos leva a propor que as plantas portadoras de nectários extraflorais seriam mais eficientemente defendidas em hábitats pobres em proteínas, independentemente de quanto as plantas investem na interação via secreção de néctar”, argumentou Leal.

Nesse cenário, até mesmo as plantas que secretam néctar extrafloral de baixa qualidade podem ser defendidas de maneira eficaz contra herbívoros pelas formigas, porque o comportamento das formigas em direção aos herbívoros será impulsionado pela demanda de proteína, e não de carboidratos.

*Da Agência FAPESP

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