Savanas nativas substituem floresta na Amazônia

Área queimada no coração da Floresta Amazônica: de acordo com pesquisadores, essas florestas podem se recuperar após uma queimada em pequenas áreas, mas não resistem a incêndios recorrentes (Foto: Bernardo Flores/UFRN)

Pesquisadores identificam processo de savanização, causado por constantes incêndios, bem longe do Arco do Desmatamento

Por Agecom UFRN | ODS 13ODS 15 • Publicada em 21 de maio de 2021 - 09:56 • Atualizada em 24 de maio de 2021 - 09:26

Área queimada no coração da Floresta Amazônica: de acordo com pesquisadores, essas florestas podem se recuperar após uma queimada em pequenas áreas, mas não resistem a incêndios recorrentes (Foto: Bernardo Flores/UFRN)

Nos últimos anos, o mundo vem assistindo com perplexidade e apreensão às queimadas recorde ocorridas em diversas regiões da Floresta Amazônica. Soma-se a isso ainda a já regular preocupação com o avanço de atividades humanas como a agricultura, a pecuária, a mineração e o garimpo, ampliando o chamado Arco do Desmatamento e ameaçando as áreas periféricas da floresta, frequentemente consideradas mais vulneráveis.

Porém, um estudo realizado por cientistas do Departamento de Ecologia da UFRN e da Universidade de Wageningen, na Holanda, revela outra ameaça à Amazônia, pelo menos à forma como ela é conhecida atualmente. O trabalho mostra que está em curso um processo de substituição de florestas no coração da Amazônia por savanas nativas em virtude dos recorrentes incêndios.

A descoberta aconteceu em uma paisagem de ecossistemas inundáveis na região do Médio Rio Negro, área remota e distante da atividade agrícola, na qual manchas de savana de areia branca surgem em meio à floresta bem preservada. Foram mapeados, por meio de imagens de satélite, 40 anos de incêndios florestais. Os pesquisadores também visitaram essas localidades para avaliar o impacto das queimadas nas florestas.

Após analisar a variedade de espécies de árvores e as características do solo em florestas queimadas em diversos períodos, eles puderam atestar que os incêndios mataram quase todas as árvores. Como consequência, a faixa superficial do solo, rica em argila, foi se erodindo em decorrência das inundações anuais, mudando seu aspecto ao longo do tempo e se tornando arenosa. Assim, as árvores típicas das savanas passaram a ser predominantes nessas áreas, acompanhadas pelas herbáceas nativas.

“Nossas descobertas demonstram que savanas nativas ainda podem se expandir na Amazônia, não ao longo do Arco do Desmatamento, onde as gramíneas exóticas estão se espalhando, mas, sim, a partir de manchas de savana de areia branca distribuídas por toda a bacia em regiões remotas”, explica o pesquisador Bernardo M. Flores, autor principal do artigo Savanas de areia branca se expandem no centro da Amazônia depois de incêndios florestais, publicado recentemente na revista Ecosystems e parte integrante de sua tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFRN.

Savana é um bioma cujas principais características, em termos de paisagem, são as árvores espaçadas, as ervas rasteiras e os arbustos isolados em terrenos planos. Embora a mais famosa se localize no continente africano, elas estão presentes em diversas partes do planeta. Na região de abrangência deste estudo, os moradores locais denominam tais áreas como campinas.

Floresta com clima mais seco e risco de incêndios

Coautora do trabalho, a pesquisadora da Universidade de Wageningen, Milena Holmgren, alerta para questões climáticas importantes a serem observadas na floresta. “Este estudo fornece evidências de campo de que se o clima amazônico se tornar mais seco e os incêndios mais frequentes, as florestas inundáveis provavelmente serão as primeiras a colapsar, como um ‘calcanhar de Aquiles’ do sistema amazônico”, adverte a cientista.

Não é à toa tal preocupação. Dados coletados pelo estudo apontam que a seca ocasionada pelo efeito El Niño em 2016 queimou uma área sete vezes superior à acumulada dos 40 anos anteriores na região do Médio Rio Negro. Se as florestas inundáveis continuarem a diminuir, o resultado pode ser uma emissão de grandes quantidades de carbono contido em árvores, trufeiras e no solo. Além disso, os povos locais tendem a sofrer uma significativa queda na oferta de recursos para suprimento próprio, como peixes e produtos florestais.

Segundo os pesquisadores, os dados apresentados no artigo reforçam a necessidade de medidas voltadas para preservação e melhoria da capacidade de resiliência florestal nas regiões amazônicas mais remotas. Entre as ações, sugere Bernardo, a implementação de um programa de manejo de fogo na Amazônia ajudaria a diminuir a propagação de incêndios florestais quando a próxima seca acontecer. “Se queremos manter a Amazônia como um bioma florestal, devemos entender que as áreas inundáveis são inflamáveis e requerem atenção especial”, afirma o pesquisador.

Em continuidade ao estudo, os cientistas pretendem, além de manter o monitoramento nas áreas abordadas neste trabalho, investigar os efeitos dos incêndios em florestas de terra firme adjacentes. “Uma questão importante neste momento é se o fogo pode se tornar contagioso, atingindo extensas áreas florestais do centro da Amazônia”, diz Flores, e também “quais serão as implicações para os padrões de chuvas, a biodiversidade e as culturas que ali evoluíram”, acrescenta Holmgren.

Por Marcos Neves Jr – Agecom UFRN

Agecom UFRN

A Agência de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte tem a missão de comunicar e informar à sociedade o que é feito na UFRN

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