Infância sem diversão

Crianca brincando/ Foto de Christophe Simon/ AFP

SOS Anjos Especiais

Por Fernanda Portugal | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 2 de outubro de 2016 - 17:24 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:21

Crianca brincando/ Foto de Christophe Simon/ AFP
Crianca brincando/ Foto de Christophe Simon/ AFP
Crianças especiais não são convidadas para brincar e ir à festas. Foto de Christophe Simon/ AFP

A infância passou sem que Hygor, hoje com 27 anos, jamais tivesse sido chamado para uma festa de aniversário ou para uma tarde de brincadeiras na casa de um amiguinho. A infância está passando, e a história insiste em se repetir com seu irmão, Nilton, 7. Um dia, Janaína, a mãe, resolveu percorrer os becos do Morro Chapéu Mangueira e bater à porta das cerca de 30 casas que, como a dela, abrigam crianças especiais na comunidade do Leme, Zona Sul do Rio. Nomes e detalhes variavam, mas o mesmo enredo de exclusão lhe foi contado três dezenas de vezes. As respostas das outras mães só confirmaram o que seu coração já sabia.

Essas crianças quase não são vistas nas áreas de lazer, tanto da favela quanto do shopping. Mas elas existem! Isso sempre me incomodou, por isso resolvi agir

Naquele ano, 2012, Janaína Rodrigues Novaes virou a Janaína dos Anjos. Criou a ONG SOS Anjos Especiais e passou a promover para esta criançada, em seu quintal, muito mais do que festas de Natal, Páscoa ou 12 de Outubro: criou eventos de inclusão social. “Essas crianças quase não são vistas nas áreas de lazer, tanto da favela quanto do shopping. Mas elas existem! Isso sempre me incomodou, por isso resolvi agir”, desabafa a mulher de 53 anos, que dá duro diariamente no caixa de um mercado e ainda cuida da casa e dos filhos.

Na lida com os meninos, conta com a ajuda do marido, Cosme, 57, funcionário administrativo da Prefeitura. Incapacitado pelas sequelas de uma meningite aos 6 meses, Hygor tem 1,90 metro e 120 quilos, mas age como criança. Já o pequeno Nilton, vítima de hidrocefalia, foi adotado pelo casal há 4 anos. A mãe do menino foi morta em decorrência de envolvimento com drogas.

Além de tudo isso, Janaína ainda corre atrás de donativos, como refrigerantes, guardanapos, copos, talheres de plástico e outros apetrechos de festa. As doações são a única forma de viabilizar os eventos para os ‘anjos especiais’, já que a ONG não conta com qualquer patrocínio. “Eu presto contas direitinho. No Natal de 2014, uma moça doou cem reais. Mandei para ela foto do bolo que encomendei e recibo da senhora que fez: quem doa tem que saber em que o dinheiro foi usado”, afirma.

Festa de Papai Noel

SOS Anjos Especiais/ Foto de Divulgação
Papai Noel na favela. Foto de Divulgação

Sua próxima meta é conseguir doações para voltar a oferecer, em dezembro, o famoso ‘Almoço com Papai Noel’ aos ‘anjos’ do Chapéu Mangueira e da comunidade vizinha, Babilônia. “Também já têm vindo algumas pessoas da Rocinha e da Ladeira dos Tabajaras”, conta. Desde a criação da ONG, em 2012, o único Natal sem a festa foi o do ano passado. “A crise espantou todo mundo, até mesmo os ‘padrinhos’ das crianças, que são ‘da rua'”, explica. ‘Padrinhos da rua’, elucida, são doadores de fora da favela, com melhores condições financeiras, que compram presentes para os ‘anjos’, entregues durante o evento.

O momento mágico do festejo natalino é quando o ‘Papai Noel’ – pai de uma garota do grupo – desce por uma escada e vai abraçar os jovens e crianças. “Eles enlouquecem! Mesmo os grandes, que têm cabeça de pequeno, ficam encantados”, conta Janaína, que não para de imaginar eventos e mais eventos.

“Tinha vontade de fazer um de Dia das Mães, mas não tenho condições de dar presentes e não vou tirar essas mulheres de casa para não ganhar nada”, diz ela, sonhando em um dia lhes poder oferecer um bolo com desenho da Mulher Maravilha. “Ter filho especial e sem dinheiro não é para qualquer uma. Deus exagerou na dose ao nos fazer fortes! As crianças normais crescem e batem asas. As nossas vão ficar conosco para sempre, mesmo depois de grandes como o Hygor”, constata.

Planos também não faltam para comemorar o Dia dos Pais e até para fazer passeios com os ‘anjos’ fora do morro. Mas tudo, como sempre, esbarra na falta de recursos. Quando registrou a ONG, Janaína acreditou que fosse conseguir algum patrocínio. “Tirei CNPJ, tudo direitinho, mas e daí? Ainda sou só um projeto social. Se você conseguir alguém que te dê aquele ‘empurrão’, você chega lá. Comigo não aconteceu. Mas não vou parar só por causa de dinheiro”, promete.

Segundo Janaína, excetuando os ‘padrinhos da rua’, geralmente quem faz doações para as festas, como o ‘Almoço com Papai Noel’, é gente humilde, do próprio morro. “Se cada pessoa fosse um pequeno elo, no final teríamos uma grande corrente”, ensina.

Fernanda Portugal

Fernanda Portugal é carioca, formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Já foi editora de Saúde, Mundo, Meio Ambiente e Cidade do jornal 'O Dia'. Como repórter, no mesmo jornal, fazia matérias com temas ligados aos Direitos Humanos e ganhou o Prêmio SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) três vezes.

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