Os temperos da inclusão social

A Gastromotiva oferece aulas de gastronomia para jovens de baixa renda

Gastromotiva

Por Fernanda Carpegiani | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 9 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:22

A Gastromotiva oferece aulas de gastronomia para jovens de baixa renda
A Gastromotiva oferece aulas de gastronomia para jovens de baixa renda
A Gastromotiva oferece aulas de gastronomia para jovens de baixa renda

Aprender a cozinhar pode ser o primeiro passo para a inclusão social. Esse tem sido o caminho de mais de 2 mil jovens formados pela ONG Gastromotiva, que oferece cursos de capacitação em gastronomia para jovens de baixa renda desde 2006. As aulas extrapolam as técnicas culinárias e envolvem lições de cidadania, postura profissional e alimentação saudável. O objetivo é dar educação e oportunidade de emprego para quem não tem, usando a comida como agente de transformação social.

“Nossa prioridade é transformar vidas”, explica o chef curitibano David Hertz, criador da organização. “Escolhemos um campo que têm uma grande carga emocional para mim, mas que também possui uma enorme demanda de mão de obra que não é atendida”. Os setores de gastronomia, de alimentos e de bebidas movimentaram 9,3% do PIB brasileiro em 2011, de acordo com Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia). Faltam profissionais especializados no setor. Essa é a chave do sucesso da Gastromotiva: unir uma necessidade social com uma carência do mercado.

Esse sonho acabou gerando o primeiro projeto social que usaria a gastronomia como ferramenta capaz de promover educação, empregabilidade e geração de renda

Não basta a comida ser boa, ela precisa fazer bem para a sociedade. Foi com essa crença que Hertz começou a dar aulas para jovens da periferia em sua própria cozinha. Pouco antes da Gastromotiva, David trabalhava em um restaurante em São Paulo e, à época, sempre conversava com os funcionários e assistentes. O ano era 2004. Percebeu ali como a gastronomia era importante na vida das pessoas, e como elas tinham vontade de aprender mais sobre a área. Pediu demissão do emprego e foi dar aulas de culinária para jovens da comunidade do Jaguaré, na zona Oeste da capital paulista. Foi na sala de aula que se convenceu do potencial da gastronomia para transformar vidas.

“Esse sonho acabou gerando o primeiro projeto social que usaria a gastronomia como ferramenta capaz de promover educação, empregabilidade e geração de renda”. Em 2006, David passou a dar aulas para jovens da periferia em sua casa. Assim nasceu a Gastromotiva, hoje referência em gastronomia social – movimento mundial que promove a função social da gastronomia.

A primeira iniciativa da ONG foi um curso de capacitação em cozinha, com duração de três a quatro meses. Além de panificação e confeitaria, David também passou a ministrar aula fazendo um mix de diferentes culinárias.

A ação começou em São Paulo, até que foi clonada para o Rio de Janeiro e Salvador. Em 2015, o projeto fez uma parceria com o Grupo Son Restaurantero e a Aliat Universidades, ambos do México, chegou a cidade de Coacalco, periferia da Cidade do México. A maioria dos alunos já sai do curso com emprego garantido em uma das empresas que apoia a Gastromotiva.

Para a conclusão de curso, os alunos fazem um  Trabalho de Ação nas Comunidades (TAC). Eles voltam para suas comunidades e replicam o que aprenderam para as pessoas à sua volta. Cada aluno se transforma em um multiplicador.

Em 10 anos de trabalho, a ONG ganhou prêmios e ampliou suas ações. Hoje, também tem cursos para empreendedores e regressos do sistema prisional, além de desenvolver projetos de combate a obesidade infantil e participar em eventos nacionais e internacionais. A estimativa é de que as ações já beneficiaram mais de 85 mil pessoas.

Em 2014, a Gastromotiva arrecadou R$ 2.265.854,76, que vieram de doações de empresas, fundações e pessoas físicas, e do apoio da Rede Gastromotiva, formada por empresas do mercado gastronômico, como restaurantes e buffets. “Nos espelhamos em um modelo de gestão dinâmico e baseado em resultados. Dessa forma, podemos otimizar nossos custos operacionais e destinar nossos esforços para a transformação de vida de mais e mais pessoas.”

Derrubando barreiras

Nossa prioridade é transformar vidas”, explica o chef curitibano David Hertz, criador da ONG
O chef curitibano David Hertz, de bandana vermelha, dando aula de cidadania e culinária

No início, o maior obstáculo era convencer as pessoas e o mercado de que era possível e desejável usar a gastronomia como ferramenta de transformação social, mas esse cenário mudou. “Desde a crise financeira de 2008, muitos começaram a repensar seu papel no mundo. Hoje vejo muita gente com vontade de cocriar e trabalhar junto para o desenvolvimento do nosso país. Nossos desafios agora são como gerar mais impacto e escala com recursos financeiros tão limitados para investimento social.”

Para potencializar suas ações, a organização tem apoiado projetos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza e pretende contribuir para a criação e manutenção de políticas públicas. Mas ainda é preciso superar questões práticas e burocráticas. “Hoje existem leis de incentivos fiscais para projetos relacionados à cultura, mas não para projetos sociais de outra natureza, e atuar nesse sistema, sem benefícios para o doador, é muito difícil. Tentamos ser criativos para nos aliar a empresas, instituições e indivíduos que compartilham a nossa causa, já que dependemos integralmente de doações”, conta David.

O maior sonho do chef é que a inclusão social seja totalmente incorporada pelo mercado de gastronomia, e que as empresas do setor percebam a importância de apoiar a formação de jovens de baixa renda, tanto para diminuir as desigualdades sociais quanto para o sucesso do seu negócio. “Para a Gastromotiva, desejo que ela possa cada vez mais contribuir não só para a formação de pessoas em vulnerabilidade social, mas para entrar mais a fundo no tema de alimentação dentro de comunidades.”

Fernanda Carpegiani

Jornalista freelancer e co-fundadora do Formiga.me, um site de conteúdo sobre iniciativas independentes que transformam espaços públicos de cidades do mundo inteiro. Recebeu o Prêmio Editora Globo de Jornalismo 2013 na categoria Brasil com a reportagem “Infância às margens do São Francisco”, publicada na revista Crescer. Trabalhou em redações da Editora Segmento, do portal iG e da Editora Globo.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *