Ajuda humanitária mundo afora

Centro de saúde comunitário mantido por MSF em Boga, na República Democrática do Congo, em setembro de 2015

Médicos Sem Fronteiras

Por Fernanda Portugal | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 20 de abril de 2016 - 09:54 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:23

Centro de saúde comunitário mantido por MSF em Boga, na República Democrática do Congo, em setembro de 2015
Centro de saúde comunitário mantido por MSF em Boga, na República Democrática do Congo, em setembro de 2015
Centro de saúde em Boga, na República Democrática do Congo. MSF esteve lá em 2015

Era num posto de saúde infestado de morcegos em Uganda, África, que a infectologista Ana Paula Cavalheiro dava plantões atendendo portadores de HIV e tuberculose. Raphael de Lucena Oliveira passava as madrugadas acordado em Tabarre, Haiti, operando pessoas baleadas ou vítimas de acidentes de trânsito: em todo o país caribenho, era o único cirurgião vascular num hospital público. Em Kissy, Serra Leoa, oeste do continente africano, a psicóloga Renata Bernis ensinava parentes de mortos pelo vírus ebola a encontrar o que parecia impossível: força para continuar vivendo. Estas são apenas três histórias entre as de 130 brasileiros espalhados por 20 países, em missões de Médicos Sem Fronteiras (MSF). Ao todo, a organização humanitária internacional está em 70 nações, com 36 mil profissionais de diversas áreas.

“Levamos ajuda médico-humanitária a pessoas em locais de conflitos, desastres naturais, epidemias e desnutrição, ou àquelas que, por algum motivo, têm dificuldade de acesso a cuidados de saúde”, resume Alessandra Villas Boas, diretora de Comunicação do escritório brasileiro de MSF, no Rio de Janeiro. A meta da organização é chamar a atenção para o drama enfrentado pelos pacientes. “Muitas vezes, estamos em lugares onde ninguém mais está – nem a mídia, nem outras organizações – e observamos pessoas neste sofrimento extremo, com doenças gravíssimas, para as quais a indústria farmacêutica não tem interesse em buscar soluções”, explica.

Levamos ajuda médico-humanitária a pessoas em locais de conflitos, desastres naturais, epidemias e desnutrição, ou àquelas que, por algum motivo, têm dificuldade de acesso a cuidados de saúde

Nos escritórios de MSF pelo mundo, equipes monitoram potenciais novas crises e avaliam indicadores de saúde e mortalidade nas regiões afetadas. Os projetos são temporários e a organização não tem o objetivo de substituir o Estado.

Ana Paula , Raphael e Renata têm muitas histórias para contar. A infectologista presenciou mulheres lavando roupa ao lado de hipopótamos, enquanto os postos de saúde em Uganda estavam infestados de morcegos. O cirurgião viu mais casos de vítimas de tiros e acidentes em seus primeiros três dias no Haiti, no final de 2015, do que no período de um ano no Rio de Janeiro. A psicóloga nunca mais esqueceu o encontro com Haja, uma moça de 17 anos, em Serra Leoa, país aterrorizado pelo ebola. Haja se curou do vírus, mas perdeu a filha Khadija, de 5 anos. “Um sentimento de culpa recaía sobre ela, que tinha contaminado a pequena enquanto a amamentava”, contou a profissional.

Independência financeira e transparência

Profissionais de MSF prestam atendimento a refugiados da Síria e outros países em Idomeni, na Grécia, em março de 2016
Profissionais de MSF prestam atendimento a refugiados da Síria e outros
países em Idomeni, na Grécia, em março de 2016

Nenhum governo, empresa ou corporação diz para o MSF onde e quando atuar, nem o que fazer. Para garantir sua total independência, 90% dos recursos que mantêm a organização vêm das doações de 260 mil indivíduos no Brasil todo. Os outros 10% são verbas públicas, de governos ou das Nações Unidas. “Levamos a ajuda de forma neutra, imparcial e independente, sem distinção de raça, religião e convicção política”, diz Alessandra. Empresas privadas que queiram fazer doações ou propor parcerias com a entidade precisam passar por avaliação. A organização não aceita ajuda financeira das indústrias bélica, farmacêutica, tabagista e extrativista.

Relatórios de atividades e financeiros, pormenorizados, são publicados no site da instituição e em publicações impressas distribuídas aos doadores. Em 2014, MSF Brasil recebeu um total de R$ 78.481.852 em doações. As maiores fatias foram destinadas aos próprios projetos (68%) e a ações para captar mais recursos (22%). O restante foi dividido entre administração, comunicação e outras necessidades.

Cerca de 90 dos funcionários são vinculados à sede de MSF no Rio de Janeiro, dos quais um terço dá expediente nas ruas, explicando como é o trabalho da organização e angariando novos doadores. No escritório da Rua do Catete há 63 funcionários, que atuam principalmente na divulgação das ações de MSF e no recrutamento de brasileiros interessados em partir para as missões no exterior. “É preciso nos mandar currículo e carta de motivação, explicando o motivo de querer se unir a MSF. A etapa seguinte é composta de entrevistas. Se o candidato for aprovado, aguarda a abertura de vaga num projeto”, explica Alessandra.

A ONG cobre todos os custos de viagem e hospedagem, além de seguros de saúde e vida. “Há pessoas que participam apenas de um projeto. Há aquelas que encerram uma missão, dão um tempo e partem para outra. É muito variável. O que preferimos é que o profissional tenha pelo menos um ano de disponibilidade para os MSF”, acrescenta a diretora. Segundo ela, os salários são medianos. “Não queremos que ninguém venha por causa de dinheiro, mas também não gostaríamos que remuneração fosse um impeditivo para que viessem. Tem que haver equilíbrio”, analisa.

Além de médicos de todas as especialidades, enfermeiros, psicólogos e fisioterapeutas, a organização também precisa de profissionais de outras áreas, como engenheiros, para cuidar da logística dos projetos, e administradores. Um destes viajou em novembro passado para Kunduz, no Afeganistão, onde no dia 3 de outubro uma unidade de MSF, com 140 leitos, fora bombardeada pelos Estados Unidos. A missão de Marcos Leitão era a de pagar indenizações às famílias de 14 colaboradores da organização que estavam entre os 42 mortos no ataque. Além de equipes médicas, morreram pacientes e cuidadores. “O intervalo entre uma bomba e outra, um tiro e outro, não chegava a um segundo. O cheiro de sangue e carne queimados é algo que dificilmente vou esquecer”, conta.

Missões no Brasil

Em solo brasileiro, MSF realizou missões pontuais, a partir de 1991. A primeira foi o combate a uma epidemia de cólera na Amazônia. Após o controle do surto, a organização permaneceu na região até 2002, promovendo trabalho de medicina preventiva com tribos indígenas. Outras iniciativas foram atendimento de saúde em comunidades carentes e violentas do Rio, como a favela de Vigário Geral e os complexos do Alemão e da Maré. No final de 2011, MSF trabalhou numa crise humanitária envolvendo imigrantes haitianos na cidade de Tabatinga, no Amazonas. No local, houve distribuição de itens de primeira necessidade e a realização de atividades de promoção de saúde.

Entre as mais recentes iniciativas locais, esteve o atendimento aos sobreviventes das enchentes na Região Serrana do Rio, em janeiro de 2011, que mataram mais de 700 pessoas. “Neste caso, optamos por um trabalho de saúde mental, que era a área que não estava sendo atendida pelo poder público. Levamos para lá psicólogos brasileiros que tinham atuado no terremoto do Haiti, em 2010, para dar treinamento a profissionais locais”, conta Alessandra. A estratégia de qualificar em vez de fazer atendimento direto tinha o objetivo de atingir um público grande mesmo com uma equipe reduzida. “A capacitação me deu um novo olhar sobre o que estava acontecendo. Por também ter sido vítima, eu estava muito abalada”, relatou a neuropsicóloga Ozimar Verly.

A organização foi criada em 1971, na França, por jovens médicos e jornalistas que haviam atuado no fim dos anos 60 como voluntários em Biafra, Nigéria. Enquanto socorriam vítimas em meio a uma guerra civil brutal, eles perceberam as limitações da ajuda humanitária internacional: dificuldades de acesso e entraves burocráticos e políticos faziam com que muitos se omitissem. Em 1999, MSF recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Fernanda Portugal

Fernanda Portugal é carioca, formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Já foi editora de Saúde, Mundo, Meio Ambiente e Cidade do jornal 'O Dia'. Como repórter, no mesmo jornal, fazia matérias com temas ligados aos Direitos Humanos e ganhou o Prêmio SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) três vezes.

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2 comentários “Ajuda humanitária mundo afora

  1. andressa lopes disse:

    Boa Tarde Fernanda
    me chamo Andressa,sou do curso de psicologia,Gostaria de saber se existe a possibilidade de me passar seu e-mail?
    Estou realizando um trabalho sobre ética na medicina,e escolhi sua matéria como base.
    Gostaria de saber se você ainda tem algum tipo de contato com as pessoas citadas,Raphael,Ana ou Renata? se eles ainda estão MSF?

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