Comunicação a serviço das minorias

TV Fuzuê, um dos projetos desenvolvidos com crianças pelo Cecio

Cecip - Centro de Criação de Imagem Popular

Por Márcio Menasce | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 7 de janeiro de 2016 - 10:42 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:27

TV Fuzuê, um dos projetos desenvolvidos com crianças pelo Cecio
TV Fuzuê, um dos projetos desenvolvidos com crianças pelo Cecio
TV Fuzuê, um dos projetos desenvolvidos com crianças pelo Cecip

Como podemos mudar o mundo? Os camponeses analfabetos que aprenderam a ler em 40 horas com o método Paulo Freire, nos anos 60, não só aprendiam a ler. Eles aprendiam também a entender o mundo criticamente. Descobriam que eram produtores de cultura e que suas injustas condições de vida podiam ser mudadas. Para o educador, o ato revolucionário era aprender a escrever, “escrever o mundo”, pois quem escreve a própria história a toma em suas mãos e muda o mundo. E hoje, aqui e agora? Precisamos reescrever esse mundo, apontar alternativas. Quando se começa a mudar o mundo? Para Claudius Ceccon, cujo livro acaba de ganhar o Prêmio Jabuti 2015 em sua categoria, a mudança é uma utopia na direção que devemos nos mover.

Claudius, um dos grandes nomes da história do cartunismo brasileiro, participou da aventura do Pif Paf de Millôr Fernandes e foi um dos fundadores (acidentalmente, diz ele) do Pasquim ao lado de Jaguar, Tarso de Castro, Carlos Prósperi e Sérgio Cabral, todos empenhados em contar, com humor, uma nova versão deste nosso Brasil. Gaúcho de Garibaldi, Claudius veio para o Rio com 4 anos de idade e “cariocou-se” definitivamente, usando seu traço para documentar a história do país.

Foi perseguindo o sonho de uma imprensa livre que, junto a um grupo de amigos, tirou do papel o Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip ), uma ONG que completa este ano três décadas.

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção

Sua atividade como arquiteto corria paralela à de cartunista, mas foi logo depois da criação do Pasquim, em 1969, em pleno Ato V, que Claudius deixou seu escritório de arquitetura e foi para Genebra com a família, como Secretário Executivo de Comunicação da organização internacional World Student Christian Federation (WSCF). Era um mandato de dois anos, mas, na hora de voltar, a turma do Pasquim estava na cadeia. Logo, não era a melhor ocasião para o retorno. O adiamento se tornou exílio quando a ditadura retirou o seu passaporte e o de sua família, incluindo duas crianças de 8 e 9 anos. Foi lá fora que Claudius e Freire se conheceram, viraram amigos e criaram o Instituto de Ação Cultural.  A amizade rendeu frutos em projetos realizados na Europa e na África. A experiência foi útil ao retornar ao país e empenhar-se ativamente no que foi o processo de redemocratização.

O Cecip nasceu com uma proposta inovadora para a época – o uso de vídeo em comunicação popular, com profissionais de primeira linha nos bastidores. O ano era 1986. O cartunista colocou em prática as teorias de Freire.

Nomes de peso se engajaram no projeto. O cineasta Eduardo Coutinho foi companheiro constante: toda sua produção cinematográfica, entre o premiadíssimo “Cabra Marcado para Morrer”, em 1965, e o documentário “Santo Forte”, em 1999, que marca sua volta à telona, foi realizada em projetos do Cecip.Ouvir histórias de pessoas para  quem a sociedade está acostumada a dar as costas foi o que o documentarista fez em toda a sua vida. Outros nomes, como a escritora Ana Maria Machado, o físico Ennio Candotti, o jornalista Washington Novaes e o então professor de história Chico Alencar também se juntaram à trupe. Coutinho manteve seu espaço de trabalho no Cecip por toda a vida – o documentarista, inclusive, ganhou uma sala com seu nome, mas nunca chegou a ocupá-la, pois morreu antes da mudança da sede da entidade.

Telão sobre quatro rodas

Exibição da TV Maxambomba em praça pública na Baixada Fluminense
Exibição da TV Maxambomba em praça pública na Baixada Fluminense. Durante mais de dez anos roubou o público das novelas globais

A TV Maxambomba é, até hoje, um dos projetos mais inovadores e celebrados do Cecip. A programação era produzida com a participação dos moradores da Baixada Fluminense, numa época em que não existiam nem câmeras digitais e nem smartphones. O equipamento de trabalho era profissional, de última geração: enormes câmeras, ligadas a seus pesadíssimos gravadores U-Matic. A equipe da ONG orientava os aprendizes de repórteres e lhes abria outra dimensão em suas vidas. Nesta, eles podiam falar e mostrar o que viam e como enxergavam a realidade. As histórias eram contadas para moradores das próprias comunidades. A programação ia ao ar todas as noites, em diferentes praças, projetada num telão montado sobre uma Kombi. Durante mais de dez anos, na Baixada Fluminense, a audiência da TV Maxambomba concorria com a das novelas da TV Globo que fossem ao ar no mesmo horário.

Nas últimas três décadas, o Brasil mudou de cara: a ditadura acabou, o país foi redemocratizado, e a tecnologia voltada para a comunicação ficou mais acessível. Mas o público alvo do Cecip continua precisando de ajuda para contar suas histórias. Antigos alunos ensinam hoje aos novos aprendizes, como é o caso de Gianne Neves, que tornou-se repórter da TV Maxambomba aos 12 anos e hoje é coordenadora de projetos da ONG, além de fazer  doutorado em Ciências Sociais.

Inclusão digital na programação

O Cecip realiza projetos de inclusão digital com alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro e acumula perto de uma centena de prêmios, entre eles o Prêmio Itaú-UNICEF Educação & Participação, na categoria Mobilização pela Educação, com o Projeto Estatuto do Futuro, um kit para formação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. O Cecip também recebeu o Certificado de Tecnologia Social, concedido pela Fundação Banco do Brasil, pelo Projeto Botando a Mão na Mídia, que desenvolve uma metodologia de leitura crítica dos meios de comunicação de massa.

No currículo, também estão filmes consagrados, como ‘Santo Forte’ e ‘Babilônia 2000′, ambos do documentarista Eduardo Coutinho, que lançou mão de alunos do Cecip para a produção dos dois filmes. “Bendito Fruto”, deliciosa comédia carioca de Sérgio Goldenberg, é outra premiadíssima realização do Cecip, que também já produziu uma série de documentários, em coprodução com as televisões européias BBC, Channel 4, Canal Plus, ARTE, e ZDF.

Com orçamento anual de R$ 7,2 milhões, o Cecip foi responsável por diversos programas educativos, como o Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, em parceria com o Oi Futuro, para adolescentes e jovens de baixa renda, estudantes da rede pública. Eles recebem formação qualificada em áreas estratégicas da arte e da comunicação: fotografia, vídeo, design gráfico e computação gráfica. Desde 2009,  já se formaram 250 jovens. A formatura da quarta turma, com 60 jovens, acontecerá em maio de 2016.

Em Nova Brasília, uma das 14 comunidades do Complexo do Alemão, o Cecip foi o criador e gestor do projeto “A Praça do Conhecimento”, mais tarde rebatizada de “Nave do Conhecimento”. Ali são oferecidos cursos e realizadas atividades de capacitação em novas tecnologias. É garantido livre acesso à internet e são disponibilizados aos moradores recursos multimídia para a produção e difusão de conhecimento, cultura e arte.

Em resposta ao modo participativo de gestão do Cecip, a comunidade se apropriou do projeto, fazendo com que o equipamento público alcançasse plenamente sua finalidade. Uma característica é a intensa participação das crianças em todas as atividades, inclusive como “Coordenadoras Mirins”, ajudando a gerir o espaço e recebendo visitantes, com quem fazem um “tour” pelas instalações. A equipe produziu uma publicação, ilustrada com fotos de alunos e professores, chamada de “Ideias, sonhos e histórias – cultura digital em Nova Brasília”, um relato vivo do que ali se construiu com os moradores e um testemunho do que pode ser feito quando se aposta numa gestão transparente e verdadeiramente participativa. 

 

Márcio Menasce

É jornalista. Trabalhou no Globo, no Dia, na Folha de S.Paulo e como repórter do Dia Online. Também esteve em assessoria de imprensa, nas áreas de negócios e tecnologia da informação.

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