O desafio da reciclagem na Índia

Catador de papel velho, em Delhi

Exército de catadores não é suficiente para resolver problema do lixo produzido por 1,2 bi

Por Florência Costa | LixoODS 14 • Publicada em 18 de setembro de 2016 - 07:57 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 16:00

Catador de papel velho, em Delhi
Kabadiwallah (catador de plástico velho), em Mumbai
Kabadiwallah (catador de plástico velho), em Mumbai:  figura comum no cenário urbano da Índia

Catadores de papel, plástico e metal arrastam seus carros de mão pelas ruas de Okhla,  subúrbio industrial de Delhi. Figurinhas comuns no cenário urbano da Índia, eles são os Kabadiwallah (coletores de tralhas). De manhã, circulam pelos bairros anunciando sua passagem com antigas buzinas de borracha ou gritando com aquela típica entonação anasalada e ritimada. Moradores saem de suas casas e os chamam para negociar. Vendem jornais velhos e outras tralhas, que depois vão ser reciclados.

Coletores de tralhas, em Delhi
Coletores de tralhas, em Delhi

Os indianos, tradicionais poupadores, têm um antigo costume de aproveitar tudo o que possuem até a exaustão. Só dispensam coisas quando elas, realmente,  já perderam a validade. E quando não as querem mais, procuram vendê-las. Há um imenso exército informal verde na Índia, formado por homens, mulheres e crianças mal pagos e desprotegidos, boa parte deles dalits (oprimidos, antigamente chamados de intocáveis, que não encontram lugar na rígida hierarquia de castas). Mas mesmo esses milhões de trabalhadores do mercado de lixo e reciclagem não dão conta do recado indiano. O país, com 1,2 bilhão de habitantes, produz uma imensa quantidade de resíduos. São cerca de 70  milhões de toneladas por ano.

Três de quatro aterros de Nova Delhi já estão com sua capacidade completa há cinco anos e, mesmo assim, mais lixo continua sendo jogado neles. Sunita Narain, diretora do Centro para a Ciência e o Meio Ambiente, com sede na capital indiana, diz que o país produz uma quantidade de lixo maior do que pode suportar. Hoje, apenas entre 10 e 15% do lixo doméstico é reciclado. O resto acaba nos aterros. O departamento ambiental de Delhi alerta que, até 2020, a capital vai precisar de uma área adicional de 28 quilômetros quadrados para servir de depósito para 15 mil toneladas de resíduos por dia. Atualmente, são produzidas 9 mil toneladas diárias na cidade.

Deepak Sethi, cercado por estudantes: campanha com as crianças
Deepak Sethi, cercado por estudantes: campanha com as crianças

O desafio é tamanho que o primeiro-ministro Naredra Modi lançou uma grande campanha, chamada Swachh Bharat (Índia Limpa), e apareceu na mídia varrendo o chão, para promover a ideia de que todos devem se envolver na tarefa de limpar o país. Um dos símbolos do projeto são os icônicos óculos redondos de Mahatma Gandhi. O líder pacifista dava grande importância à questão da limpeza. Ele próprio limpava latrinas, para dar o exemplo e mostrar que esta não era tarefa exclusiva dos dalits. Especialistas dizem que o problema na Índia só pode ser resolvido com uma revolução na forma de tratar o lixo e com a adoção de um sistema de gerenciamento mais inteligente. Os aterros estão superlotados e contaminados. A saída é investir no processo de reciclagem maciça.

Na esteira da campanha governamental, surgiram várias startups. Uma delas é a Pom Pom , cuja sede fica justamente no subúrbio industrial de Okhla.  Criada em novembro do ano passado, ela é uma startup online de compra de lixo segregado das casas e de venda deste material para indústrias. Basta baixar um aplicativo e chamar a Pom Pom que um de seus carros vai ao local (na Zona Sul de Delhi). O material é pesado em balanças eletrônicas, mais confiáveis, para calcular o valor, que é pago na hora.

Sou apaixonado. Tenho mais fotos de lixo  do que da minha família no celular

Além disso, a Pom Pom faz um intenso trabalho de conscientização sobre reciclagem, com foco nas crianças: a aposta é nas próximas gerações. Aos 36 anos, Deepak Sethi sempre trabalhou com gerenciamento de empresas, antes de abrir a startup, com o sócio Kishore Thakur, 56 anos, especializado em comércio. “Sou apaixonado por lixo. Tenho mais fotos de lixo do que da minha família no celular”, brinca Sethi, que, paralelamente,  atua como gerente de uma transportadora de lixo. Ele explica a escolha do nome de sua empresa: além de lembrar a buzina dos kabadiwallas, é atrativo para a garotada.

“As crianças são um dos nossos principais alvos. Estamos fazendo campanha com elas para que sejam adultos conscientes”, diz Sethi.  Como a pom Pom, várias outras startups indianas passaram a focar nos mais jovens, de olho na geração futura.

A campanha da empresa na mídia social lembra que a reciclagem de uma tonelada de papel pode salvar 17 árvores. E a de uma lata de alumínio economiza energia suficiente para fazer uma televisão funcionar por três horas. Sethi e sua equipe perceberam um aumento nos esforços para separar o lixo, mas o ritmo do trabalho ainda era muito lento para o tamanho do problema.  “Vimos toneladas de material reciclável indo parar nos aterros. Aí, decidimos promover a separação e a reciclagem, pagando a pessoas (catadores) para fazer isso”, conta Sethi.

Eles fizeram um investimento inicial de RS$ 500 mil, com um modelo de lucro baseado na venda do material reciclável.  No geral, a Pom Pom _ que conta com 20 carros e 50 funcionários, além de 35 atendentes no call center da startup _  recolhe papel, plástico, vidro e metal de 70 casas e escritórios, por dia,

O problema, explica Sethi, é que há itens difíceis de serem separados do lixo molhado, como películas de plástico e papéis. “Então, começamos a realizar treinamentos em empresas, embaixadas, escolas…”, conta. “Já fizemos mais de 70 workshops em colégios. Ensinamos às crianças que coisas podem ser recicladas do quarto delas, do banheiro, da cozinha. Mostramos fotos de aterros, para elas verem para onde vai o lixo que não é segregado. E explicamos o que acontece quando ele é separado”, conta. A aposta nos pequenos faz sentido neste país de jovens: metade da população tem menos de 25 anos de idade. A Índia planta suas sementes para uma geração futura engajada.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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Um comentário em “O desafio da reciclagem na Índia

  1. enrique eduardo ormezzano disse:

    “O Lixo 0” e uma realidade nos convivemos com isto através do nosso projeto para transformar todos os materiais orgânicos, plásticos, papel, tecidos e outros em biodiesel de segunda geração com a mesma qualidade que o diesel do petróleo, reciclamos 100% dos resíduos sólidos urbanos, o grande problema para implementar esta tecnologia e a falta de vontade politica no brasil e falta de interesse dos empresários de investir em novas tecnologias, mais e possível sim e ainda ganhar dinheiro e uma tecnologia sustentável.

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