Startup para jovens de “50+”

O francês Gilles Latraye, de 57 anos, é um exemplo dos muitos jovens de 50 ou mais que buscam oportunidades: “Eu quero trabalhar”, diz o cartaz. Foto de Jean Christophe Verhaegen/AFP

Iniciativa já tem mais de quatro mil inscritos e cerca de 60 empresas parceiras

Por Cátia Moraes | ODS 1 • Publicada em 17 de novembro de 2016 - 08:30 • Atualizada em 20 de novembro de 2016 - 12:59

O francês Gilles Latraye, de 57 anos, é um exemplo dos muitos jovens de 50 ou mais que buscam oportunidades: “Eu quero trabalhar”, diz o cartaz. Foto de Jean Christophe Verhaegen/AFP
O francês Gilles Latraye, de 57 anos, é um exemplo dos muitos jovens de 50 ou mais que buscam oportunidades: "Eu quero trabalhar", diz o cartaz. Foto de Jean Christophe Verhaegen/AFP
O francês Gilles Latraye, de 57 anos, é um exemplo dos muitos jovens de 50 ou mais que buscam oportunidades: “Eu quero trabalhar”, diz o cartaz. Foto de Jean Christophe Verhaegen/AFP

O assunto está ‘bombando’. Mas, ao contrário do que sugere a gíria – reverberando, acontecendo -, a situação dos veteranos não está para o gerúndio. Quanta mais grave e disseminada, menos falada, como se fosse um destino, quase uma vergonha, passar dos 40, 50, 60 e não encontrar espaço num mercado de trabalho focado em profissionais de 20, 30 anos, como nunca antes. Numa época em que os 50 são os novos 35, 40, em termos de saúde, e que não é possível sobreviver com a aposentadoria, a situação toma proporções dramáticas.

Pelo que eu vejo, mais do que a crise, existe um preconceito com profissionais acima de 40 anos, em função de uma cultura que ainda valoriza os mais jovens. Há uma ideia de que os profissionais mais velhos são mais caros, o que nem sempre é verdade.

Se o mercado não vai aos veteranos, uma startup assumiu a missão de levar os chamados 50+ – haja eufemismo – às empresas. Criada pelo engenheiro de software Mórris Litvak, 33 anos, a Maturijobs nasceu há cinco meses com o objetivo de promover a reinserção profissional: “O foco da empresa está nas habilidades, no que as pessoas com mais de 40, 50 anos fazem bem e melhor do que os jovens”, diz Litvak.

A ideia surgiu numa época dolorosa: a morte da avó de Mórris, aos 80 anos, “cheia de vitalidade e capacidade criativa, mas alijada do mercado”, conta ele. Foi quando o engenheiro pensou em criar uma plataforma que conectasse as pessoas mais maduras às empresas. Criada em maio deste ano e instalada no Impact Hub, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, a startup tem tido muita procura.

Mórris Litvak, 33 anos, criador do Maturijobs. Foto de Divulgação
Mórris Litvak, 33 anos, criador do Maturijobs. Foto de Divulgação

– Temos mais de quatro mil pessoas acima de 40, 50 anos cadastradas e mais de 60 empresas inserindo vagas desde maio, quando lançamos a plataforma online. Já tivemos um bom número de recolocados – informa Litvak.

Em agosto, a Maturijobs participou, em Florianópolis, do programa SGB Camp, voltado para a pré-aceleração de startups e terminou como vencedora entre as dez empresas participantes. A conquista, segundo Litvak, significa mais um passo rumo ao desenvolvimento do negócio de maneira sustentável, com ênfase no impacto social e na escalabilidade por meio da tecnologia.

Com a premiação, a Maturijobs fará parte da nova turma do programa de aceleração da Yunus Social Business (YSB), uma empresa fundada pelo Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus. A YSB atua em sete países, com vistas a investir e acelerar negócios com potencial de impacto socioambiental. Litvak atribui a dificuldade da recolocação profissional ao preconceito contra quem passou dos 40, 50.

– Pelo que eu vejo, mais do que a crise, existe um preconceito com profissionais acima de 40 anos em função de uma cultura que ainda valoriza os mais jovens. Há uma ideia de que os profissionais mais velhos são mais caros, o que nem sempre é verdade, levando-se em conta que os profissionais mais experientes trocam de emprego bem menos que os mais jovens. Além disso, há uma ideia de que os mais maduros podem estar obsoletos em tecnologia, o que pode ser verdade ou não.

Quando conseguem emprego, muitos profissionais qualificados estão aceitando trabalhos com remuneração inferior ao que receberam no passado, diz o engenheiro.

– Um currículo extenso pode assustar um empregador com a impressão de que o profissional é caro ou “overqualified”. Tem muita gente repensando a carreira e também aceitando remuneração inferior, por necessidade de sobrevivência ou vontade de continuar trabalhando.

Com base em sua experiência, ele diz o que os 40+, os 50+ devem fazer para conseguir se recolocar.

– As pessoas precisam se abrir para o novo, conhecer gente, ir a eventos e fazer cursos para descobrir quais são as possibilidades que a nova economia oferece, se familiarizar com as novas tecnologias.  Empreender, hoje, é mais simples do que antes, mas exige um conhecimento das novas técnicas e metodologias de negócios digitais e do marketing na era das redes sociais.

Ele vê uma luz no fim do túnel, mas acredita que a situação ainda vai demorar a ser revertida.

– Acho que as empresas irão se abrir aos profissionais mais experientes, mas isso vai acontecer lentamente, apesar de a população estar envelhecendo no Brasil. Entretanto, não haverá emprego para todos, mesmo quando o país sair da crise. A economia está mudando e as pessoas devem buscar uma atualização de como trabalhar no meio digital, já que os trabalhos temporários, realizados remotamente, devem crescer cada vez mais.

Mudanças, atualização de competências, busca de novas oportunidades. Em outras palavras: é preciso, mais do que nunca, correr atrás. E nós corremos para ouvir um experiente especialista, Nelson Savioli, consultor e diretor voluntário da ABRH Brasil para assuntos internacionais, ex-diretor nacional de RH da Rhodia e da Unilever e ex-Superintendente Executivo da FRM. Ele conhece bem o mercado e dá uma série de orientações.

Para quebrar o paradigma da idade, deve haver uma iniciativa de quem comanda a cultura organizacional nas empresas. Mas isso será apenas um terço da solução; os outros dois terços dependerão de que os 50+ saiam do que podem achar seu direito de não ter a garra, a disposição, o tempo complementar para atualizar suas competências.

1- “Sim, existe preconceito por parte das empresas contra a idade e contra os experientes. É um mito cultivado por culturas organizacionais de que ‘o novo sempre vem para melhor’. Para quebrar o paradigma da idade, deve haver uma iniciativa de quem comanda a cultura organizacional nas empresas. Mas isso será apenas um terço da solução; os outros dois terços dependerão de que os 50+ saiam do que podem achar seu direito de não ter a garra, a disposição, o tempo complementar para atualizar suas competências”.

 2- “Muitas empresas aposentam bons profissionais aos 60 anos. A Rhodia, dos anos 1990, ‘aposentava’ os empregados aos 58 anos, mas tinha uma ótima complementação de aposentadoria para quem ficasse pelo menos por 10 anos de excelente desempenho. Agora, com a maior expectativa de vida, os que estão empregados com mais de 60 anos precisarão matar “um leão por dia” para sobreviver, competindo com os jovens que vêm — é natural — com mais sede ao pote. Ou seja, se tenho 65 anos, devo chegar para trabalhar em grupo, em uma organização, com preparo físico e mental de alguém com 35 anos”.

 3- “Segundo consultorias de outplacement, mesmo para jovens e maduros brilhantes, o tempo de recolocação dobrou em relação há seis anos. Para aqueles somente ‘bons’, supõem-se que o tempo será muito maior. Por conseguinte, aumenta a dificuldade dos 50/60+”.

 4- “O que os 50/60+ podem fazer, preparando-se para uma possível retomada da economia, dentro de alguns meses ou anos: a) Atualizar suas competências, mesmo que apenas pela mídia empresarial, pela conversa com ex-colegas, por sites da internet;  b) Continuar e intensificar, se possível, seu networking – por exemplo, ir àquele lançamento de livro nem tanto chamativo assim; c) Forçar reencontros com antigos colegas;  d) Fazer mais trabalhos voluntários, desde que ligados às suas competências; e) Escrever artigos ou “position papers” sobre áreas de sua competência, mesmo que não sejam para publicação imediata; f) Escrever para veículos conhecidos, mesmo que remotamente ligados às suas competências, sem se chatear por conseguir apenas ser publicado em 10 % das vezes em que as tentativas foram feitas; g) Ler muito; h) Mais do que nunca, manter a forma física e mental, o que demanda planejamento pessoal e muita disposição”.

Cátia Moraes

Jornalista e escritora, autora de quatro livros-reportagem, professora-oficinista sobre a escrita, devotada à arte de escrever e apaixonada, particularmente, pelo gênero que capta o que há de mais espontâneo no ser humano, em seu cotidiano: a crônica. De preferência, a que ousaria chamar de ‘crônica social’ quando a cronista flagra surpreendentes, deliciosas histórias de pessoas ‘invisíveis’ -- a si mesmas, ao mundo – e interage, aprende com elas.

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