O novo corpo da Barbie e o feminismo de boutique

A Barbie que homenageia a mexicana Frida Kahlo é parte de uma linha com mulheres icônicas (Reprodução)

Estudiosas veem linha de bonecas curvilíneas como mera jogada de marketing

Por Marina Cohen | ODS 1ODS 5 • Publicada em 23 de fevereiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 7 de março de 2018 - 19:55

A Barbie que homenageia a mexicana Frida Kahlo é parte de uma linha com mulheres icônicas (Reprodução)
As novas Barbies: mais diversidade
As novas Barbies: mais diversidade

Com quase 60 anos de idade, a boneca mais enxuta do mundo ganhou novas curvas. A Barbie, célebre por sua cintura que, caso fosse proporcional a de uma mulher real, mal comportaria um rim e alguns centímetros de intestino, passará a vir em três novos “formatos”: alta, curvilínea e petite (no estilo mignon). A mudança, anunciada recentemente pela fabricante Mattel, foi alardeada como uma revolução para a história da marca, que nunca havia alterado tanto as medidas de sua modelo, e também como um marco para os padrões estéticos impostos às mulheres. Será que finalmente as moças poderiam respirar aliviadas, sem seus espartilhos imaginários? Será que um novo padrão, mais saudável e atingível, começaria a vigorar? Após a euforia com a novidade, um certo ceticismo surgiu.

Dois anos depois, neste mês de março de 2018, a Mattel lançou ainda uma linha com mulheres icônicas, como a pintora Frida Kahlo, a aviadora Amelia Earhart e  a cientista negra da Nasa Katherine Johnson.

As novas Barbies inspiradas em mulheres inspiradoras do passado e do futuro (Reproduão/Instabram)

A Barbie estava no ostracismo. Ao suscitar essa polêmica sobre o corpo, ela voltou para a mídia e para os holofotes. Faz parte de uma estratégia para colocar o nome em evidência de novo

Como o debate sobre diversidade de corpos atingiu um status popular, com discussões pipocando nas redes sociais mundo afora, é bastante provável que o lançamento da nova linha de bonecas tenha sido apenas uma jogada comercial. Afinal, de acordo com a revista Time, que deu a notícia em primeira mão, a Mattel tem visto a venda de suas bonecas despencarem, progressivamente. A queda foi de 3% em 2012, 6% em 2013 e 16% em 2014. Em outubro passado, foi anunciado que o preço das ações da empresa havia caído quase 43% em relação a seu pico, em 2013. Como define Selma Felerico, professora do departamento de comunicação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutora em Semiótica, a Barbie “envelheceu mal”.

-Essas mudanças feitas pela marca são resultado de uma necessidade mercadológica, não ideológica. Ou o produto se adapta aos novos tempos, ou perde vendas, e a Mattel sabe disso. A Barbie estava no ostracismo. Ao suscitar essa polêmica sobre o corpo, ela voltou para a mídia e para os holofotes. Faz parte de uma estratégia para colocar o nome em evidência de novo – analisa Selma.

A especialista em marketing compara a abordagem da Mattel com a de grandes fabricantes de alimentos: “A Sadia e a Nestlé passaram a investir em produtos menos calóricos porque homens e mulheres estão se preocupando mais com o corpo. Mas as empresas não fazem isso em nome da saúde dos consumidores. Elas estão interessadas em atender o mercado”.

No vídeo de lançamento da nova linha, executivos e designers da marca dizem que as mudanças serão recebidas com alegria pelas crianças. “Isso é radical, porque nós estamos dizendo que não há um padrão delimitado de beleza”, elogia o diretor de design da Barbie, Robert Best, no vídeo.

As mudanças na boneca através dos tempos
As mudanças na boneca através dos tempos

Mas especialistas não acham que a decisão da Mattel foi feita para atender aos pedidos de mães preocupadas. A ditadura da magreza não é mais pop. E a empresa percebeu isso. Cada vez mais as marcas apostam no discurso da “beleza real”, e ganham o apoio do público. São os casos da Dove e da marca de lingerie Aerie. Enquanto isso, vozes dessa geração, como a da autora e diretora americana Lena Dunham, da atriz Jennifer Lawrence e da cantora Lady Gaga fazem campanha pela queda de antigos conceitos de beleza. O próprio corpo daquela que é considerada uma das mulheres mais sexies do mundo, Kim Kardashian, é um símbolo dessa conquista. Apesar das lipoaspirações, a socialite não esconde o quadrilzão. Aqui pelo Brasil, a cantora Preta Gil milita pela causa. Mês passado, ao ser ofendida por internautas que não gostaram de vê-la usando um collant, a artista deu uma lição: “Sou uma mulher de 41 anos e já vivi muita coisa. Aprendi a me amar e me valorizar pelo meu caráter. Meu corpo, minhas gordurinhas e minhas celulites não medem o meu caráter, a minha garra! Tenho celulites sim e não tenho vergonha delas”, escreveu no Facebook.

Não se sabe ainda, em milímetros, de quanta mudança estamos falando. As novidades chegarão às prateleiras em março, e a linha completa será lançada aos poucos, durante todo o ano. Segundo a Time, “a Mattel se recusa a discutir as proporções exatas das novas bonecas ou como decidiu sobre elas”. Por enquanto, apenas fotos foram divulgadas, e notou-se que a boneca curvilínea deve ficar bem parecida com uma manequim que veste 44 ou 46 no Brasil. No entanto, a boneca ainda tem a barriga reta e cintura bem definida, então um bocado de mulheres que se definem como curvilíneas não se sentiram representadas pela nova Barbie. A modelo e atriz americana Hari Nef, transexual, foi mais longe e levantou a questão no Twitter: “Cadê a Barbie trans?”. Outras também reclamaram: e a Barbie gorda, com estria, com bumbum caído? E a Barbie de nariz largo, de seios pequenos? E o Ken careca? Apesar das mudanças, a boneca ainda representa uma ideia de beleza branca, cisgênero e magra, ressaltam as feministas.

A Barbie, porém, já foi um ícone do feminismo. Era uma mulher que trabalhava e que inspirava as meninas a serem tudo o que quisessem. No entanto, enquanto as políticas para a igualdade de gênero evoluíram e as reivindicações femininas ganharam eco, a Barbie permaneceu a mesma. Claro que a gata loura ainda pode ter muitas profissões – em 2012, ela até concorreu à presidência  – mas, numa era em que se discute, diariamente, maneiras de dar visibilidade a todos os tipos de corpos e gêneros, a moça peituda de cintura fina reflete um padrão datado, criado lá em 1959, quando a boneca foi lançada. Conceitos como fluidez de gênero, criação de uma autoimagem positiva, luta contra a gordofobia, contra a transfobia, nada disso está na lista de afazeres que a Barbie contemporânea carrega no smartphone.

É uma vitória das mães que se recusam a comprar para suas filhas um brinquedo que não transmite seus valores. Também é importante para uma menina se ver representada pela marca de boneca mais importante do mundo, mas sabemos que é ainda mais importante para a Mattel, que estava apanhando nas vendas

À revista Vogue, a vice-presidente e gerente global da Mattel, Evelyn Mazzocco, disse que a nova linha de brinquedos “reflete de maneira mais precisa o que garotas do mundo vêem ao seu redor – a variedade de tipos de corpos, tons de pele e estilos permite que as meninas encontrem bonecas com as quais se identifiquem”. Isso é verdade. E a mudança veio a calhar. Muitas garotinhas agora se sentirão representadas pelas cores de pele e corpos das novas bonecas, e terão mais chance de crescerem com uma autoestima forte. Os passos em direção a uma maior diversidade racial também precisam ser reconhecidos e celebrados. De acordo com a Mattel, a Barbie virá em quatro “modelos” de corpos e sete tons de pele, além de 22 cores de olhos e 24 penteados diferentes. Ao todo, 33 bonecas serão lançadas aos poucos, em levas. As novidades chegam um ano depois que a marca passou a fabricar Barbies com tornozelos articulados, o que, pela primeira vez, permitiu que elas usem sapatos sem salto.

Os anúncios são, definitivamente, um movimento em direção à diversidade, após anos de críticas aos padrões “irreais” perpetrados pela Mattel, mas, de acordo com a cofundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo, Debora Regina Magalhães Diniz, ainda há muito a se fazer.

– A mudança de paradigma foi um importante passo, justamente pelo reconhecimento de que, hoje, um brinquedo não representativo significa uma baixa nas vendas. É uma vitória das mães que se recusam a comprar para suas filhas um brinquedo que não transmite seus valores. Também é importante para uma menina se ver representada pela marca de boneca mais importante do mundo, mas sabemos que é ainda mais importante para a Mattel, que estava apanhando nas vendas – pondera Debora, que é mãe de três, cursou Letras e Semiótica, chamando a atenção para o fato de que a nova linha pode estimular um consumo desenfreado de produtos: “Será que não estão usando a velha tática de fazer com que as crianças sintam necessidade de completar uma coleção? Provavelmente, existirão linhas de produtos associadas a cada tipo de corpo. Isso também significa mais vendas”.

Se há uma revolução sendo feita, ela acontece no dia a dia, nas praias. Nas areias as mulheres exibem seus corpos imperfeitos sem vergonha, sem culpa e sem censura, usando biquínis minúsculos. Isso sim é forma de resistência

O padrão de beleza não foi sempre lânguido. Como lembra a antropóloga Mirian Goldenberg, até a década de 1950, as mulheres mais “rechonchudas” eram bem-vistas. A magreza extrema era símbolo da pobreza. Os quilinhos a mais significavam saúde e dinheiro. Mas tudo mudou quando, nos anos 1960, a mulher se inseriu para valer no mercado de trabalho. Ao se libertar do papel únicos de esposa e mãe, ela passou a receber a influência de novos modelos de sucesso e de corpo. Retratos de mulheres famosas e bem-sucedidas, a modelo Twiggy e a atriz Audrey Hepburn, ambas macérrimas, tornam-se o novo padrão. Com um empurrãozinho da cultura francesa, que sempre cultivou corpos esbeltos, um novo modelo surgiu e foi propagado pelo cinema e pela TV. Apesar de ver com bons olhos movimentos de recusa a esse padrão hegemônico, Mirian prefere não cantar vitória antes do tempo. Para ela, a magreza ainda está longe de ser derrubada como regra.

– Pela impossibilidade de se corresponder a esse modelo, muitas mulheres estão reagindo. Preta Gil, Kim Kardashian e outras dizem: ‘Sou bonita do jeito que sou’. Isso surge como uma opção ao status quo, mas, infelizmente, ainda não enxergo um momento de derrubada completa – e muito menos que a Barbie faz parte disso. Se há uma revolução sendo feita, ela acontece no dia a dia, nas praias. Nas areias as mulheres exibem seus corpos imperfeitos sem vergonha, sem culpa e sem censura, usando biquínis minúsculos. Isso sim é forma de resistência- ressalta Mirian, citando a atriz Leila Diniz, que, no fim da década de 1960, chocou a sociedade brasileira ao ir à praia, grávida, vestindo um biquíni. -Assim como Leila questionou o tabu da gravidez na praia, essas moças estão, pouco a pouco, desconstruindo o tabu do corpo sem celulite.

Marina Cohen

Jornalista formada pela PUC-Rio. Trabalhou no jornal O Globo, no Jornal do Brasil, no site I Hate Flash e na revista Vizoo. Hoje, escreve para o Projeto#Colabora. É uma carioca louca pelo universo jovem, por observar as tendências da web, e por histórias contadas e protagonizadas por mulheres.

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Um comentário em “O novo corpo da Barbie e o feminismo de boutique

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