No lugar de fala, ninguém ouve

O ser humano é o culpado por tudo, o mundo seria bem melhor sem nós. Foto JPM/Image Source

Hora de assumir a culpa por tudo e mais algumas coisas

Por Leo Aversa | ODS 1 • Publicada em 15 de fevereiro de 2017 - 10:17 • Atualizada em 15 de fevereiro de 2017 - 13:06

O ser humano é o culpado por tudo, o mundo seria bem melhor sem nós. Foto JPM/Image Source
O ser humano é o culpado por tudo, o mundo seria bem melhor sem nós. Foto JPM/Image Source
O ser humano é o culpado por tudo, o mundo seria bem melhor sem nós. Foto JPM/Image Source

O Ser Humano. Esse mesmo, o ser humano. O autor do livro deixa claro. O ser humano é o culpado por tudo. Não faltam motivos, sobram argumentos. A civilização humana está destruindo o planeta. O mundo seria bem melhor sem nós.

O autor tem razão. Se sou um ser humano, sou responsável. Tenho culpa.

Homem branco, classe média, hétero. Se há preconceito contra alguém, pode acreditar que ele tá envolvido

O homem. Esse tem muita culpa, diz a revista. Destruiu terras, culturas, matou inimigos, fez o diabo por conta da testosterona. Cita várias vítimas da maldade do homem: outros homens, mulheres, crianças, bichos, todos sofreram. Tudo tão documentado que não dá pra duvidar. A responsabilidade é do homem.

Como negar? Sou homem, mais culpa. Melhor ficar em silêncio.

O homem branco. O artigo explica como esta raça escravizou negros, matou índios, infernizou os orientais, aprontou pra cima de todo mundo. Onde o homem branco chegou, o terror tocou. Não é à toa que ninguém gosta dele.

Difícil de defender. Como sou um homem branco, outra responsabilidade para a lista. É mais sábio ficar calado e não reclamar.

O homem branco, classe média. A coluna desanca o mais reacionário de todos, aquele cuja estreiteza de pensamento faz o mundo rodar para trás. Só pensa em dinheiro, só quer saber de reforçar preconceitos e desrespeitar minorias. Resumindo, um ser deletério.

Tem toda a razão. Como preencho todos os quesitos, calado fico.

O homem branco, classe média, hétero. Se há preconceito contra alguém, pode acreditar que ele tá envolvido, garante o artigo. Mulheres oprimidas? Homem branco classe média hétero. Preconceito contra gays? Homem branco classe media hétero em ação. Trump eleito? Olha ele de novo fazendo merda.

A artigo tá correto e que surpresa: mais responsabilidade minha, já tô precisando de um puxadinho pra tanta culpa. Logo eu, que não apito nem no controle remoto do quarto.

Homem branco, classe média, hétero, cis. Esse é o fim da picada, proclama o textão do Facebook. Cis? Preciso dar um Google nesse novo rótulo. Descubro que cis é uma denominação de origem, como uma pizza D.O.C. Infelizmente tô dentro. E, pelo texto, esse é o mais nefasto de todos, reúne todos os defeitos dos anteriores e ainda cria mais alguns.

Nem preciso falar: o textão tá certo. Se apertar um pouco dá pra colocar essa  culpa lá no fundo, acho que ainda tem um lugar. Quanto ao meu silêncio, já não respondo nem “débito ou crédito?”.

Nem preciso usar meus dois neurônios para saber que essa lista vai acabar chegando no meu nome e no meu CPF. Já tô me vendo nas redes sociais como suprassumo da opressão, responsável por todo estereótipo, disseminador de preconceitos e terror das minorias. O meu lugar de fala não me permitirá responder nem sobre a cor do cavalo branco.

Só me resta concordar com todos esses autores. Se alguém parecido comigo fez alguma coisa ruim, a culpa é minha.

Certamente o mundo vai ficar bem melhor assim.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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