Minha idade me condena

Homem chora após ser atingindo por gás durante uma manifestação contra as reformas trabalhistas na França. Foto de Simon Guillemin/Hans Lucas

O preconceito do mercado e o drama das pessoas com 50+ na busca por uma ocupação

Por Cátia Moraes | ODS 1 • Publicada em 3 de outubro de 2016 - 16:48 • Atualizada em 3 de outubro de 2016 - 21:33

Homem chora após ser atingindo por gás durante uma manifestação contra as reformas trabalhistas na França. Foto de Simon Guillemin/Hans Lucas
Homem chora após ser atingindo por gás durante uma manifestação contra as reformas trabalhistas na França. Foto de Simon Guillemin/Hans Lucas
Homem chora após ser atingindo por gás durante uma manifestação contra as reformas trabalhistas na França. Foto de Simon Guillemin/Hans Lucas

A autora adverte: 1 – Este texto contém depoimentos de incerteza, angústia e quase desespero: “Estou vendendo um imóvel para me livrar de dívidas e recomeçar a vida com menos gastos, morando num quarto alugado”. 2 – Ele é partidário dos ‘veteranos’ que enfrentam preconceito velado e/ou escancarado a partir dos 40, 50, o que dirá aos 60, 70 anos: “As empresas resistem à contratação de pessoas acima dos quarenta, depois dos cinquenta anos é quase impossível e, aos sessenta, inexequível”. 3 – Pretende combater esse ‘paradigma’, que na realidade está mais para arquétipo, e contribuir para uma discussão desmistificadora sobre o tema.

Fiquei sem trabalho durante um ano e meio. Sobrevivi recorrendo ao fundo privado de previdência e à ajuda da mãe para pagar o plano de saúde. Muito difícil aceitar o segundo recurso para quem se sustentava desde a adolescência.

É o caso de dizer, também, que não se trata de uma questão de perdedores versus vencedores, como quer esse sistema fugaz e escorregadio chamado ‘mercado’ (ou capitalismo). Na verdade, é um problema ‘de lascar’, como dizia a geração da minha mãe: hoje vive-se muito mais, com saúde e energia, enquanto a tecnologia ceifa profissões e o mercado filtra inapelavelmente pela idade, reforçando, mais que nunca, uma síndrome de Peter Pan ao desconsiderar quem entra na ‘segunda idade’. Entende-se por segunda idade quem passou dos 40. Mas pode até ser menos.

E mais: no Terceiro Milênio, os 50 são os novos 35, 40, assim como os 60 são os novos 45, 50, daí em diante. A expectativa de vida aumentou, as aposentadorias não dão conta das contas a pagar, é preciso continuar trabalhando aos 50, 60, 70, 80. Durma-se com um paradoxo desses. Quando acorda, o veterano/a, também chamado de 50+, aprende que tem de se ‘reinventar’. Haja coach para explicar esta palavra… de ordem.

Formado para fazer faculdade e buscar trabalho numa empresa, ou seja, a ter um emprego, o 50+ tem que se desapegar, em regime de urgência, de todos os seus valores e descobrir o caminho da sobrevivência quando não há pedra sobre pedra. Num primeiro momento.

É desse momento que queremos tratar: o interregno entre a demissão de um emprego, o período de desemprego ou subemprego, a dificuldade de voltar ao mercado ou de se ‘reinventar’. A maioria dos entrevistados preferiu não se identificar, daí a decisão de não identificar ninguém. Dos depoimentos, entre melancólicos e esperançosos, salta algo como estar em carne viva num momento em que se deveria desfrutar da vida.

As pessoas na faixa de 30/35 têm vitalidade e juventude, mas não têm experiência e vivência para os problemas diários que se apresentam, nem maturidade para encará-los e superá-los. A falta de experiência de carreira, e mesmo de vida, acabam afetando a tomada de decisões a longo prazo.

– Fiquei sem trabalho durante um ano e meio. Sobrevivi recorrendo ao fundo privado de previdência e à ajuda da mãe para pagar o plano de saúde. Muito difícil aceitar o segundo recurso para quem se sustentava desde a adolescência – diz M., 56 anos e 33 de experiência no mercado de comunicação. – No início de 2015, tentei uma vaga em jornalismo televisivo, minha área de atuação, disputei o cargo de editora-executiva com uma profissional dez anos mais nova e com melhor qualificação educacional. Eu tenho uma pós-graduação, ela, mestrado e doutorado. Ela ficou com a vaga. Desde então, não consegui mais voltar à minha área e nem tenho mais pretensão disso. Pelo visto, vou ter que mudar de profissão e começar de novo, com todos os riscos de uma ‘iniciante’.

Algumas das áreas mais atingidas pelo desemprego são as diretamente ligadas à tecnologia, que vem dilapidando profissões e funções de quem trabalha (ou trabalhava) pela internet, enquanto as empresas enxugam seus custos.

– Há um ano fui demitida de meu cargo de coordenadora de um colégio particular, que reformulou seu quadro de pessoal. Meu cargo foi extinto – conta O., 55 anos. – Eu ganhava como salário o que percebia como freelancer. Não dava para viver folgadamente com o salário, eu precisava complementar com ‘frilas’, mas podia, então, escolher os que valiam a pena. Agora, é imensa a dificuldade em encontrar trabalho, com o mercado repleto de colegas recém-demitidos. Nunca vivi uma fase dessas.

Como sobreviver?

– Pago as contas do jeito que dá, atrasando tudo. Para sobreviver, venho aceitando pagamentos muito abaixo do que tabelas ou bom senso recomendam. E já ouvi que não terei tal função porque sou qualificada demais para ela. Ouvi isso hoje mesmo. Era para ganhar menos de R$5 mil por um trabalho, que eu aceitaria de bom grado. Preferiram reduzir o valor e pegar alguém “menos sênior” – conta O.

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Aos 49 anos, o advogado J.C. não desistiu de procurar emprego, mas acha que o mercado está restrito para cargos executivos como o que exerceu, durante dois anos, numa multinacional. Era gerente jurídico, ganhava mais de R$280 mil por ano, podia se manter e poupar. Hoje, diz ele, não há vagas para executivos com mais de 40 anos, pois o mercado está procurando jovens de até 30, 35 anos.

– As pessoas na faixa de 30/35 têm vitalidade e juventude, mas não têm experiência e vivência para os problemas diários que se apresentam, nem maturidade para encará-los e superá-los. A falta de experiência de carreira, e mesmo de vida, acabam afetando a tomada de decisões a longo prazo. Os jovens são mais imediatistas e tratam os problemas de forma mais pontual – diz J.C., que já perdeu a conta de quantos currículos mandou para processos de seleção e só foi chamado em apenas um.

A perspectiva é angustiante? 

– Angústia é uma palavra suave para uma situação assim – diz o advogado. – Procuro focar e manter a racionalidade e a calma, pois não vai adiantar entrar em desespero. O sentimento de impotência é um inimigo que ronda a todo momento. É preciso muita disciplina e autocontrole para manter o foco e não entrar em desespero. Não imagino como tem sido com pessoas que estão desempregadas e sem nenhuma fonte de renda. Estou empregado, porém como autônomo, com salário muito, muito abaixo da formação e do que o mercado formal oferece. Tenho reservas para mais um ano nessa situação.

Quando começou como agente de viagem, R., 53 anos, viveu muitíssimo bem, obrigada. Depois vieram o casamento, filhos e… a internet, que quase exterminou com a profissão.

– Acho que hoje todos estamos nos submetendo a trabalhar muito mais para ganhar muito menos. Se você não for um gênio, um expoente, a coisa fica preta. E, para as pessoas na faixa dos 50 em diante, está mais difícil ainda. Na realidade, a questão da idade sempre ocorreu, a diferença é que antigamente, aos 50, já estávamos próximos da aposentadoria, e, aos 70, totalmente entrevados, se ainda estivéssemos vivos. Atualmente estamos “sendo parados” cedo, e vivendo muito. Pelo andar da carruagem, passaremos mais tempo inativos do que ativos, e a questão é como sobreviver financeiramente.

Acho que hoje todos estamos nos submetendo a trabalhar muito mais para ganhar muito menos. Se você não for um gênio, um expoente, a coisa fica preta. E, para as pessoas na faixa dos 50 em diante, está mais difícil ainda.

 Então, R., seria o caso de se…

– Reinventar? Se há uma palavra que eu não posso mais ouvir é essa! É muita reinvenção ao mesmo tempo agora. Nessa fase gostosa que a gente tem muito mais sabedoria, menos ansiedade, deveria ter mais tranquilidade, só que não! Usamos a tecnologia há muito tempo, ela era nossa aliada, agora sinto que virou concorrente. Tempos líquidos. Eu ando muito triste e percebo esses sentimentos no meu companheiro, fotógrafo, que também foi muito afetado pela tecnologia. Não estou muito animada, não. Como diz uma amiga, a luz no fim do túnel pode ser um trem desgovernado vindo em nossa direção.

 C., 42 anos, era auxiliar administrativo pleno numa empresa, estava estudando gestão financeira para tentar uma promoção e se tornar analista quando engravidou. Acabou saindo do emprego e, agora, tem dificuldade em encontrar colocação como auxiliar terceirizada. E anda pensando o que significa exatamente “se reinventar”.

– Minha filha diz: “descubra algo em que você seja boa e ganhe dinheiro com isso”. Parece tão distante da minha realidade. Eu realmente me pergunto por que nunca tive tino de tentar algo pessoal, de empreender, sinto por não ter desenvolvido nada nesse sentido. A gente fica pensando no investimento, nos riscos e acaba

ficando com a “segurança” da carteira assinada.

Com M., jornalista, 66 anos, o anúncio veio um ano antes da “aposentadoria forçada”, como diz. O então chefe o chamou e disse que no ano seguinte ele faria 60 e que, pela política da empresa, ele “estaria fora dos planos”.

 – Ao invés de ficar choramingando pelos cantos, como alguns fizeram, no primeiro dia do mês em que completava os 60 anos, pulei fora. Mas pedi: por favor, nada de festinha, salgadinho, bolinho e parabéns, porque não aceito essa hipocrisia.

Cátia Moraes

Jornalista e escritora, autora de quatro livros-reportagem, professora-oficinista sobre a escrita, devotada à arte de escrever e apaixonada, particularmente, pelo gênero que capta o que há de mais espontâneo no ser humano, em seu cotidiano: a crônica. De preferência, a que ousaria chamar de ‘crônica social’ quando a cronista flagra surpreendentes, deliciosas histórias de pessoas ‘invisíveis’ -- a si mesmas, ao mundo – e interage, aprende com elas.

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Um comentário em “Minha idade me condena

  1. aparecido de brito disse:

    MEU O NEGOCIO DE IDADE TA PRETO CHEGOU NO SESSENTA PODE DESISTIR O MERCADO FECHO EMPRESAS E EMPRESARIOS NÃO QUEREM NEM VER O VELHO O CARA CARREGA EXPERIENCIA CONHECIMENTO E ADMINISTRAÇÃO
    E FIEL HONESTO E PONTUAL. AI TA PROBLEMA O SALARIO COMO VAMOS CONCORRER COM JOVENS GANHAM A
    MEDADE E SÃO JOVENS LUDIBRIAM O CARAS ESSA E UMA EMPRESA SERIA AQUI VOCES VÃO CREÇER NA
    VERDADE TA MANDANDO OS VELHINHOS PRA RUA NÃO TEMOS POLITICAS PARA CONTER OS IDOSOS NO TRABALHO,.
    DEPOIS DE TERMOS CONTRIBUIDO TODO ESSE TEMPO O GOVERNO MUDA AS REGRAS QUER TIRAR O POUCO DO POUCO QUE CONSIGUIMOS ESTAMOS MENDIGANDO NÃO TEMOS EMPREGO NÃO TEMOS APOSENTADORIA NÃO TEMOS APOIO DE POTICOS NA VERDADE SOMOS OS ESCLUIDOS NA SOCIEDADE MODERNA SOCIEDADE QUE NÃO
    VOLORIZA A HISTORIA O CONHECIMENTO O LEGADO DESSES HOMENS QUE CONSTROEM TODO DIA ESSE PAIS

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