Meditação na cadeia

Monja leva zen-budismo para presídio feminino em Belo Horizonte

Por Celina Cortes | ODS 1 • Publicada em 7 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 7 de março de 2016 - 16:59

Prática de meditação com população carcerária em Minas Gerais
Detentas do Centro de Remanejamento do Sistema Prisional e a monja Mariângela Ryosen (de blusa branca)

A meditação pode ocorrer em torno de uma mandala, confeccionada com flores. Com voz firme, mas acolhedora, a monja Zen-budista Mariângela Ryosen sugere aos alunos que “respirem, que prestem atenção no ar, que entra e sai”. A turma vai lentamente entrando no clima. “Coloquem sua atenção na respiração sempre que puderem, isso é saúde, é transformação”, recomenda mais uma vez. O silêncio vai tomando conta do ambiente – ouvidos apurados chegam a escutar o barulho da respiração.

O ritual se repete todas as quintas-feiras, há cinco anos. É quando a monja troca o repouso do mosteiro pelo Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) Centro-Sul, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Atrás das grades, mulheres de todas as idades esperam pelo início da aula de meditação, quando se dedicam à técnica de relaxamento conhecida como R.Y.E (Recherche dans La yoga dans la Educacion, idealizada pela professora francesa Micheline Flak). Ou simplesmente ioga na educação.

Aula de meditação em presídio de Minas Gerais
As aulas de meditação duram uma hora e meia e ocorrem todas as quintas-feiras no pátio do presídio

A professora, como monja Ryosen é conhecida entre as detentas, usa ainda mantras, além de mandalas, para ajudar no trabalho, que tem por objetivo aumentar a confiança e a autoestima das presas. As aulas duram uma hora e meia.  Recursos lúdicos também são usados, como bolhas de sabão.

A bolha de sabão faz a conexão entre a respiração, o pensamento e a impulsividade. Quando a pessoa tem consciência de sua respiração, ela fica dona de si

“Tenho depressão e ansiedade. Deixei lá fora quatro filhos e fico muito triste por não poder estar com eles. A meditação tem me dado forças para não acordar tão desesperada por estar presa. A respiração me traz tranquilidade, hoje tenho mais consciência de mim”. A.J.J., 28 anos, é uma das 1.989 detentas que aderiu à meditação enquanto esteve presa. Ela cumpriu prisão provisória no Ceresp.

O trabalho com a população carcerária foi ideia dos alunos da monja e conta com o apoio da Pastoral Carcerária.

Presas confeccionam mandala de flores em presídio em Minas Gerais
Mandala confeccionada pelas detentas

O objetivo é melhorar a energia local, dado que o Ceresp está longe de ser um presídio modelo. Há denúncias contra ele de superlotação e a situação de  insalubridade no centro de triagem já foi alvo do Ministério Público mineiro.

Uma vez por mês, em cada uma das oito celas, que, atualmente, abrigam 153 mulheres, é passado o documentário “Do lodo ao lótus”, de Marcelo Buaiwain. É sobre a vida de Luiz Henrique Gusson Coelho, preso por homicídio, estelionato  e formação de quadrilha. Ele seria um dos detentos que, segundo o cineasta, teria encontrado a paz atrás das grades depois que começou a fazer yoga.

As detentas são jovens e, em sua maioria, foram presas por envolvimento com o tráfico de drogas, furtos e homicídios. A carceragem é o meio do caminho entre a liberdade e a prisão. Estão lá porque aguardam julgamento, porque esperam o alvará de soltura, porque estão prestes a serem transferidas para um presídio feminino.

Perfil das detentas

Estudo feito pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz – “Saúde Materno-Infantil nos Presídios”, de 2015 – constatou que 65% das gestantes condenadas poderiam cumprir prisão domiciliar, já que cometeram crimes menores, como porte de drogas e pequenos furtos. Foram ouvidas 447 detentas de todas as capitais brasileiras e regiões metropolitanas.

A situação da mulher no sistema prisional brasileiro é marcada pela prevalência de jovens, de até 27 anos, e pardas (41%) e negras (37%). O diagnóstico está em “Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro”, coordenado pelas advogadas Luciana Boiteux e Aline Pancieri, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Cerca de 70% das detentas são rés primárias e 46,3% delas foram condenadas por tráfico de drogas.

A inusitada experiência no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional inclui até bolas de sabão, que de repente começam a voar pelo pátio, refletindo as cores do arco-íris. “A bolha de sabão faz a conexão entre a respiração, o pensamento e a impulsividade. Quando a pessoa tem consciência de sua respiração, ela fica dona de si”, justifica Mariângela, para quem o trabalho tem um objetivo simples: nutrir a humanidade. “Se não levarmos esta prática até o presídio, como elas terão acesso?”, questiona.

“Aqui dentro a gente vive muito pesada e estressada. Me sinto só, longe da família e dos amigos, tendo que conviver, diariamente, com desconhecidas, pessoas com quem não posso compartilhar meus problemas. Aqui é uma bomba explosiva. A meditação me deixa mais aliviada, mais centrada. Sinto paz interior e aprendi a não me deixar perturbar pelas pessoas. Sou uma presa livre

E para a diretora do Ceresp Centro-Sul, Luciana Maria de Oliveira, a meditação é um projeto com resultados visíveis. “Ele tem um impacto forte porque tira as detentas da cela e resgata nelas o respeito, a individualidade e estimula um momento de pensar, de introspecção dentro do ambiente carcerário”, argumenta. Já a psicóloga da unidade prisional, Raquel Nogueira, considera o projeto uma ótima alternativa de ajuda, porque elas não dispõem de nenhuma atividade. “A prática chega ao fim com uma visível mudança corporal, energética e emocional do grupo. Quando a agente carcerária as conduz de volta às celas, quem sabe elas consigam descobrir que os pensamentos podem aprisionar ou libertar?”, pondera.

Celina Cortes

Celina Côrtes trabalhou 12 anos no Jornal do Brasil. Transitou entre as editorias de ecologia e cultura, onde foi repórter do Caderno B. Teve uma breve passagem pelo O Globo, como chefe de reportagem dos jornais de bairro, pela TV Bandeirantes e pelo Dia. Trabalhou por 11 anos na revista IstoÉ. É autora dos livros "Ilha da Trindade - veo de mysterio à flor dagua", "Procura-se um milagre, três mulheres no Caminho de Santiago" e "Útil ao agradável, histórias de amor, humor e boa forma".

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