Lições de tolerância na Euro 2016

Os irmãos Granit Xhaka, da Suiça, e Taulant Xhaka, da Albânia, disputam a bola no jogo de abertura da Euro 2016, em Lens, na França

Futebol revela uma faceta mais acolhedora e solidária do Velho Continente

Por Oscar Valporto | ODS 1 • Publicada em 15 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 13 de julho de 2021 - 17:26

Os irmãos Granit Xhaka, da Suiça, e Taulant Xhaka, da Albânia, disputam a bola no jogo de abertura da Euro 2016, em Lens, na França

Os irmãos Taulant e Granit Xhaka se encontraram no gramado do estádio da cidade francesa de Lens, no sábado, em um momento destacado como histórico pela Uefa, organizadora da Eurocopa, o campeonato de seleções do continente. A estreia de Suíça e Albânia foi a primeira partida da competição, disputada desde 1960, em que irmãos jogavam por seleções rivais. Os dois nasceram em Basel, filhos de pais naturais do Kosovo mas de descendência albanesa: Granit, 23 anos, é o camisa 10 da seleção da Suíça; Taulant, um ano e meio mais velho, joga na seleção albanesa. No momento em que a Europa está mergulhada em uma crise migratória, com a chegada dos refugiados de conflitos no Oriente Médio e na África, o significado histórico do encontro dos irmãos vai muito além dos campos de futebol.

A Euro 2016 reúne quase 90 jogadores que não nasceram nos países pelos quais disputam a competição. E 127 têm dois passaportes. Dos 23 da Suíça, 14 têm dupla nacionalidade.

Na lista de 23 convocados para a equipe suíça na Euro2016, estão seis descendentes de albaneses, inclusive o craque do time, o atacante Shaqiri. A seleção da Albânia tem seis jogadores nascidos na Suíça, além de quatro que cresceram nas terras do adversário de sábado, em Lens. Essa mistura esportiva tem origem nas seguidas guerras nos Balcãs na década de 1990, após a dissolução da antiga Iugoslávia. Cidadãos do nunca reconhecido Kosovo – parte da Sérvia, mas com maioria da população de origem albanesa – e também de Bósnia, Eslovênia e Macedônia espalharam-se pela Europa, refugiados de guerra como estes que estão nos campos do Oriente Médio e na África ou tentando atravessar o Mediterrâneo.

O torneio de futebol mostra uma faceta da Europa com mais diversidade, acolhimento e solidariedade do que a vista nas manifestações contra imigrantes no Velho Continente nos últimos meses. A Euro 2016 reúne quase 90 jogadores que não nasceram nos países pelos quais disputam a competição. E 127 têm dois passaportes. Ainda no time suíço, o zagueiro Johan Djourou nasceu na Costa Marim (e foi adotado por uma cidadã suíça) e o atacante Embele, em Camarões. Dos 23 da Suíça, 14 têm dupla nacionalidade.

Anfitriã da Euro 2016 e também palco de muitos protestos contra imigrantes, a França reúne em sua seleção 14 jogadores com dois passaportes. Na abertura, com o Stade de France lotado por seus torcedores, os franceses tinham no meio-campo, literalmente, três afrodescendentes: os pais do volante Kanté nasceram no Mali; Matuidi é filho de pai angolano; e os pais do craque Paul Pogba vieram da Guiné. O lateral Patrick Evra nasceu ele mesmo no Senegal. Outra seleção favorita ao título, a Bélgica, tem 12 jogadores com dupla nacionalidade. O atacante Benteke nasceu em Kinshasa, no antigo Zaire, de onde também vieram os pais dos irmãos Romelu e Jordan Lukaku, todos refugiados de uma guerra civil na hoje República Democrática do Congo. Os pais do meia Felaini nasceram no Egito; os do atacante Origi, na Nigéria, o pai de Dembala é do Mali.

Em conflito diplomático na crise migratória, Turquia e Alemanha têm muito mais em comum na Euro 2016. A seleção turca tem cinco jogadores nascidos na Alemanha, a maior economia da Europa que atrai migrantes de países vizinhos em busca de uma vida melhor. E uma das estrelas da Alemanha, o campeão mundial Muzut Ozil, é muçulmano e tem descendência turca. A migração ajudou a formar a seleção que goleou o Brasil por 7×1: o zagueiro Jerome Boateng é filho de pais ganeses; o pai do meia Khedira nasceu na Tunísia; o lateral Mustafi é de família albanesa; a mãe do jovem zagueiro Tah nasceu na Costa do Marfim; o pai do atacante Sané, também de 20 anos, jogou na seleção do Senegal.

Entre aqueles quase 90 que não jogam pelos países onde nasceram, estão atletas das ilhas Britânicas de onde vieram quatro seleções para a Euro. Na seleção de Gales, são nove “estrangeiros”, quase todos nascidos na Inglaterra. Na Irlanda do Norte, estão cinco ingleses de nascimento e um canadense. Na seleção da Inglaterra, a mais forte das três da Grã Bretanha, apenas o atacante Raheem Sterling, jamaicano, não nasceu lá, mas os meias Delli Alli e Barkley são filhos de pais nigerianos. Na seleção da Irlanda, que não faz parte do Reino Unido, os oito “estrangeiros” são britânicos: galeses, escoceses, norte-irlandeses.

No dia 23 de junho, primeiro dia sem futebol na França depois da maratona de 36 jogos em 13 dias da primeira fase da Euro 2016, os britânicos estarão votando no referendo para escolher se ficam ou saem da União Europeia, decisão muito influenciada pela crise migratória, que está no centro da campanha dos defensores da saída. Seria bom que os britânicos – sempre tão apaixonados por futebol – prestassem muito atenção às lições da Euro 2016 antes de votar.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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