‘Bolsa-família’ para refugiados na Itália

Um refugiado passa pela placa de bem-vindo, mas é retirado numa operação na estação de trem em Roma, em dezembro

Prefeitura de Mião vai pagar 350 euros mensais aos que acolherem estrangeiros em suas casas

Por Luciana Cabral-Doneda | ODS 1 • Publicada em 28 de janeiro de 2016 - 08:25 • Atualizada em 28 de janeiro de 2016 - 11:22

Um refugiado passa pela placa de bem-vindo, mas é retirado numa operação na estação de trem em Roma, em dezembro
Um refugiado passa pela placa de bem-vindo, mas é retirado numa operação na estação de trem em Roma, em dezembro
Um refugiado passa pela placa de bem-vindo, mas é retirado numa operação na estação de trem em Roma, em dezembro

Com as mãos, Ishtar tenta aquecer um bebê em um centro social de acolhimento para desabrigados em Milão, norte da Itália. Naquela manhã de inverno, a temperatura era de 3 ºC negativos. Talvez sejam os últimos dias de Ishtar ali. O refugiado afegão de 23 anos em breve será recebido na casa de uma família italiana. A prefeitura de Milão abriu um edital no início de 2016 anunciando que pagará 350 euros mensais às famílias que receberem em casa um refugiado. E 40 famílias abriram suas portas.

Somente refugiados cadastrados e identificados pela polícia, com documentos que garantem a proteção internacional, serão contemplados. Os recursos são do Ministério do Interior italiano através do Fundo Nacional para as Políticas e Assistência de Asilo Político. Milão, o coração econômico e financeiro da Itália, desde 2001 faz parte do Sistema de Proteção para os Pedidos de Asilo e Refugiados (SPRAR). O custo diário de manutenção de um refugiado em uma família será de 11 euros, uma economia de 70% diante dos 35 euros que são gastos em uma centro de acolhimento estatal. Em fevereiro, cinco imigrantes já irão para suas novas casas provisórias.

Temos a convicção que essa experiência vai abrir uma nova estrada para o futuro, acrescentando mais um tijolinho no mosaico de iniciativas que Milão está propondo para o acolhimento e a inclusão social dos migrantes

Nos últimos anos, diante dos desembarques de milhares de refugiados e imigrantes na costa italiana, o partido Liga Norte, de extrema direita, lançou o provocativo slogan “Ospitateli a casa vostra”, ou seja, algo como “Hospedem eles na sua casa”, dirigindo-se aos políticos de esquerda que demonstravam preocupação com a emergência migratória. E o que era só provocação virou verdade. “Estamos felizes em anunciar que quarenta famílias estão realmente dispostas a receber os refugiados na própria casa”, declarou o assessor de Políticas Sociais de Milão, Pierfrancesco Majorino. “Temos a convicção que essa experiência vai abrir uma nova estrada para o futuro, acrescentando mais um tijolinho no mosaico de iniciativas que Milão está propondo para o acolhimento e a inclusão social dos migrantes”.

Uma comissão de assistentes sociais e a Cooperativa Consorzio Farsi Prossimo vão avaliar as famílias inscritas, todas residentes em Milão, com idade entre 30 e 50 anos, a maioria com filhos em idade escolar e residentes em várias zonas da cidade. Três famílias são de origem estrangeira. Um psicólogo avaliará as motivações, expectativas e disponibilidade dos vários componentes da família e a idoneidade dos candidatos beneficiados pelo acolhimento. As famílias com  experiência anterior em receber pessoas em situação de risco social terão prioridade e devem ter um quarto individual para o hóspede e garantir o uso livre do banheiro, ou até mesmo um banheiro exclusivo.

O jornal italiano de direita Libero atacou: “Venham, senhoras e senhores, a quem hospeda um belo refugiado político na própria casa com banheiro e curso de formação a prefeitura paga 350 euros!” De acordo com o jornal, essa é uma ação populista visando as próximas eleições administrativas.

Distribuição de comida na Estação Central de Mião, em junho passado
Distribuição de comida na Estação Central de Mião, em junho passado

Apesar das críticas, em Milão, todos os dias, entre 9 e 12h, 70 voluntários se revezam recebendo os refugiados que chegam à estação de trem antes que sejam registrados e enviados aos centros de acolhimento (Centri di Accoglienza Straordinaria – CAS). Eles também acompanham os imigrantes que decidem pegar um trem em direção ao norte da Europa, muitos tentando reencontrar familiares ou amigos. “A única compensação que buscamos é um “shukran” (obrigado)”, afirma Susy Iovieno, participante do grupo SOS Emergenza Rifugiati Milano (https://soserm.wordpress.com), que atua em conjunto com a administração municipal, a polícia e a proteção civil. Eles não recebem dinheiro, mas aceitam contribuição de lanches para os imigrantes que estão chegando. Mohamed é um refugiado sírio de 28 anos que foi encontrado boiando no mar, depois que o barco onde viajava foi atingido por uma tempestade. “Quando ele chegou aqui e lhe dei um sanduíche, ele segurou minha mão e disse obrigado. E esse obrigado dele é algo que pessoalmente não me esquecerei jamais.”

O Refugees Welcome, que iniciou na Alemanha (https://projetocolabora.com.br/cidades/alemanha-recebe-refugiados-a-faca-e-garfo/), também chegou na Itália (RWI – http://refugees-welcome.it) e está se espalhando pela Europa. A proposta também é receber na própria casa os imigrantes. “Os refugiados podem ser hospedados pelos cidadãos e não apenas nos centros, que já estão superlotados e são impessoais e não acolhedores”, explica a fotógrafa Germana Lavagna, fundadora da RWI e que desde pequena foi acostumada ao acolhimento doméstico como tradição familiar. “As famílias que recebem os imigrantes têm a oportunidade de conhecer uma cultura diferente e ajudar concretamente alguém que está passando por dificuldades.”

Quantas pessoas vivem na casa? Quais línguas falam? Em que cidade  moram? As respostas são usadas para tentar criar uma correspondência entre os hóspedes e quem os acolhe. E se a convivência não dá certo? A ONG se responsabiliza em transferir o hóspede. Não somente famílias são habilitadas a receber os imigrantes, casais ou solteiros podem se candidatar. A diária oferecida pelo governo italiano, além de comida e alojamento, prevê cursos de italiano, assistência legal para o pedido de asilo político, projetos de inclusão social.
“Somente construindo redes sociais é possível dar vida a uma política eficaz e sustentável de acolhimento”, afirma o sociólogo Matteo Bassoli, presidente da RWI.  Para a jornalista Fabiana Musicco, também fundadora de RWI, “é necessário contribuir para aumentar a consciência, em especial nas novas gerações, em relação aos grandes desafios sociais, estimulando a vontade de agir”.

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