Governos inteligentes investem em mulheres

Nos países onde as mulheres não podem ter terras – como no Norte Africano e no Sul Asiático – há, em média, 60% mais crianças desnutridas

Quanto menor a desigualdade melhores os resultados em educação, saúde infantil e segurança alimentar

Por Flavia Milhorance | ODS 1 • Publicada em 28 de maio de 2016 - 07:39 • Atualizada em 29 de maio de 2016 - 16:21

Nos países onde as mulheres não podem ter terras – como no Norte Africano e no Sul Asiático – há, em média, 60% mais crianças desnutridas
Nos países onde as mulheres não podem ter terras – como no Norte Africano e no Sul Asiático – há, em média, 60% mais crianças desnutridas
Nos países onde as mulheres não podem ter terras – como no Norte Africano e no Sul Asiático – há, em média, 60% mais crianças desnutridas

Quando o presidente interino Michel Temer anunciou que seu governo seria majoritariamente masculino, a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, levantou a voz. Para ela, para a ONU e para um grupo grande de outros atores, como o Banco Mundial e a OCDE, está claro que a desigualdade entre homens e mulheres não é mero detalhe. Tem a ver com o desenvolvimento de um país: investir em mulheres traz vantagens competitivas e melhora índices gerais em saúde, educação e economia.

Há agora muitos países que estão entendendo que apostar em mulheres e meninas é de fato um ótimo investimento, não apenas por estar fazendo a coisa certa eticamente ou moralmente, mas por estar fazendo a coisa certa economicamente.

“Há agora muitos países que estão entendendo que apostar em mulheres e meninas é de fato um ótimo investimento, não apenas por estar fazendo a coisa certa eticamente ou moralmente, mas por estar fazendo a coisa certa economicamente”, defendeu o presidente do Banco Mundial (BM), Jim Yong Kim, durante sua passagem, na última semana, pela conferência Women Deliver, realizada em Copenhague e onde 5.700 ativistas e líderes discutiram saúde, direitos e bem-estar de mulheres.

“Há evidências de que o líder que realmente quiser que seu país seja capaz de competir no futuro tem que pensar em como resolver estas desigualdades”, completa.

Um relatório do BM mostra que eliminar barreiras que discriminam mulheres em áreas como a agricultura pode aumentar em até 25% a produtividade do setor. O documento cita o acesso dificultado de mulheres a fertilizantes e outros insumos como atraso na produção de milho no Malauí e em Gana. Por outro lado, empoderar mulheres pode garantir melhores investimentos em políticas públicas. Municípios da Índia com mais mulheres em tomadas de decisões tiveram maiores índices de distribuição de água e saneamento, pontos que importavam mais a elas.

Na conferência, Jim Yong Kim destacou que, quando mulheres tomam conta dos recursos da família, por exemplo em programas de transferência de renda, a tendência é que haja mais investimento na educação das crianças: “elas são melhores gestoras do dinheiro. Dar os recursos a ela é uma ótima estratégia e até estimula a economia local”.

O Bolsa Família, por exemplo, é um dos programas que dá preferência à transferência da renda para as mulheres e é citado brevemente no relatório do BM, que menciona ainda o Brasil quando aponta que mais educação e saúde para elas também garante melhores condições para as crianças.

Mulheres o palco após o encerramento de uma das sessões da conferência Women Deliver, que aconteceu em Copenhague
Mulheres o palco após o encerramento de uma das sessões da conferência Women Deliver, em Copenhague, na semana passada

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) confirma que quanto menores as disparidades contra elas, melhores os resultados de desenvolvimento em várias áreas, como educação, saúde infantil e segurança alimentar.

Em países onde as mulheres têm status mais igualitário na família, as crianças são mais propensas a completar a educação primária, segundo a OCDE. Onde mulheres têm maior controle sobre seus corpos, a saúde das crianças melhora. Ao contrário, países com restrições à integridade física da mulher – por exemplo onde há altos índices de violência contra elas, e onde mulheres fazem menos escolhas sobre sexualidade e direitos reprodutivos – têm números de mortalidade infantil três vezes maior. Da mesma forma, onde as mulheres não podem ter terras – como em países no Norte Africano e no Sul Asiático – há, em média, 60% mais crianças desnutridas.

Objetivos sustentáveis e as mulheres 

Foi nessa linha que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram definidos e devem ditar políticas e financiamentos de países pelos próximos 15 anos. Trata-se de 17 objetivos, com 169 metas específicas, que todos os 193 países-membros da ONU acordaram em atingir até 2030.

O Brasil está entre os signatários. Aliás, o país costumava buscar liderança nas negociações, que começaram na Rio+20, em 2012, e seguiram até setembro de 2015, quando o documento final foi acordado. No início desse ano, ele passou a valer.

Os ODS (ou Agenda 2030) revisam os chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que no ano 2000 definiu oito objetivos, com 18 metas específicas, para combater mazelas como fome, pobreza, doenças e fortalecer o foco por exemplo em educação e desenvolvimento sustentável. Na época, 189 países assinaram o acordo, entre eles o Brasil.

As mulheres já tinham destaque. Na revisão do documento, ganharam mais peso. Antes, havia menções à saúde materna e igualdade entre os sexos. Agora, há um capítulo voltado para empoderamento e igualdade de gênero. Mas, além disso, mulheres são citadas em todos os outros objetivos da agenda. Em Copenhague, formas de implementar esses ODS permearam boa parte das discussões.

“A única forma de fazer esta Agenda funcionar é engajando as mulheres”, comentou David Nabarro, conselheiro da Secretaria-geral da ONU sobre a agenda Pós-2015, durante a conferência. “Elas não serão apenas objetos e sim sujeitos das ODS. Governos como do Canadá e da Suécia já vêm mostrando que isto é o que dá certo”.

Os investimentos não chegam sozinhos

Jim Yong Kim, do Banco Mundial, fez ainda um alerta final na conferência: o avanço econômico por si só não vai dar conta de resolver as desigualdades. “Não podemos esperar que isto irá ocorrer naturalmente. Temos que garantir que os fundos serão destinados especificamente para mulheres, para que elas não sejam esquecidas”.

Em abril, o BM anunciou US$ 2,5 bilhões em investimentos pelos próximos cinco anos em projetos de educação que beneficiem especialmente meninas e adolescentes.

O primeiro-ministro dinamarquês, Lars Løkke Rasmussen, foi pelo mesmo caminho.

“Alguns dizem que crescimento e prosperidade são as melhores formas de igualar as oportunidades de gênero. Acho que é o contrário. Acredito que igualdade de gênero é o que cria condições para o crescimento e a prosperidade”, afirmou durante o Women Deliver.

“A Dinamarca é uma das nações mais educadas, ricas e justas do mundo. Inclusive uma das mais felizes. E isto não ocorreu simplesmente porque a prosperidade resultou em oportunidades iguais para homens e mulheres. A Dinamarca é um resultado direto de mulheres historicamente conquistando os mesmos direitos de homens”, completou.

O primeiro-ministro lembrou que há 200 anos o país tornou obrigatória a educação tanto para meninos quanto para meninas; há 100 anos, mulheres votam; e há mais de 50 anos, elas ganharam o mercado de trabalho no país.

Flavia Milhorance

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem e edição em veículos de imprensa do Brasil e exterior, como BBC Brasil, O Globo, TMT Finance e Mongabay News. Mestre em jornalismo de negócios e finanças pelas Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University, em Londres.

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