Ezequiel na cova dos leões

Política é um terreno de conveniências escorregadio onde tudo parece ser o que nunca foi e onde secretários saem dos cargos sem nunca de fato terem assumido

Por Gilberto Scofield | ODS 1 • Publicada em 18 de fevereiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 18 de fevereiro de 2016 - 11:55

O deputado Ezequiel Teixeira, no plenário do Congresso
O deputado Ezequiel Teixeira, no plenário do Congresso

A exoneração do pastor Ezequiel Teixeira (PMB) do cargo de titular da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) ganhou ares de resposta dura do governador Luiz Fernando Pezão a desastradas – e intencionais, verdadeiras mesmo – declarações do pastor-secretário a respeito da homossexualidade. O sujeito a cargo da proteção a minorias desmantelou sem consultar ninguém uma secretaria de enorme importância num país – e num estado – desigual como o nosso. Pior. Ao se referir a um grupo de pessoas que, em tese, está sob a sua proteção, declarou ser contra o casamento homoafetivo, afirmou acreditar na cura gay e chegou a comparar a homossexualidade a doenças como Aids e câncer.

Muito cá entre nós: alguém ainda se surpreende ao ouvir isso da boca de um pastor evangélico que optou – ou foi doutrinado para – seguir uma carreira política? Mas as declarações do sujeito repercutiram nas redes sociais, turbinadas por uma entrevista ao maior jornal do estado do Rio. Para mim, a surpresa é que tenha demorado tanto em silêncio. Afinal, o pastor-ex-secretário foi empossado em dezembro do ano passado e passou praticamente invisível pelos radares da mídia até começar efetivamente a desmantelar a secretaria que, em tese, deveria fazer de tudo para preservar e perceber que seu reinado estava à beira do precipício.

O que parecia uma maluquice – um pastor evangélico neopentecostal num cargo de proteção a minorias (a gente já viu esse filme antes na Comissão de Direitos Humanos do Congresso) – foi uma ação política muito bem pensada

O líder da igreja Projeto Vida Nova foi eleito deputado federal em 2014 pelo Solidariedade, na coligação do PMDB, e exercia seu primeiro mandato, até que Pezão o nomeou secretário. Mas o que parecia uma maluquice – um pastor evangélico neopentecostal num cargo de proteção a minorias (a gente já viu esse filme antes na Comissão de Direitos Humanos do Congresso) – foi uma ação política muito bem pensada. Teixeira sempre foi contra o governo de Dilma Rousseff e o PMDB do Rio se mobilizou para garantir, dentro da briga de lideranças que é o saco de gatos do PMDB, a vitória de Leonardo Picciani e da ala do partido que é pró-governo na votação de ontem na Câmara. O pastor-ex-secretário é PMB, então não teria qualquer influência numa votação do PMDB, com exceção de fazer a cabeça deste ou daquele colega. Na dúvida, vamos garantir o quórum.
No lugar do pastor-ex-secretário entrou seu suplente Átila Nunes Pereira, do PMDB do Rio, que reza na cartilha de Pezão, do prefeito Eduardo Paes, do ex-governador Sergio Cabral e do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, todos da ala governista do PMDB. Foram engrossar o coro dos votantes de Leonardo Picciani, numa manobra muito semelhante, em estratégia, à exoneração do secretário municipal de Coordenação de Governo, Pedro Paulo Teixeira, e do secretário estadual de Esporte e Lazer, Marco Antônio Cabral, que foram para Brasília com o mesmo intento.
Garantida a vitória de Picciani ontem na Câmara, a presença de Ezequiel Teixeira já era dispensável. Na tarde de ontem, já se sabia que o pastor-ex-secretário seria exonerado à noite. Não sei bem que vantagem o levou ao cargo além dos DAS de praxe ou da oportunidade de subir a um púlpito que não o da igreja. Mas o fato é que Teixeira é aquele que foi sem nunca ter sido.
Porque ainda 12 de dezembro do ano passado, durante a 3ª Conferência para a população LGBT na Academia de Polícia do Rio, a então secretária estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, a economista Teresa Cosentino, já havia anunciado o corte de 30% os gastos de sua pasta por conta da crise financeira que já comia por dentro o governo do estado do Rio. Tanto que o coordenador do programa Rio sem Homofobia, Claudio Nascimento, ao fazer o balanço do ano de sua rubrica, caiu em prantos por estar falando de realizações passadas sem saber o que seria do seu futuro e de sua equipe.
Então os cortes efetuados pelo pastor-ex-secretário já haviam sido definidos. O pecado do pastor (sim, eles pecam) foi a atitude típica dos autoritários e donos da verdade: nunca consultou seus subordinados para saber de que melhor maneira cortar. Interrompeu o acordo com a Uerj que colocava de pé serviços importantes de apoio à comunidade LGBT, a mulheres vítimas de violência e de intolerância religiosa. Ao perceber que Picciani tinha chances de ser o novo líder peemedebista, botou a boca no mundo.
Era tudo que o governador Luiz Fernando Pezão queria. Porque depois disso, ele tinha motivos para exonerar o pastor-ex-secretário sem passar a impressão de que apenas o usou para garantir a vitória do PMDB do Rio em Brasília. Mas foi exatamente isso que aconteceu.
No lugar do pastor-ex-secretário assume Paulo Mello, que já foi presidente da Alerj e é um dos políticos mais rodados do Legislativo/Executivo fluminense. Não chega a ser um progressista de carteirinha, observa um astuto político da Alerj, mas ao menos mantém o saudável hábito do diálogo, imprescindível a qualquer político hábil que se enxergue como tal. E é um partidário das soluções de consenso, o que significa conversar com todo mundo. Tanto que o presidente atual da Alerj, Jorge Picciani, que até bem pouco tempo atrás criticava o governador Pezão por parecer tonto em meio à crise, tratou de acenar com recursos para manter o convênio da SEASDH com a UERJ depois da vitória de seu filho e da entrada em cena de Paulo Mello.
Apesar de o pastor-ex-secretário ter saído do cargo sem de fato nunca ter exercido o mandato, sua passagem pela SEASDH deixa clara a inabilidade do governador Luiz Fernando Pezão de enxergar o microcosmo da política quando grandes interesses estão em jogo. Afinal, o pastor precisava mesmo hibernar três meses na Secretaria de Direitos Humanos? Ou uma outra secretaria – ou autarquia – poderia abrigá-lo sem o trauma que um Feliciano já havia produzido em toda uma nação? De qualquer forma, Pezão se livrou de seu incômodo, elegeu seu líder em Brasília e a caravana passa. Mas o trauma…

Gilberto Scofield

É jornalista e, atualmente, trabalha como consultor de comunicação da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, em Brasília. Além de ser sócio-fundador da empresa Butique Comunicação e marca. Foi editor do jornal O Globo e repórter especial da sucursal de São Paulo após ter passado cinco anos como correspondente em Pequim, na China, e dois anos como correspondente em Washington, nos EUA. retornando ao Brasil em 2010. É colaborador da Globonews, comentarista da rádio CBN e autor do livro "Um brasileiro na China", publicado em 2006. Autor dos blogs "No Império – impressões de um brasileiro na capital dos EUA" e "No Oriente diário de um brasileiro na China“ (Globo Online). Ao longo de sua carreira, escreveu para o Jornal do Commercio, do Rio, Revista Exame, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo, Revista Época, IG Finance, O Globo e Globo Online.

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