A zona cinzenta da Mata Atlântica

Até 1990, o Rio foi um campeão do desmatamento. Desde 2010, porém, encontra-se no nível do “desmatamento zero”, com supressão de vegetação nativa abaixo de 100 hectares

Cerca de 70% das espécies endêmicas estão criticamente ameaçadas

Por Emanuel Alencar | FlorestasODS 14 • Publicada em 17 de fevereiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:56

Até 1990, o Rio foi um campeão do desmatamento. Desde 2010, porém, encontra-se no nível do “desmatamento zero”, com supressão de vegetação nativa abaixo de 100 hectares
Até 1990, o Rio foi um campeão do desmatamento. Desde 2010, porém, encontra-se no nível do “desmatamento zero”, com supressão de vegetação nativa abaixo de 100 hectares
Até 1990, o Rio foi um campeão do desmatamento. Desde 2010, porém, encontra-se no nível do “desmatamento zero”, com supressão de vegetação nativa abaixo de 100 hectares

Nos últimos anos, os secretários de Ambiente do Estado do Rio passaram a comemorar os índices ínfimos de destruição da Mata Atlântica. Se capturar carbono é a palavra de ordem em tempos modernos, atingir o “desmatamento zero” tem bastante relevância. No entanto, o mais completo estudo já feito sobre a flora fluminense, cuja primeira fase terminou há dois meses, mostrou que os desafios são muito maiores do que apenas garantir a floresta de pé.

É triste saber o quanto foi destruído, florestas devastadas que sequer foram estudadas e conhecidas. Ainda há muita lacuna de conhecimento. Neste sentido, essa campanha “Procura-se” é uma ideia genial, deverá contribuir muito para o conhecimento e para engajar mais pessoas à causa ambiental, envolver mais jovens e estudantes.

Análises preliminares de parte das 8 mil espécies coletadas pelo Inventário Florestal do Rio apontam que cerca de 70% das 902 espécies endêmicas – ou seja, aquelas que só existem no estado – sofrem algum tipo de ameaça de extinção. Chamou a atenção dos pesquisadores a gigantesca área cinzenta nesse mar verde: 411 espécies (45% das endêmicas) não puderam ser totalmente analisadas. Por dois motivos: não haviam sido encontradas e coletadas nos últimos 30 anos ou só se tem conhecimento de, no máximo, duas coletas da espécie na história.

Por essa razão, a Secretaria estadual do Ambiente (SEA) quer lançar, em parceria com o Jardim Botânico do Rio – o responsável pela análise – um aplicativo que permitirá que uma rede de pesquisadores ajude na compilação de dados sobre essas plantas. O engenheiro florestal Telmo Borges, que coordenou o projeto, diz que a caminhada para o conhecimento mais profundo das nossas florestas está apenas começando.

– A ideia é que a campanha “Procura-se” seja uma ferramenta na qual estudantes de biologia, engenharia florestal, ecologia, engenharia ambiental e áreas afins possam contribuir com relatos sobre as ocorrências dessas espécies. Apesar de termos uma grande história de coletas botânicas e várias instituições de pesquisa ainda não conhecemos a rica diversidade da nossa flora – diz ele.

Maçaranduba em Sapucaia

Uma dessas espécies “novas” é um tipo de bambu chamado Parianella, encontrado em Miracema, no Norte Fluminense, uma das regiões com menos cobertura vegetal do estado. Já exemplares da Manilkara elata, popularmente conhecida como maçaranduba (ou maçarandubeira), foram achadas a 679 metros de altitude, numa floresta em Sapucaia, no Sul Fluminense, quatro décadas depois do último registro no estado. A árvore, cuja madeira é bastante cobiçada para a fabricação de instrumentos de corda, chega a 20 metros de altura e possui flores brancas.

O Inventário Florestal no Estado do Rio de Janeiro é um dos instrumentos da Política Estadual sobre a Mudança Global do Clima e Desenvolvimento Sustentável. As pesquisas de campo foram feitas de setembro de 2013 a dezembro de 2015 por 20 profissionais, divididos em quatro equipes. Ao todo, o trabalho mobilizou 80 pessoas.

– Além de contribuir para ampliar a proteção da Mata Atlântica, a pesquisa pode servir de base para o direcionamento das emissões de licenças ambientais para grandes empreendimentos – comenta a superintendente de Biodiversidade e Florestas da Secretaria do Ambiente, Denise Rambaldi.

Fragmentos em expansão

Outra boa notícia é que os pesquisadores do inventário não registraram o uso exploratório de madeira como antigamente. Cidades da região serrana, como Cordeiro, e do Noroeste Fluminense apresentaram recuperação de alguns fragmentos de Mata Atlântica – um fenômeno que pode ter relação com o abandono do campo. O próximo passo dos pesquisadores do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNC Flora), vinculado ao Jardim Botânico, é elaborar a primeira lista estadual da fauna ameaçada de extinção.

De acordo com o Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica, desenvolvido pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Rio é um estado que já foi campeão de desmatamento no período de 1985-1990. Desde 2010, porém, encontra-se no nível do “desmatamento zero”, com supressão de vegetação nativa abaixo de 100 hectares. Restam hoje 30,7% de fragmentos florestais (ou 1,3 milhão de hectares) e áreas naturais acima de 1 hectare, ainda sob ameaça de devastação.

– É triste saber o quanto foi destruído, florestas devastadas que sequer foram estudadas e conhecidas. Ainda há muita lacuna de conhecimento. Neste sentido, essa campanha “Procura-se” é uma ideia genial, deverá contribuir muito para o conhecimento e para engajar mais pessoas à causa ambiental, envolver mais jovens e estudantes – conclui Marcia Hirota, diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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