Ocupação sem data para terminar

Ocupação da Escola Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado

No Colégio Amaro Cavalcanti, alunos receberam apoio da comunidade para resistir à desocupação forçada

Por Liana Melo | ODS 4 • Publicada em 24 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 24 de maio de 2016 - 20:22

Ocupação da Escola Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado
Ocupação da Escola Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado
Alunos da Escola Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado, temem desocupação truculenta por parte da polícia

Foi tensa a noite do último sábado, 22, para os alunos que ocupam a Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado. O prédio histórico, construído por volta de 1870 e que faz parte de um grupo seleto de oito construções no Rio de Janeiro conhecido como “escolas do imperador”, passou a tarde cercado de policiais militares. O temor dos alunos era que o colégio fosse desocupado com a mesma truculência usada pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, que, naquela madrugada, havia lançado mão da força para retirar os estudantes que ocupavam a Secretaria estadual de Educação (Seeduc). A operação da PM não teve autorização judicial e foi duramente criticada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

A suspeita de que a escola poderia ser o próximo alvo se espalhou durante o dia como rastro de pólvora. Pelas redes sociais e grupos de whatsapp a mobilização em defesa dos alunos começou a ser articulada. No fim do dia, um grupo de 200 pessoas foi para a porta da escola a fim de garantir a segurança e a integridade física dos estudantes. Eram artistas, familiares, jovens, moradores das redondezas, pessoas que estavam em outra ocupação, como o Ocupa Minc, e professores. Muitas delas dormiram na porta da escola, ao relento na praça, dispostas a fazerem um cordão humano para proteger os estudantes de uma possível invasão.

Nossa resistência é pacífica. E o que queremos é uma escola pública de qualidade

A Amaro Cavalcanti vem sendo protagonista do movimento estudantil secundarista no Rio de Janeiro. Originalmente deflagrada em São Paulo, em novembro passado, a estratégia de ocupação contagiou, em efeito dominó, os estudantes cariocas. A primeira escola do Rio de Janeiro a adotar a tática, no entanto, não foi a escola do Largo do Machado, mas o Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador. Desde que o movimento de ocupação foi deflagrado na cidade, ele atingiu 78 escolas, das quais quatro delas já foram desocupadas. Apenas dois colégios na zona Sul estão ocupados pelos alunos: o Amaro Cavalcanti e o André Maurais, na Gávea. Em São Paulo, o movimento envolveu 200 escolas e os alunos saíram às ruas em protesto contra a reorganização escolar proposta pelo governo do Estado. A mobilização levou à queda do secretário de Educação  e obrigou o governador Geraldo Alckmin a suspender seus planos reformistas.

– Nossa resistência é pacífica. E o que queremos é uma escola pública de qualidade – defender Gabriel Richard´s, um dos líderes do movimento de ocupação no Amaro Cavalcanti.

Do conjunto de reivindicações dos alunos, apenas duas delas já foram atendidas: eleições diretas para diretor da escola e o fim do sistema de avaliação bimestral seguida pelo Estado para avaliar a qualidade do ensino, o chamado Saerj e Saerjinho. O fim do currículo mínimo e obras de infraestrutura na escola são demandas ainda pendentes. A ocupação do Amaro Cavalcanti não tem data para terminar e os alunos contam com o apoio dos professores no movimento – aulas coletivas, e extra oficiais, estão sendo dadas na escola, apesar de os professores estarem em greve desde o último dia 21 de março.

A secundarista Gabriela Monteiro se emociona quando fala sobre a ocupação na Amaro Cavalcanti. É a primeira vez na vida que a jovem, de 17 anos e moradora de Del Castilho, está fazendo política. Sim, ocupar escolas também é fazer política. Neófita de assembleias, está aprendendo rápido e já percebeu que, para ser ouvida, precisa falar alta. E, sobretudo, em conjunto. No último sábado, quando ela e seus colegas temiam uma invasão da PM foram para a porta da escola e lançaram mão da ferramenta mais antiga de comunicação: o microfone humano. Deu certo. Foram ouvidos do outro lado da praça e as pessoas que transitavam pelo Largo do Machado foram se aproximando, aos poucos, para entender o que estava acontecendo.

Enquanto denunciavam a possível tentativa, um representante o subsecretário de Educação, Mário Rocha, ligou para a escola. Os alunos não tiveram dúvida. Reproduziam a conversa ao telefone em alto e bom som pelo microfone humano e, em resposta, o interlocutor da Seeduc ouviu que suas palavras não tinham credibilidade. A mesma promessa fora feita aos estudantes que ocupavam a Seeduc e, no entanto, a operação de desocupação foi implacável. A PM acabou se retirando do local após a ligação telefônica.

Gabriela admite que preferia estar em aulas, já que o movimento vai atrasar o ano letivo dos estudantes das escolas públicas. Mas não se importa: “O currículo mínimo é um absurdo. O aluno acaba não aprendendo nada”. No dia em que a ocupação foi aprovada em assembleia, apenas os alunos no turno da noite – estudantes do terceiro ano – foram contrários ao movimento. Os secundaristas que estão ocupando as escolas no Rio são filhos de faxineiras, costureiras, desempregados, funcionários públicos e empregados de estatais. A maioria é morador de favela ou mora em bairros pobres. Sabem que estudar em escolas particulares não cabe no orçamento familiar. Sabem também que algumas das reivindicações depende de verba. O discurso de que o estado está sem dinheiro não é resposta para eles. “Não acreditamos neste blábláblá. A ocupação continua”, conclui Gabriela.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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Um comentário em “Ocupação sem data para terminar

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    O movimento de ocupação das escolas públicas representa um dos mais importantes e significativos avanços no campo da cidadania e da educação, por se tratar de uma ação organizada por jovens reivindicando que seus direitos seja respeitados na sua integralidade, não apenas como uma formalidade. Exijem que a Educação tenha compromissos com a qualificação de suas vidas e com a realidade em que estarão inseridos. A forma respeitosa com que lidam com as instalações, com os profissionais que atuam na escola e com as autoridades precisa ser reconhecida como um significativo avanço, um amadurecimento impar sobre o papel das escolas, dos gestores, da administração pública e do estado. Considero este movimento digno de medalha de ouro na olimpíada da cidadania e do compromisso com a ética.

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