O Lord Ixpérto

Dr Jekyll and Mr Hyde, 1941, dirigido por Victor Fleming. Com Spencer Tracy, Ingrid Bergman e Lana Turner. Foto de Divulgação

Versão carioca de Dr. Jekyll e Mr. Hyde é mais comum do que parece

Por Leo Aversa | ODS 4 • Publicada em 24 de janeiro de 2017 - 10:00 • Atualizada em 24 de janeiro de 2017 - 12:17

Dr Jekyll and Mr Hyde, 1941, dirigido por Victor Fleming. Com Spencer Tracy, Ingrid Bergman e Lana Turner. Foto de Divulgação
Dr Jekyll and Mr Hyde, 1941, dirigido por Victor Fleming. Com Spencer Tracy, Ingrid Bergman e Lana Turner. Foto de Divulgação
Dr Jekyll and Mr Hyde (O Médico e o Monstro), 1941, dirigido por Victor Fleming. Com Spencer Tracy, Ingrid Bergman e Lana Turner. Foto de Divulgação

Cena 1

– Ô seu guarda, só dez minutinhos, alivia aí meu tio, só pra desenrolar uma parada ali na esquina, pisca ligado, não tem errada….na volta deixo uma cervejinha pro amigo, no esquema.

Cena 2

– Mas vejam só que absurdo, esse automóvel parado em fila dupla! Onde já se viu? Em Londres isso seria inadmissível! Quero ver fazer uma coisa dessas em Berlim! Morei lá, fiz o meu trans-pós-plus doutorado na Universidade de BlivsBlovs e nunca vi nada parecido! O Rio de Janeiro está largado!

O carioca Ixpérto uma mistura de Evandro Mesquita com Marcelo D2. É só merrrmão, pra lá, caô pra cá e X pra todo lado: “pô, aí maluco, xe liga, nada a ver, a lixeira tá lá lonxe, aí xoguei a parada na rua merrrrmo”

As duas cenas são protagonizadas pelo mesmo personagem, um morador típico da Zona Sul carioca. Falta de civilidade tem no mundo todo, mas só aqui uma mesma pessoa tem duas visões completamente opostas sobre leis e regras: quando são contra e quando são a favor.

Quando é outro quem faz algo errado, baixa o Lord Indignaldo no carioca. Aí é só reclamação da bagunça e da confusão, a figura muda até de sotaque, passa a falar difícil e empolado, descreve com minúcias toda a sua vivência no primeiro mundo e seu cosmopolitismo de cinco gerações. E sempre em tom indignado, separando com clareza ele, o culto sofisticado, e a selvageria que o cerca, bando de bugios que não merece ocupar nem este solo nem qualquer outro.

Mas quando é ele o errado, o que aparece é o Ixpérto, uma mistura de Evandro Mesquita com Marcelo D2. É só merrrmão, pra lá, caô pra cá e X pra todo lado: “pô, aí maluco, xe liga, nada a ver, a lixeira tá lá lonxe, aí xoguei a parada na rua merrrrmo”. Qualquer objeção ao seu comportamento vai ser classificado como coisa de paulista, de gente ordinária de pensamento pequeno burguês. Carioca da Zona Sul fazendo algo de errado se vê como um Garrincha, um Neymar, alma livre que não pode ser confinada a regras arcaicas e ultrapassadas.

Essa dualidade entre o modo Ixpérto e modo Lord Indignaldo, gera situações esquizofrênicas. Quando numa reunião, por algum milagre, o Carioca-Zona-Sul chega na hora vai logo reclamando do atraso dos outros, faz o número do ofendido, joga na mesa a lista de reuniões internacionais das quais participou etc etc. Quando é ele o atrasado, aparece tranquilo, quase lesado, elogiando a praia, lamentando não poder continuar lá e pedindo para adiantar o assunto porque tem uma gata esperando por ele no Jobi.

Um show de funk, sertanejo ou gospel fechando rua da Zona Sul? Que disparate! Como permitem isso? Em New York é preciso licença disso e daquilo, só em último caso etc. Fica essa algazarra na porta da gente, não dá pra sair de casa, blá, blá, blá

Bloco da galera fechando o bairro todo? Woohooo, caraca! É o legítimo ixspírito carioca na rrrrua, Só um doido não vai atrás, tinha que fechar a cidade toda pra folia! Vou ali fazer um xixizinho na árvore e já tô voltando, pede pro camelô segurar a minha cerveja. Iraaaaaaadooooo!!! O carioca Zona Sul fura o sinal porque “está com pressa” e, na esquina seguinte, faz discurso contra quem fecha cruzamento.

A única coisa que consegue unir ao mesmo tempo Lord indignaldo e Ixpérto é aquele chuveiro da praia. Ixpérto faz xixi debaixo dele, achando que ninguém tá vendo, enquanto Lord Indignaldo reclama da temperatura da água, sem ter idéia de onde a bomba está puxando o líquido.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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