Airbnb coleciona sucessos, críticas e bilhões de dólares

Em São Francisco, o Mission District é o bairro com maior número de ofernas no AirBnb

Empresa vence plebiscito em São Francisco; no Rio proprietários podem ser taxados, como ocorre em outras cidades

Por Carla Lencastre | ODS 17 • Publicada em 26 de novembro de 2015 - 08:00 • Atualizada em 26 de novembro de 2015 - 21:27

Em São Francisco, o Mission District é o bairro com maior número de ofernas no AirBnb
Em São Francisco, o Mission District é o bairro com maior número de ofertas no AirBnb
Em São Francisco, o Mission District é o bairro com maior número de ofertas no AirBnb

Dormir na casa de estranhos, fazer cama, preparar café da manhã e lavar louça fazem parte do seu programa de férias? Milhões de pessoas em todo o mundo respondem que sim. Na outra ponta, outros milhões se sentem à vontade para hospedar desconhecidos em seus apartamentos, estando lá para recebê-los ou não. Para quem se hospeda, há a chance de espaços maiores e melhores do que nas grandes redes hoteleiras, por preços menores. Para quem recebe, é uma oportunidade de complementar o orçamento usando a própria casa. Há menos de dez anos, em 2008, o site de hospedagem Airbnb surgiu para unir as duas pontas. Hoje tem 60 milhões de usuários. E numerosos críticos. No início de novembro, houve o mais significativo combate até agora. O Airbnb enfrentou seus opositores em casa, a própria, e não alugada: a cidade de São Francisco. Ali  nasceu o site, um dos mais bem-sucedidos exemplos da economia colaborativa, hoje avaliado em US$ 25 bilhões.
Cidade após cidade, país depois de país, o Airbnb mudou de forma definitiva o mercado de locação por temporada. A ideia original era perfeita: qualquer pessoa poderia receber visitas em suas casas e, com isso, aumentar sua renda. O site oferece hoje dois milhões de acomodações (incluindo 1.400 castelos) em 34 mil cidades de 190 países. Recentemente, começou a operar em Cuba, onde já tem uma oferta de 2.500 casas. O Airbnb é uma das novas companhias que mais simbolizam a economia criativa. Com o passar dos anos, no entanto, surgiram as contradições. A empresa recebe acusações de estar fomentando o mercado imobiliário de aluguéis de temporada e, consequentemente, diminuindo o número de unidades habitacionais disponíveis para moradores da própria cidade.

Como ainda não há regras para este novo modelo de negócio, o Airbnb, assim como o Uber, enfrenta resistência em várias cidades pelo mundo. Nos Estados Unidos, depois de Nova York e Los Angeles, a briga mais recente foi em São Francisco, a quarta cidade mais populosa da Califórnia, coração da nova economia no país e sede de empresas como Uber e Twitter. Os críticos do Airbnb dizem que São Francisco perdeu de 10 a 12 mil unidades habitacionais para o site de aluguel por temporada. Eles defendiam uma lei que limitasse a locação por temporada de cada apartamento ou casa a 75 noites por ano. A proposta foi derrotada em uma consulta popular, realizada no dia 3 de novembro. Ed Lee, o prefeito democrata da cidade, reeleito no mesmo dia 3, é contra restringir a atuação do Airbnb. “Alugar seus próprios apartamentos ajuda as pessoas a pagar suas contas”, diz Ed Lee. O valor médio dos aluguéis em São Francisco é um dos mais altos dos Estados Unidos.

Castelo no norte da Inglaterra, com diárias por volta de R$ 700
Castelo no norte da Inglaterra, com diárias por volta de R$ 700

Em defesa de seus interesses, o Airbnb investiu mais de US$ 8 milhões para enfrentar as medidas restritivas em São Francisco. A briga foi tão grande que a empresa contratou um ex-estrategista político de Bill Clinton, Chris Lehane, administrador de crises na Casa Branca (entre elas a causada por Monica Lewinsky). Foi o primeiro referendo enfrentado pelo Airbnb nos Estados Unidos. O resultado mostrou que 55% dos moradores de São Francisco são contra as restrições aos aluguéis por temporada.
A vitória do Airbnb em casa não chega a ser importante em termos financeiros. Afinal, são cerca de cinco mil apartamentos em São Francisco, a maioria no revitalizado bairro latino Mission District, e 60 mil em Paris, por exemplo, onde há a maior oferta. Mas o simbolismo é forte.

Barry Sternlicht, CEO da empresa americana Starwood Hotels & Resorts, que tem entre as bandeiras grifes como St. Regis, Sheraton e W Hotels, disse mês passado à Bloomberg que “é inegável que a economia colaborativa em geral, e o Airbnb em particular, estão mudando o panorama do mercado de hotelaria. O que nós queremos é que o Airbnb pague as mesmas taxas que os hotéis têm que pagar pelos hóspedes”.
O site Skift, especializado em analisar tendências da indústria de viagem em todo mundo, vai além e diz que, na realidade, o futuro (próximo) do Airbnb é se transformar em um novo canal de distribuição de hotéis. Hotéis independentes, pelo menos em um primeiro momento. Nos últimos anos, analistas têm discutido o imenso impacto na indústria hoteleira das alternativas de hospedagem oferecidas pelo Airbnb. Para o Skift, a discussão agora é quando as redes de hotéis vão se unir ao Airbnb. O site oferece mais quartos disponíveis do que qualquer um dos maiores grupos. Segundo os analistas do Skift, o Airbnb diz a milhões de viajantes, em um ambiente democrático que gera conforto com um conceito desconfortável (dormir na casa de um desconhecido), quais serviços esperar. Adicionar hotéis ao processo parece simples e uma extensão lógica do que já é oferecido.
Nos próximos meses, hotéis independentes ou de pequenos grupos devem começar a testar o novo canal de distribuição, anunciou o Skift no final de outubro. Uma das redes mais cotadas para dar início a esta nova fase é a Morgans Hotel, que administra, entre outros, o Hudson e o Royalton, em Nova York; o Delano, em Miami Beach e Las Vegas, e o Mondrian, em Los Angeles e Londres. O Skift prevê que em até 18 meses uma grande rede hoteleira será parceira do Airbnb. O objetivo seria conquistar o viajante que se sente atraído pela proposta do site, mas não consegue dar o passo decisivo de alugar um apartamento e acaba preferindo um quarto de hotel.

Por aqui, não há regulamentação
No Brasil, onde chegou em 2012, o Airbnb não é regulamentado. Há mais de 50 mil acomodações cadastradas, os brasileiros são usuários frequentes, e o Rio é o destino mais popular (com 20 mil propriedades cadastradas) não somente no Brasil mas em toda a América Latina. Para 2016, a Embratur está conversando com a empresa sobre a possibilidade de taxar os proprietários que alugam apartamentos pelo site, como já acontece em São Francisco, Paris e outras cidades. Até os Jogos Olímpicos, a oferta hoteleira do Rio deve chegar a 50 mil quartos. A expectativa é que o Airbnb seja responsável por outras mais de 20 mil acomodações, segundo um acordo fechado com a Rio 2016. Na Copa do Mundo, cerca de 120 mil estrangeiros se hospedaram em todo o país pelo Airbnb.

Hotéis seguem padrões, por mais que sejam decorados com objetos locais. Alugar um imóvel me enriquece culturalmente. Sei que o Airbnb tem apartamentos que não são realmente habitados, que servem apenas para locação. Para mim, perde muito a graça.

Um dos milhares de cadastrados no país, o servidor público Eduardo Brito utiliza o serviço nas duas pontas. Ele aluga um dos quartos do apartamento onde mora no Leblon, e administra o apartamento de um amigo que mora em Ipanema, mas passa longas temporadas fora do país. Quando viaja, o que faz com frequência, Eduardo sempre usa o Airbnb. Já alugou apartamentos em Toronto, Montreal, Londres, Amsterdam, Barcelona. Quando recebe algum hóspede em seu apartamento no Rio ou no do amigo, Eduardo faz questão de acrescentar um toque local. Biscoito Globo, guaraná e goiabada estão entre os mimos. Se ele sabe que o hóspede está vindo para comemorar alguma data especial, flores frescas fazem parte do pacote de boas-vindas:
– Minha hóspede mais recente, uma francesa que mora na ilha de Guadalupe, me deu um abraço bem apertado para agradecer pelas flores e pelos docinhos. Como este momento é gostoso.
Eduardo faz também um balanço dos prós e contras:
– Em Budapeste fiquei um pouco incomodado porque o apartamento estava com roupas e outros objetos de uso pessoal do morador. Por outro lado, foi ótimo ver os temperos na cozinha. Facilitou as compras no mercado, escolhi as mesmas marcas. Hotéis seguem padrões, por mais que sejam decorados com objetos locais. Alugar um imóvel me enriquece culturalmente. Sei que o Airbnb tem apartamentos que não são realmente habitados, que servem apenas para locação. Para mim, perde muito a graça.
Foi num desses apartamentos que foi parar o arquiteto Pedro Silver, ano passado, em Praga:
– O apartamento era amplo e confortável, mas ficava em um prédio no qual todos os apartamentos eram para aluguéis por temporada. Ninguém morava lá de verdade. Era como um hotel, só que sem os serviços de hotel. Foi bem decepcionante.
Os próximos meses serão decisivos para mostrar se o Airbnb vai perder a graça ou não.

Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre 

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