Sozinho o Antonio não aguenta

A Casa já foi equipada com biblioteca, roteiroteca, estúdio de som, ilhas de edição de video, videoteca e banco de textos de teatro

Casa da Gávea volta à UTI, novo patrocínio é negociado

Por Celso de Castro Barbosa | ODS 9 • Publicada em 19 de junho de 2016 - 07:20 • Atualizada em 19 de junho de 2016 - 13:22

A Casa já foi equipada com biblioteca, roteiroteca, estúdio de som, ilhas de edição de video, videoteca e banco de textos de teatro
A Casa já foi equipada com biblioteca, roteiroteca, estúdio de som, ilhas de edição de video, videoteca e banco de textos de teatro
A Casa já foi equipada com biblioteca, roteiroteca, estúdio de som, ilhas de edição de video, videoteca e banco de textos de teatro

Paulo Betti jogou a toalha. Conformado com a crise que ameaça a Casa da Gávea com o fechamento definitivo, ele prefere apostar em seus projetos teatrais e cinematográficos na busca por patrocínio: “Já vivi o luto da Casa quando fechou pela primeira vez, antes da chegada do Antonio. As coisas são assim mesmo. Têm o seu tempo”, explica, o ator, de 63 anos, um dos fundadores, em 1992, do espaço cultural na Praça Santos Dumont, zona sul do Rio.

Só posso honrar esse compromisso até 31 de julho. Ajudo porque é um espaço importante do Rio, comandado com dedicação pela jornalista Bia Falbo, frequentado por jovens, enfim, é uma referência. O sobrado da Gávea não tem outra vocação senão a cultural. Mas sinto que estou sozinho e sozinho não tenho como bancar.

O Antonio em questão é o Francisco Antonio Rodrigues Pinto, 47 anos, nascido em Hidrolândia, no sertão cearense, sete irmãos, terceiro ano primário completo, que chegou ao Rio aos 15, mão na frente, outra atrás. Ele tira do próprio bolso cerca de R$ 30 mil por mês, permitindo o funcionamento da Casa desde a reabertura, em agosto de 2015.

No ano anterior o centro cultural fechara pela mesma razão que ameaça o fechamento definitivo: falta de liquidez explícita. No país onde grandes fundações e bancos são os maiores beneficiários da Lei Rouanet é digno de registro o fato de um ex-faxineiro, ex-lavador de pratos, ex-copeiro, ex-garçom e agora um bem-sucedido empresário, sustentar sozinho um projeto cultural. Sem direito a isenção fiscal.

“Só posso honrar esse compromisso até 31 de julho”, explica Antonio, que montou não um império, mas um, digamos, pequeno principado no ramo de botequins da cidade, sendo a rede Belmonte a mais conhecida. “Ajudo porque é um espaço importante do Rio, comandado com dedicação e competência pela jornalista Bia Falbo, frequentado por jovens, enfim, é uma referência. O sobrado da Gávea não tem outra vocação senão a cultural. Mas sinto que estou sozinho e sozinho não tenho como bancar”.

Não bastasse a saída de cena de Antonio, a Casa corre ainda o risco de desaparecer por causa de uma ação na justiça movida pelos donos do imóvel, que tentam anular o tombamento determinado pela prefeitura. Embora funcionários não descartem o destombamento e a consequente retomada do sobrado, Antonio aposta que os proprietários não sairão vitoriosos da disputa. “A Casa é tombada e o aluguel é pago em dia”, argumenta o futuro ex-mecenas. Empregador de 530 pessoas, Antonio dá uma pista do que poderia fazer com o dinheiro que vem desembolsando mensalmente: “é grana suficiente para eu comprar um barraco para cada funcionário”.

Preocupado com o fim iminente de um dos palcos onde adora se apresentar, o músico (saxofone e clarineta) e artista plástico Edgar Duvivier, 61 anos, vem mantendo contato com uma cervejaria em busca de patrocínio. Não menospreza o “momento difícil” que o Brasil atravessa, mas acha que há um desinteresse generalizado de grandes empresas em associar suas marcas a projetos culturais não grandiosos, com espaço garantido às mais variadas formas de expressão artística. “A cultura é a do lucro imediato. Difícil encontrar quem invista a longo prazo”, explica Duvivier.

A diversidade sempre foi marca registrada da Casa da Gávea, aberta no ano do impeachment de Fernando Collor. O Brasil fervia. O Baixo Gávea, idem, com direito à Segunda sem Lei, dia em que até quatro mil pessoas ocupavam a praça e seus bares para beber, comer, namorar, azarar, fumar cigarrinhos com ou sem teor de tabaco e, se quisessem, rezar, como os hare krishna que de vez em quando davam o ar. No coração daquela boemia toda o Rio viu nascer um centro cultural original, diferente dos outros.

A administração era compartilhada por Paulo Betti, Cristina Pereira, Rafael Ponzi, Vera Fajardo, Eliane Giardini, Antonio Grassi, Míriam Brum e Guilherme Abrão e os objetivos, reza o Google, eram “o estudo, debate e divulgação das mais variadas formas de arte e cultura e a produção de espetáculos teatrais, filmes, vídeos, edições de livros, programas de rádio, exposições e shows musicais”. O Google está certo. A Casa era equipada com biblioteca, roteiroteca, estúdio de som, ilhas de edição de video, videoteca e banco de textos de teatro.

Na Sala Chiquinho Brandão, espaço nobre  onde hoje se apresentam nomes consagrados da música e aspirantes, as segundas sem lei, com entrada franca, eram dedicadas ao ciclo de leituras. Cerca de 700 textos foram lidos por atores profissionais e amadores e mais de cem peças, encenadas. José Wilker dirigiu Eva Wilma e Eliane Giardini em “Querida Mamãe”, de Maria Adelaide Amaral. Cristina Pereira dirigiu um elenco de amadores formado por atores com mais de 50 anos em “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto,

No dia da inauguração, o filósofo e professor Adauto Novaes comandou seminário sobre Ética. O compositor e ensaista José Miguel Wisnik, noutro seminário, discutiu a democratização dos meios de comunicação no Ciclo Rede Imaginária. Saudosismo à parte, outros tempos.

Aberta no ano do impeachment de Collor e com grandes chances de fechar para sempre no ano do processo de impeachment de Dilma, a Casa da Gávea inscreveu seu nome na história do Rio de Janeiro. A coincidência dos eventos políticos, no entanto, é sugestão de tema para a astrologia.

Celso de Castro Barbosa

É carioca e botafoguense. Quando criança tinha fixação com a profissão de jornalista. Seus pais concordaram com a escolha e foi em frente, principalmente em jornais impressos e TVs. Se arrependimento matasse, Celso, 58 anos, estaria morto. Não por causa do jornalismo, mas pelo que ele se tornou no Brasil.

Nota da redação: Celso de Castro Barbosa morreu em 2017.

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