Museus engajados

O Museu do Amanhã tem mais de dois mil vizinhos cadastrados que não pagam para ver as exposições. Foto Divulgação

Amanhã completa um ano seguindo tendência de ativismo social e envolvimento com a comunidade

Por Adriana Pavlova | ODS 9 • Publicada em 16 de dezembro de 2016 - 14:51 • Atualizada em 22 de dezembro de 2016 - 13:13

O Museu do Amanhã tem mais de dois mil vizinhos cadastrados que não pagam para ver as exposições. Foto Divulgação
O Museu do Amanhã tem mais de dois mil vizinhos cadastrados que não pagam para ver as exposições. Foto Divulgação
O Museu do Amanhã tem mais de dois mil vizinhos cadastrados que não pagam para ver as exposições. Foto Divulgação

Símbolo da transformação da zona portuária do Rio de Janeiro e novo cartão postal da cidade, o Museu do Amanhã completa seu primeiro ano de vida no dia 17 de dezembro com números poderosos de visitação, que comprovam como o prédio desenhado pelo espanhol Santiago Calatrava encravado na Praça Mauá caiu no gosto popular. Mais de 1,3 milhão de pessoas passaram por lá nestes 12 meses de atividades, incluindo 30 mil estudantes de 850 escolas diferentes. Em seu primeiro ano, o museu também deu provas de que está ali, naquela região histórica da cidade, para olhar para o futuro, sem, no entanto, esquecer do passado e muito menos do presente.

Museus são lugares de encontros. Entendemos que as histórias dos nossos vizinhos e da cidade têm que estar refletidas no museu. Nossa meta é trazer o público para dentro do museu e construir conteúdos juntos.

Desde a inauguração, ações ligadas à comunidade – como gratuidade para moradores da região portuária, seminário sobre a memória da Praça Mauá e eventos ao ar livre com artesãos e cozinheiros locais – vêm pautando um projeto efetivo de aproximação dos vizinhos e da história do entorno. Uma proposta assumidamente ativista, que replica aqui um modelo de museu menos entrincheirado, mais próximo da população, que vem ganhando espaço em diferentes partes do mundo nos últimos anos.

Uma proposta reafirmada no aniversário de um ano com um seminário para debater, no cenário pós-olímpico, o lugar da população na transformação da Praça Mauá e as expectativas para a região nos próximos dois anos. O seminário “Mauá 360 – O porto do Rio ontem, hoje e amanhã”, no dia 13 de dezembro, teve como ponto de partida o documentário “Porto do Rio”, de Pedro Évora e Luciana Bezerra, que mostra, através de entrevistas com moradores e estudiosos, a transformação da região, desde os tempos em que foi o maior porto de recepção de escravos no país, passando pela forte ligação com o samba, para chegar nos dias de hoje, com as obras do Porto Maravilha.

“A ideia era avaliar o que restou das expectativas pré-olímpicas e ainda tocar em questões como a gentrificação da Praça Mauá e as moradias populares do entorno. É importante refletir, entender como estamos, para criar novos conteúdos e novas pontes com a comunidade”, diz Laura Taves, gerente de Relações Comunitárias do Museu do Amanhã.

As oficinas para jovens, a formação de guias e eventos com artesãos e cozinheiros já fazem parte da rotina do museu. Foto de Divulgação
As oficinas para jovens, a formação de guias e eventos com artesãos e cozinheiros já fazem parte da rotina do museu. Foto de Divulgação

No domingo, dia 18, a festa acontece ao redor do Museu do Amanhã, com a terceira edição do evento “O banquete – Encontros no jardim”, que, entre outras programações, terá uma roda de conversa com os professores Eliane Costa e Luiz Antonio Simas sobre a história do porto carioca; cortejo de blocos da região portuária, como Prata Preta e Escravos da Mauá; oficinas de estandartes e instrumentos africanos, além de visita guiada ao Cais do Valongo, onde os escravos desembarcavam.

As atividades de aniversário dão uma boa medida das relações que o Museu do Amanhã buscou manter com as pessoas que vivem por ali, antes mesmo do começo de seus trabalhos. Em 2015, o programa Vizinhos do Amanhã enviou para 12 mil moradias da região portuária – bairros da Saúde, Gamboa, Morro do Pinto, Providência e Livramento – um postal convidando os moradores a conhecerem o museu e a se cadastrarem para terem gratuidade na entrada. Para isso, bastava levar um comprovante de residência e um documento com foto. Hoje já são 2.150 vizinhos cadastrados.

Outro projeto foi a participação de 40 jovens também moradores da região, que participaram da primeira edição do seminário “Mauá 360”, com oito encontros/aulas sobre a história da zona portuária. Há ainda o Gambiarra Museu Móvel, um carrinho que exibe exemplos do que pode ser visto no museu, construído em oficinas também com jovens moradores, com material reciclado recolhido nas obras do VLT. Volta e meia, este veículo-museu-móvel integra atividades internas e externas. Seguindo a mesma ideia, o grupo Sabores & Artesanato do Porto expõe e vende seus trabalhos nas praças da região, participando de feiras nos jardins do museu.

“Museus são lugares de encontros. Entendemos que as histórias dos nossos vizinhos e da cidade têm que estar refletidas no museu. O Museu do Amanhã é um lugar de muitas possiblidades, que busca que todos nós sejamos sujeitos do nosso amanhã, criando uma ponte entre a comunidade local e a cidade, num encontro de diversidades e, ao mesmo tempo, fazendo um convite ao conhecimento. Nossa meta é trazer o público para dentro do museu e construir conteúdos juntos”, diz Laura Taves.

Trata-se de um jeito novo de pensar as relações entre o museu e a população que também ganhou destaque num outro evento realizado no Museu do Amanhã, em novembro passado, para discutir o papel dos museus hoje e pensar como torná-los mais ativos nas causas urgentes da humanidade. Organizada pelo British Council dentro de um projeto de intercâmbio Brasil-Reino Unido, a conferência “Museus Para Quê?” contou com um painel sobre museus e ativismo social, da qual participaram Laura Taves, do Museu do Amanhã; Martin Bellamy, diretor de pesquisa e curadoria do Glasgow Museums; Rayén Gutiérrez, responsável pelas relações internacionais do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos de Santiago do Chile.

Bellamy concentrou sua fala no potente projeto de engajamento comunitário do Glasgow Museums, que começou a ser desenvolvido na década de 1980, dentro de um projeto de revitalização da cidade escocesa. Hoje são dez museus, com 1,4 milhão de objetos, que interagem de diferentes formas com a população local, num cenário às vezes não tão tranquilo:

“Glasgow continua sendo uma cidade de contrastes, com museus brilhantes mas ainda com áreas miseráveis, com altos índices de mortalidade. Sabemos que museus mudam vidas, que a participação na cultura pode fazer diferença, trazendo benefícios à saúde. Não adianta termos museus incríveis sem conseguir chegar às pessoas”, disse Bellamy.

Os museus de Glasgow têm como prática fazer circular seu acervo pela cidade, chegando a diferentes comunidades. Objetos da coleção islâmica, por exemplo, já foram levados a uma mesquita, enquanto acervos já serviram para despertar a memória de idosos em casas de repouso. Nestes casos, são pessoas ligadas aos grupos que servem como curadores.

Já Rayén Gutiérrez contou que o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos é um projeto vivo de acerto de contas com a história da ditadura do Chile.

“O museu foi aberto em 2007 com o objetivo de fazer uma reparação moral das vítimas da ditadura. A missão é conscientizar a população das violações ocorridas em 17 anos de ditadura, a partir de 1973, gerando uma reflexão ética sobre a memória, garantindo assim que atos como aqueles que afetam o ser humano nunca se repitam”, disse Rayén.

O Museo de la Memoria y los Derechos Humanos do Chile recebe cerca de 150 mil pessoas por ano. Uma das práticas de engajamento comunitário é oferecer oficinas de arte para jovens, tendo como objetivo realizar novas leituras do acervo do museu através de criações artísticas. Neste sentido, já foi feito um concurso de música para jovens de 18 a 25 anos, cujo desafio era compor canções em homenagem às vítimas da ditadura, e um outro de ilustração seguindo a mesma proposta. Também foi criada uma plataforma, em 2014, para que exilados durante a ditadura que ainda moram fora do Chile escrevessem seus testemunhos e, ao mesmo tempo, se relacionassem com seus pares, criando novas comunidades.

Um trabalho intenso que, segundo Rayén, está apenas começando.

Adriana Pavlova

Trabalhou durante 13 anos no jornal O Globo, de onde saiu em 2005 para morar em São Paulo. Foi setorista de dança na Folha de S. Paulo de 2007 a 2010 e colaborou regularmente com as revistas Época São Paulo e Exame. De volta ao Rio, é crítica de dança do Globo desde 2013. Em 2015 tornou-se mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Escola de Comunicação da UFRJ.

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