As férias dos artistas

A aprazível Siglufjörður, uma vila de pescadores isolada na Islândia, faz sucesso entre os artistas. Foto de Loretta Felli /AGF/Photononstop

A difícil escolha entre Beto Carrero, Nova York, Gramado e Siglufjörður

Por Leo Aversa | ODS 9 • Publicada em 16 de novembro de 2016 - 08:03 • Atualizada em 16 de novembro de 2016 - 12:11

A aprazível Siglufjörður, uma vila de pescadores isolada na Islândia, faz sucesso entre os artistas. Foto de Loretta Felli /AGF/Photononstop
A aprazível Siglufjörður, uma vila de pescadores isolada na Islândia, faz sucesso entre os artistas. Foto de Loretta Felli /AGF/Photononstop
A aprazível Siglufjörður, vila de pescadores isolada na Islândia, faz sucesso entre os artistas. Foto de Loretta Felli /AGF/Photononstop

Fim de ano chegando e começo a planejar as férias. Se você for como eu, pequeno burguês, classe média, está atrelado a calendários ordinários e vulgares como férias escolares ou folga no trabalho. Já meus amigos, todos gênios das artes, viajam quando o espírito quer, quando o vento leva, quando a alma pede. São seres superiores.

É com eles que tenho a sorte de dividir uma mesa de bar quando surge o assunto.

Vocês já repararam que o Instagram nas férias só funciona no hemisfério norte? É o apagão geográfico. Milhares de imagens de Paris, NY, Londres…mas de Maricá ou Gramado nada. Um bug que não tem Zuckerberg que resolva.

Começo chutando o balde: o que vocês acham de Beto Carrero World? Um silêncio profundo na mesa. Dá para ouvir o colarinho do chope se desfazendo. Um ou outro mais cara de pau pergunta do que se trata. A maioria se faz de desentendida, como se alguém soltasse um pum durante uma solenidade real. Melhor tentar outra coisa.

E ano novo em NY? Vira aquela balbúrdia, todo mundo indicando restaurantes, lojinhas, cantinhos que só eles conhecem. Dois amigos quase chegam às vias de fato discutindo sobre o melhor italianinho do Soho. Outros me fazem jurar que vou ficar no Brooklyn, Manhattan é cafona como votar no Crivella. É tanta dica que falta guardanapo no bar pra anotar. Retiro a ideia.

Quem sabe um tranquilo hotel fazenda? Outro silêncio. Hotel fazenda…hotel fazenda…já ouvi falar…onde fica? Em Portugal? Já ouvi dizer que tem um bom perto de Coimbra….Explico que esse é aqui mesmo, perto de Terê. Ao ouvir Terê uma amiga se retira aos prantos. Outros dão o ultimato: Se falar mais uma vez esse nome vou ser jogado na calçada a pontapés! Mais uma ideia no lixo.

Já sei. Vou passar o ano novo numa vila de pescadores isolada na Islândia. Siglufjörður. Imagino, ingênuo, que ninguém saiba onde fica, já que peguei o nome dando uma olhada rápida no Google. Tolinho. Vários sorriem e se abraçam. Um me recomenda com ênfase o bar do Ásgrímur, outro diz que tem um amigo-quase-irmão morando lá, um terceiro me aconselha a ir no Guðbergur. Só lá tem um graflax decente, diz com toda a certeza do mundo. Como disse, meus amigos são artistas.

As redes sociais também não ajudam. Vocês já repararam que o Instagram nas férias só funciona no hemisfério norte? É o apagão geográfico. Milhares de imagens de Paris, NY, Londres…mas de Maricá ou Gramado nada. Um bug que não tem Zuckerberg que resolva.

Um amigo viaja para Londres e posta até o parafuso da cabine telefônica. Se der de cara com um unicórnio em Caxambu vai desligar o celular e se fingir de morto. Foto do meteoro que caiu em Cabo Frio no Facebook? Nem pensar. No máximo uma fumacinha lá longe, no horizonte, vista numa foto feita em Geribá. Casebre de pescador no Espelho? Daqueles que têm teto de zinco e madeira detonada por fora e lençóis de mil fios na cama? Um milhão de posts nas redes. Rapaziada fazendo aula de lamberóbica na beira da piscina naquele resort com bebida liberada? Nem uma menção. Acho até estranho que esses resorts não tenham falido.

Voltando à mesa, o debate continua quente. Tenho que arrumar uma solução para escapar.

Vou para a Disney!

O horror toma novamente conta do ambiente. O próprio gerente me pede pelo amor de Deus para falar mais baixo. Os amigos estão com aquela cara de quem viu um rato atravessando o salão. Um, já bêbado, comete  sincericídio ao confessar já ter ido lá. Logo acrescenta que foi na tenra infância, obrigado por algum parente sádico. A maioria já começa a preparar meu linchamento. Hora do golpe:

Mas eu vou de maneira irônica!

O bar todo irrompe em palmas e ovações. Sou carregado nos ombros, recebo tapinhas nas costas e sinto a inveja corroendo o amigo que disse ter um amigo-quase-irmão em Siglufjörður. Os dois do italianinho vão embora derrotados. A maneira irônica é o jeito hipster de fazer coisas normais e ainda assim se sentir especial. Foi no Mundial comprar fubá Granfino? Se for de maneira irônica, rindo das pessoas que estão fazendo a mesma coisa, tudo bem. Andando de pedalinho em Paquetá? Voltando do trabalho às seis da tarde no ônibus lotado? Tudo bem, você na verdade está na vanguarda, mostrando para a sociedade capitalista decadente como seus hábitos são ordinários e vulgares. O clube dos especiais lhe estenderá o tapete vermelho.

Voltando para minha viagem à Disney, só preciso postar uma selfie com orelhas de Mickey, cara de parvo e com o Magic Kingdom ao fundo que garanto o retorno triunfal.

Eu também sou um artista.

 

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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