Tem um orelhão no meio do caminho

O raro usuário usa um dos muitos orelhões do Centro do Rio, lotado de anúncios de serviço de sexo. Foto de Luiz Souza/NurPhoto

De protagonista da telefonia nos anos 1990 a mobiliário invisível e quase obsoleto

Por Laura Antunes | ODS 12 • Publicada em 12 de março de 2017 - 08:00 • Atualizada em 13 de março de 2017 - 21:17

O raro usuário usa um dos muitos orelhões do Centro do Rio, lotado de anúncios de serviço de sexo. Foto de Luiz Souza/NurPhoto
O raro usuário usa um dos muitos orelhões do Centro do Rio, lotado de anúncios de serviço de sexo. Foto de Luiz Souza/NurPhoto
O raro usuário usa um dos muitos orelhões do Centro do Rio, lotado de anúncios de serviço de sexo. Foto de Luiz Souza/NurPhoto

Os nossos olhos, tão habituados às telas dos celulares, faz bastante tempo já nem reparam neles, quase cinquentões, mas que ainda resistem bravamente a sair de cena. De protagonistas da telefonia até os anos 1990, os orelhões viraram mobiliário praticamente obsoleto pelas calçadas cariocas. E servem, não raramente, de painel para anúncios de serviço de sexo, como acontece principalmente na área do Centro. São hoje cerca de 71 mil telefones públicos instalados no estado – 24 mil deles na capital, de acordo com a concessionária Oi.

Para falar a verdade, nem reparo neles. Com o celular, nunca vou cogitar em ligar de um telefone público. Quem ainda usa?

Os chamados orelhões começaram a ser instalados pelas calçadas das cidades brasileiras a partir de 1971 (começando por São Paulo e, no ano seguinte, Rio de Janeiro). Hoje, repletos de anúncios e, muitos deles, pichados, os equipamentos nunca deixaram de ser alvo de depredação. Há quem diga que a Oi descuida da conservação dos aparelhos. A concessionária, porém, afirma que, apenas no ano passado, em média, 13,7% dos orelhões instalados no estado foram danificados mensalmente, por atos de vandalismo. As leitoras de cartões, os monofones e os teclados são as peças mais visadas.

A empresa garante que o gasto anual com a manutenção permanente dos telefones públicos, em todo o país, é de R$ 300 milhões. A renda gerada por eles (com a venda de cartões telefônicos) não ultrapassa a casa dos R$ 20 milhões/ano. Com três faixas de preço, os cartões custam R$ 2,50, R$ 5 e R$ 7,50 (a Oi não informa o total de unidades vendidas anualmente).

A bateria do celular acabou, mas quem procura um orelhão? É mais prático pedir o telefone de alguém emprestado. É o que faz o universitário Alexandre Peixoto, que, confessa, nunca usou um orelhão na vida. Ele não acha prático e completa explicando não ter cartão telefônico.

– Para falar a verdade, nem reparo neles. Com o celular, nunca vou cogitar em ligar de um telefone público. Quem ainda usa? – pergunta, sincero, o jovem.

Inseridos na paisagem urbana, mas quase invisíveis, os orelhões – que em décadas passadas chegavam a ter filas de usuários -, agora pouco fazem chamadas. Raro flagrar alguém usando o equipamento. A publicitária Mariana Leal, mesmo dona de um celular, costuma recorrer aos telefones públicos quando seu aparelho fica sem bateria.

– Mesmo com os milhares de celulares existentes no país, os orelhões ainda são úteis e não podem ser desativados jamais. São pouco utilizados atualmente, mas eles precisam estar nas ruas para casos de emergência. Já fiquei sem celular na rua, porque a bateria morreu, e um orelhão me salvou. Liguei para a minha casa a cobrar – afirma Mariana, explicando que o episódio ocorreu no Centro do Rio e que ela não teve dificuldade para encontrar um telefone público funcionando.

Mas lamentou o estado dos aparelhos: muitos deles repletos de toda a sorte de propaganda. A publicitária relembra, porém, de outra ocasião em que não teve tanta sorte quando tentou encontrar um orelhão no bairro da Vila da Penha, onde mora.

– Também fiquei sem bateria e precisava ligar para o meu trabalho. Andei muito para encontrar um aparelho. Simplesmente, eles são raros no meu bairro, ao contrário da fartura de aparelhos no Centro – reclama ela.

Zona Sul e a grande Tijuca, por exemplo, são regiões bem abastecidas de orelhões. Num trecho de dois quarteirões da Rua Conde de Bonfim, por exemplo, a equipe do #Colabora encontrou 11 aparelhos – e todos em funcionamento. Na Rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, eles também fazem parte do mobiliário e, em tese, com a maioria dos aparelhos funcionando.

Mesmo com a chegada da telefonia móvel às vidas dos cidadãos, disponibilizar telefones públicos é uma obrigação das concessionárias, de acordo com as disposições descritas no Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) – Decreto Presidencial n° 7512, de 30 de junho de 2011. Quem fiscaliza é a Anatel: “O telefone público, o popular orelhão, é uma importante ferramenta no processo de expansão da telefonia fixa e de acesso à informação, por possibilitar o acesso de qualquer pessoa, independentemente de sua localização e condição socioeconômica às comunicações.”, informa a página online da Anatel.

Os cartões que a editora Karina Vasconcelos guarda na carteira. Foto de Laura Antunes
Os cartões que a editora Karina Vasconcelos guarda na carteira. Foto de Laura Antunes

Ao #Colabora, a Oi esclareceu que “em todo o território nacional, para a instalação de terminais de uso público (TUPs/orelhões) e individuais, atende às exigências do PGMU”, que prevê, entre outros itens, a presença de telefones públicos em todas as localidades com mais de cem habitantes.

No entanto, a concessionária não parece satisfeita com a receita que provém dos orelhões: “A migração do consumo de voz fixa (acesso individual ou telefone público) para voz móvel faz parte da evolução da telefonia em todo o mundo, inclusive no Brasil. Com a queda no consumo nos orelhões, hoje apenas 0,04% da planta de telefones públicos da Oi gera receita suficiente para o pagamento do seu próprio custo de manutenção. Devido à pouca atratividade, hoje cerca de 68,2% dos orelhões da Oi não geram chamadas tarifadas e cerca de 29,9% não são sequer utilizados”, acrescentou em nota.

Podem até ter pouco uso atualmente, mas é bom saber que os orelhões continuam a fazer parte do mobiliário urbano. Essa é a tese da editora Karina Vasconcelos, que guarda na carteira quatro cartões telefônicos, embora carregue na bolsa dois celulares:

– Acho muito úteis, embora raramente use. Mas já me socorreu quando fiquei sem bateria no celular. Também recorri a um orelhão quando viajei e estava na rodoviária. Aproveitei para fazer uma ligação de DDD. Que bom que a legislação obriga as concessionárias a manter o serviço funcionando.

De acordo com a Oi, seu programa de manutenção de telefones públicos é permanente e conta com as solicitações de reparo enviadas à companhia pelo canal de atendimento 10331 por consumidores e instituições públicas. A concessionária afirma ainda que “os atos de vandalismo contra orelhões causam prejuízo à sociedade, já que os danos podem afetar o contato da população com serviços públicos essenciais, como hospitais, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar.”

Laura Antunes

Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.

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