Roupa velha não é lixo

Peça da Conscious collection, linha com tecidos orgânicos e com impacto menor no ambiente da H&M

Redes de lojas europeias investem na reciclagem de tecido e incentivam consumidor a trocar peças usadas por desconto

Por Luciana Cabral-Doneda | ODS 12ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 21 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:48

Peça da Conscious collection, linha com tecidos orgânicos e com impacto menor no ambiente da H&M
Peça da Conscious collection, linha com tecidos orgânicos e com impacto menor no ambiente da H&M
Peça da Conscious collection, linha com tecidos orgânicos e com impacto menor no ambiente da H&M

Comprar roupas se tornou uma necessidade para muitos. Pode ser por obrigação social de estar na moda, por vaidade, por compulsão ou, simplesmente, porque ainda não podemos andar despidos por aí.   Mas mesmo se o consumo é visto como necessário no atual sistema econômico, porque gera empregos e renda e estimula a economia, existem vários níveis de sustentabilidade que podem reduzir o impacto negativo, como já foi feito com a reciclagem do papel, do plástico e do metal. Por isso algumas empresas, evidentemente com a intenção de oferecer um marketing positivo do empreendimento, investem em temas como circularidade, respeito ao meio ambiente, transparência em relação ao consumidor, igualdade e qualidade no trabalho.

Um jeans surrado e uma camisa furada, um casaco esgarçado, uma bermuda que não cabe mais. Roupa velha que não poderia nem ser doada para a igreja, para refugiados ou desempregados nas caçambas espalhadas pela Itália. Como evitar que esses itens vão parar no lixo comum? Algumas marcas europeias de roupa resolveram  tentar fechar o ciclo da indústria têxtil. A roupa usada é recolhida nas lojas e, usando uma tecnologia sustentável de elaboração das fibras do tecido, são recicladas para fazer novos produtos,  como panos de chão, e o que mais for possível. Em troca da sacola de roupas inúteis o cliente ganha um bônus para gastar em roupas novas. Um estímulo para perder a vergonha de entrar na loja carregando aquele fardo de roupa velha.

“Como outras indústrias, a da moda é muito dependente de recursos naturais. Precisamos mudar a maneira em que a moda é feita.  Esse é o motivo porque estamos investindo para reutilizar vestimentas e fechar o ciclo têxtil. Coletando roupas usadas em vez de deixá-las irem para o lixo, e investindo em inovação e tecnologia em direção a uma economia  circular”, explica Karl-Johan Persson, CEO da sueca H&M, que recolheu 12 mil toneladas de peças usadas em 2015. Em 2014 foram 7 mil e, em 2013, 3 mil. Um substancial aumento de participação dos clientes no projeto da empresa que estabeleceu parcerias com instituições que defendem o consumo sustentável e o meio ambiente, como a Sustainable Apparel Coalition, UN Global Compact, NGOs, a WWF e Solidaridad.

“Para ser sincera, eu me sinto melhor quando saio da loja tendo descartado minhas roupas usadas não como lixo, mas como algo que tem a possibilidade de se reciclar”, conta Barbara Scatena, mãe de dois filhos, que pelo menos uma vez por mês precisa colocar uma peça nova no guarda-roupa de casa. Ela compra sempre na Oviesse (OVS), uma rede italiana que trabalha em colaboração com a I:CO, uma empresa de âmbito mundial voltada para a reciclagem de vestuário. Roupa íntima e sapatos não são aceitos. A maior parte dos tecidos é transformada em outros produtos, os que estão em más condições são decompostos em fibras têxteis e reutilizados como matéria-prima. E o que não dá pra ser transformado por ser usado para produzir energia.

Uma das caçambas para o depósito de roupas na Itália
Uma das caçambas para o depósito de roupas na Itália

Costanza Ciacchini sempre entregou as roupas inutilizadas na Cáritas,  pastoral de caridade da Igreja Católica, ou nas lixeiras especiais para roupas, sapatos e roupas gerenciadas na Toscana pelas ONGs Un popolo in cammino ou Coccapanni, que também prestam serviços para pessoas em dificuldade econômica. “Mas com o aumento da renda das pessoas aqui na Itália, o que vejo é o galpão da Cáritas lotado de coisa velha abandonada. Até quem é pobre pode comprar roupa nova o tempo todo. Os preços são muito mais baixos que antes. Os pobres vão à Cáritas só em busca de roupa de marca”, observou Costanza, que passou a usar também o sistema de troca simbólica das lojas de roupa. “Parece que é mais ecológico e que realmente vai fazer diferença, apesar de incentivar o consumo”, ressalta. O bônus de 5 euros por cada sacola com pelo menos três peças pode ser usado somente nas compras de mais de 40 euros. Sustentabilidade e ecologia sim, mas sem menosprezar o maior interesse – aumentar as vendas.

Críticas de ativistas

Apesar da aparente boa intenção ecológica dessas grandes empresas, especialistas em sustentabilidade criticam o que está por trás. Em 2015 a sueca H&M, que é um sucesso de vendas de camisetas, jeans, vestidos e casacos a baixo preço e com tecidos de boa qualidade, lucrou U$25 bilhões em todo o mundo. Essa grande produção significa também muita poluição e desperdício. São necessários muitos recursos naturais para trabalhar a fibra têxtil e a quantidade de tecido reciclado é uma pequena parte do processo de fabricação de novas peças. A jornalista Lucy Single, do jornal inglês The Guardian, questiona a H&M pelo grande volume de roupas produzidas, cerca de 1.000 toneladas em alguns dias, o que tornaria quase insignificante a quantidade de reciclagem. A ONG ecológica Greenpeace por um lado parabeniza a empresa por reduzir o uso de produtos químicos na elaboração dos tecidos, mas considera propaganda “enganosa” esse perfil de sustentabilidade à qual a empresa se propõe. Para o Greepeace, seria mais ecológico incentivar os consumidores a consertar as próprias roupas, em vez de estimular a compra de outras.

A maior parte dessas grandes empresas não possuem fábricas próprias, compram de pequenos produtores espalhados pelo mundo, principalmente na Ásia.  Estimulam a economia de países como Bangladesh, China, India, Vietnam, encomendando ali a criação dos desenhos de moda que são elaborados na Europa. Tanto a Oviesse e a H&M declaram que exigem dos produtores a redução progressiva de emissões poluentes e criam indiretamente milhões de empregos, estimulando a economia local e o crescimento econômico daquelas regiões. Alardeiam oferecer aos consumidores europeus roupas de qualidade a preço baixo e dão trabalho aos pobres do outro lado do mundo. Na proposta de marketing dessas empresas existe a tentativa de provar que sustentabilidade e o lucro podem andar de mãos dadas, mesmo que seja uma relação muito desigual.

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9 comentários “Roupa velha não é lixo

  1. Maria Helena Hoerlle disse:

    Gostaria de saber onde posso descartar roupas velhas para a confecção de cobertores.
    Sou coordenadora de Ação Social e temos uma boa quantia de roupas.
    Estou em Porto Alegre, RS.

    • Antônio Novais disse:

      Exatamente, falaram muito mas não disseram nada! E o pior é que não é só neste site, procuro também há muito tempo uma destinação adequada para roupas e calçados inadequados para o uso, e nas raras vezes em que consigo uma resposta, é a de que eu devo continuar utilizando. Infelizmente, mais uma vez, pelo visto, terei que descartá-las no lixo comum.

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