O pesadelo da roupa limpa

Roupa lava. Foto Jan Haas. DPA/ AFP

Lavagem e excesso de consumo colaboram com destruição do meio ambiente

Por José Eduardo Mendonça | ODS 12 • Publicada em 16 de outubro de 2016 - 06:19 • Atualizada em 17 de outubro de 2016 - 11:01

Roupa lava. Foto Jan Haas. DPA/ AFP
Roupa lava. Foto Jan Haas. DPA/ AFP
A cada lavagem de roupa é liberada no ambiente 700 mil fibras microscópicas. Foto Jan Haas. DPA/ AFP

O mundo consome hoje cerca de 80 bilhões de novas peças de roupa por ano. Isto representa 400% a mais que duas décadas atrás, segundo o truecostmovie. Onze milhões de toneladas de têxteis são jogados fora anualmente apenas nos EUA. Antigamente, usávamos uma calça, por exemplo, durante anos. Agora com a chamada fast fashion, ou roupas baratas disponíveis aos montes, vestimentas são vistas como coisas facilmente descartáveis.

Tudo isso tem de ser lavado com frequência. E a única coisa em que pensamos quando colocamos estas peças na máquina de lavar é esperar o ciclo terminar para pendurá-las no varal (ou corda, dependendo de onde você está no país).

Uma nova pesquisa da Universidade de Plymouth, publicada no Marine Pollution Bulletin News mostra que a cada lavagem liberamos no ambiente 700 mil fibras microscópicas. Não parece haver por enquanto uma solução para este problema.

Estas partículas são pequenas o bastante para passarem por plantas de tratamento de esgoto e acabam virando uma ameaça para ecossistemas frágeis.

Sintéticos versus poluição

Estas roupas são cada vez menos fabricadas com produtos naturais e cada vez mais compostas de microplásticos, que podem medir 0.355milímetros, causando todo tipo de problemas para organismos marinhos. Os plásticos absorvem toxinas como esponjas, envenenando a rede alimentar. Facilmente digeríveis, começam a ocupar o trato digestivo, prejudicando a capacidade de absorver energia de alimentos.

Não é de hoje a suspeita que tecidos sintéticos liberam fibras microscópicas na lavagem, mas não existia uma prova definitiva. Os pesquisadores examinaram a massa, quantidade e tamanho das fibras que vazam na lavagem depois dela.

Foram lavados diversos tecidos entre 30 e 40 graus centígrados com várias tipos de sabão em pó e amaciantes. A descoberta foi que 6 quilos de roupas de algodão misturado a poliéster liberaram quase 138 mil fios de fibras microscópicas. Uma carga igual de poliéster produziu 496 mil. No caso de acrílico, o número chegou a 729 mil. E proibir o uso de têxteis sintéticos não é nem de longe uma proposta realista. Pode-se, no entanto, alterar o design dos tecidos ou o processo de filtragem.

As partículas de microplástico vêm se acumulando nos oceanos desde os anos 1960 e estão hoje em todo o mundo. Contaminam as costas e são achadas em quantidades notáveis em lugares remotos como em águas profundas ou mesmo no Ártico.

Microplástico nos oceanos

Microparticulas. Foto de Carmen Jaspersen/ DPA/AFP
Poluição com fibras de micropartículas. Foto de Carmen Jaspersen/ DPA/AFP

Tecidos diferentes têm impactos diferentes. No caso de nylon e poliéster, são feito de petroquímicos não biodegradáveis, e portanto insustentáveis. E por duas razões. Criam óxido nitroso, um gás de efeito estufa 310 vezes mais poderoso que o dióxido de carbono. E sua fabricação usa grandes quantidades de água e ainda lubrificantes que podem se tornar uma fonte de contaminação. Estes processos também consomem muita energia.

A viscose é feita de polpa de madeira, o que parece mais sustentável, mas florestas antigas são removidas para a plantação de espécies adequadas, geralmente eucaliptos, que drenam enormes quantidades de água. Esta polpa tem de ser tratada com soda cáustica e ácido sulfúrico.

O algodão também é julgado como boa opção, mas é o tipo de plantação que tem consumo mais intensivo de pesticidas no mundo. Eles matam muita gente, e o plantio ocupa muita terra que poderia ser utilizada para a produção de alimentos.

Como se vê, a questão nem é o da liberação das fibras, mas do mal que vem muito antes de os tecidos serem colocados nas máquinas.

Outro estudo recente feito pela Universidade da Califórnia-Santa Barbara descobriu que, na média, um casaco de lã sintética libera 1.7 grama de microfibras a cada lavagem. E as mais antigas o dobro disso.

E pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul publicaram um estudo em 2011 segundo os qual as microfibras constituem 85% do lixo humano nas áreas costais em todo o mundo. E estão também em água doce, diz a Global Microplastics Initiative.

O que eu suspeito é que alguns os tecidos mais baratos liberam fibras com mais facilidade

Miriam Diamond, professora de Ciência da Terra da Universidade de Toronto, acredita que a chamada fast fashion deve ter uma parte mais importante no problema do que as confecções menores. “O que eu suspeito é que alguns os tecidos mais baratos liberam fibras com mais facilidade”.

Plastic Soup Foundation, projeto de conservação dos oceanos baseado em Amsterdã e co-fundado pela União Européia, publicou um artigo onde defende que roupas de melhor qualidade ou tecidos recobertos para impedir a liberação de fibras poderiam ajudar. A diretora da fundação, Maria Westerbos, afirma que nanopartículas ajudariam ao ser introduzidas na máquina de lavar para atrair e capturar fibras plásticas – solução que ela acredita promissora. Outra solução é uma máquina de lavar que não use água, projeto em desenvolvimento da Tersus Solutions, empresa financiada pela marca de roupas Patagônia. Nelas, seriam lavadas com dióxido de carbono pressurizado.

Filtros sujos

Há ainda a sugestão de um filtro nas máquinas domésticas. O impedimento aqui seria a própria indústria. Jill Notini, vice-presidente de Comunicações e Marketing da Association of Home Appliance Manufacturers, diz que as máquinas de lavar “seriam” uma fonte de lixo de microfibras, mas que as soluções propostas não são práticas.

“Como é possível reformar todas as unidades existentes no mercado, colocar um filtro e depois reeducar os consumidores?” pergunta ela. Notini diz que as pessoas ainda têm problema em limpar as fibras dos filtros em suas máquinas. Mas Maria Westerbos contrapõe que a relutância de um setor que pode causar danos à natureza não pode ser mais leniente: “É insultante dizerem que não é problema deles. É sim. É de todo mundo”.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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