As facções do Jardim Botânico

Na porta do simpático Crismar, o epicentro do conflito. Foto Leo Aversa

Poder sobre as calçadas provoca polêmica e divide moradores

Por Leo Aversa | ODS 12 • Publicada em 21 de dezembro de 2016 - 09:06 • Atualizada em 21 de dezembro de 2016 - 11:33

Na porta do simpático Crismar, o epicentro do conflito. Foto Leo Aversa
Na porta do simpático Crismar, o epicentro do conflito. Foto Leo Aversa
Na porta do simpático Crismar, o epicentro do conflito. Foto Leo Aversa

Aqui na esquina da rua tem um simpático mercadinho, o Crismar. Uma mão na roda para os moradores das redondezas, tem funcionários gentis etc e tal. Seus preços seguem uma regra clara: tudo custa o dobro do que no Mundial mas como o outro rmercado perto é o Zona Sul, inventor dessa regra, ninguém se incomoda muito.

Temos então 3 facções: a do mercado, a da banca nova e a da banca antiga. Todas brigando entre si e correndo atrás dos seus próprios interesses. Os moradores estão divididos. Ao que parece, vai ser uma longa batalha.

Outra grande atração do Crismar é, como vocês podem ver na foto, o estacionamento. Na calçada. Umas sete ou oito vagas, que estão sempre sendo utilizadas. Como vocês também podem ver as vagas estão onde deveriam transitar os pedestres. Pedestre, para quem é muito jovem, é uma espécie de dinossauro, um ser humano que se locomove com as próprias pernas. Ninguém aqui se importa muito com eles. Afinal, no Rio, a calçada é do carro como o céu é do condor. Moro perto há nove anos e sempre vi os guardas de trânsito passarem assoviando pelos carros na calçada do Crismar. Multas? Não sejam radicais.

É claro que oito carros subindo e descendo da calçada a toda hora geram pequenos incidentes como carrinhos de bebês atropelados por alguém dando ré ou idosos tendo que desviar de um carro que quer ocupar sua vaga na calçada. Danos colaterais desprezíveis, como diria o exército americano após um massacre no terceiro mundo. O errado foi incorporado ao cotidiano e a vida seguiu como sempre neste recanto bucólico do Jardim Botânico.

Eis que do nada apareceu uma banca de jornais onde era o “estacionamento” do Crismar. A paz foi abalada e logo os moradores se mobilizaram. Um absurdo essa banca! Ocupando a calçada! E as vagas dos carros? Onde nossos pobres carros vão parar?

Não, a preocupação não era com os pedestres, era com as vagas perdidas na calçada. A banca, como também podem ver na foto, ocupa duas ou três vagas de carros. Na calçada.

Logo surgiu um abaixo assinado, propostas de boicote e até um terrorista light que queria pichar a banca. O povo aqui se organiza rápido.

Todos contra aquele monstro cinza que expulsou três carros da calçada. Onde já se viu?

Até que alguém observou que existe uma lei que exige uma distância mínima entre banca de jornais. Duzentos metros. Vitória! Ainda bem que sempre existe uma lei para salvar interesses contrariados. Como existe outra banca de jornais na esquina seguinte, da Maria Angélica com Jardim Botânico, a menos de duzentos metros, o monstro cinza também é ilegal, comemoram os moradores e os clientes motorizados do simpático mercado. É só ligar para a prefeitura que ela resolve o problema em dois tempos. Afinal, o poder público existe para defender os interesses dos automóveis.

Só que um morador mais precavido avisa que a outra banca, a que está na outra esquina, vende de tudo, então é bem possível que ela também esteja indo contra alguma lei que regule as bancas de jornais.

Temos então 3 facções: a do mercado, a da banca nova e a da banca antiga. Todas brigando entre si e correndo atrás dos seus próprios interesses. Os moradores estão divididos. Ao que parece, vai ser uma longa batalha

Já os que se locomovem com as próprias pernas continuam por aí, se esgueirando entre carros e bancas, alheios às guerras das facções.

Para o pedestre carioca, a única preocupação de verdade é chegar inteiro na próxima esquina.

p.s. A banca foi retirada pela prefeitura no dia 19/12. Como podem ver na foto abaixo a calçada foi devolvida aos seus donos.

Tudo volta à normalidade e os carros recuperam o seu espaço. Foto Leo Aversa
Tudo volta à normalidade e os carros recuperam o seu espaço. Foto Leo Aversa

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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Um comentário em “As facções do Jardim Botânico

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    Muito bom que haja quem reclame, pois por useiro e vezeiro em toda cidade, parece que o regulamento é exatamente este, calçada é para estacionamento de carros. Onde moro em Santa Teresa, as calçadas são ainda mais escassas e estreitas, mas não menos ocupadas pelos autos. Carrinho de bebê é na pista de rolamento. Esta tolerância da municipalidade é ainda mais grave quanto você considera que a prefeitura lhe cobra a manutenção da sua calçada íntegra, com direito a multa caso não o faça. Como o piso das calçadas não é preparado para suportar automóveis, você conserta e logo fica demolida, no entanto a prefeitura não se responsabiliza pela própria omissão em reprimir o estacionamento de carros. É Kafkiana a situação. Tente impedir o estacionamento na sua calçada e perceberá quão frágil são as suas garantias de vida. Denunciar pelo 1746 é um jogo de sorte, pode ser que apareça guarda municipal, ou não. Ainda assim é o único recurso para o cidadão. Cidadão?

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