As bolachas da realidade

Mesmo nestes tempos de barbárie até os mais néscios se rendem ao óbvio: é bolacha. Foto de Stanislas Merlin / Cultura Creative

Quer ganhar milhões? Junte as pessoas que pensam como você. Bilhões? Separe os diferentes

Por Leo Aversa | ODS 12 • Publicada em 19 de outubro de 2016 - 08:16 • Atualizada em 19 de outubro de 2016 - 11:16

Mesmo nestes tempos de barbárie até os mais néscios se rendem ao óbvio: é bolacha. Foto de Stanislas Merlin / Cultura Creative
Mesmo nestes tempos de barbárie até os mais néscios se rendem ao óbvio: é bolacha. Foto de Stanislas Merlin / Cultura Creative
Mesmo nestes tempos de barbárie até os mais néscios se rendem ao óbvio: é bolacha. Foto de Stanislas Merlin / Cultura Creative

É bolacha! Bo-la-cha! Onde esses imbecis tiraram essa história de biscoito? É bolacha! Escrevo mais um post. Os certos, nós da bolacha, da grande maioria, me apoiam. Uma meia dúzia de coitados do biscoito aparecem e sem argumentos, partem logo para a ofensa. Bloqueio a todos.

Nós que temos razão conversamos sobre o assunto todo dia. A gente fala sobre a origem da bolacha, sua etimologia, as diferentes traduções e, claro, falar mal de quem ainda escreve biscoito. Tem funcionado. Difícil ainda ler biscoito nas redes sociais. Nunca mais vi. Mesmo nestes tempos de barbárie até os mais néscios se rendem ao óbvio. É bolacha. Você concorda, né?

No século XX foram as drogas. No século XXl o grande vício é a nossa própria opinião. O que dá o barato é encontrar um ponto de vista exatamente igual ao nosso. Não tem cocaína, crack ou ácido que supere o momento em que escutamos nosso pensamento saindo da boca de outra pessoa.

No século XX foram as drogas. Muita gente destruiu a própria vida com a dependência. No século XXl o grande vício é a nossa própria opinião. O que dá o barato é encontrar um ponto de vista exatamente igual ao nosso. Não tem cocaína, crack ou ácido que supere o momento em que escutamos nosso pensamento saindo da boca de outra pessoa.

Você também escreve bolacha? Então é gênio. Venha se juntar a nós. Soube que o biscoito já foi abolida na maioria dos estados? O MEC já baixou uma portaria proibindo, li um post sobre isso ontem. Inacreditável que ainda existam pessoas agarradas a esse termo ultrapassado. É tanta ignorância…

Quer ganhar milhões? Junte as pessoas que pensam igual. Quer ganhar bilhões? Separe as pessoas que pensam diferente. Esse foi o pulo do gato do Facebook. Para juntar gente existe a praça, o bar, a praia, toda a rede social vintage. Zuckerberg achou uma mina de ouro no algoritmo da semelhança. Hoje em dia quem quer ser perturbado por um conceito estranho que não se encaixa nas suas idéias? É coisa de maluco

Um amigo me mandou um link que explica porque a Piraquê e a Bauducco aboliram o biscoito. Essas empresas não são idiotas, o dpto de marketing delas está sempre ligado no que o cliente quer e ele quer bolacha, taí a minha timeline que não me deixa mentir. Mesmo assim tem umas fábricas de fundo de quintal que insistem. Volta e meia recebo memes zoando uma fábrica do interior de Mato Grosso que vende “biscoitos maizena”. Não dura seis meses. Bo-la-cha. É tão difícil assim essa gente aprender?

“O grupo fala o que penso. O jornal diz tudo o que se passa na minha cabeça. A TV mostra o que é importante pra mim.” Ninguém estranha tanta hegemonia, ninguém desconfia de tanta unanimidade, todos têm certeza que finalmente o mundo se curvou ao seu ponto de vista. E as redes sociais viram uma cracolândia, onde os auto-viciados vão procurar opiniões que reproduzam como xerox o que têm na cabeça. E o que não têm também.

Maldita empregada que faltou hoje. Cheio de coisas pra fazer, de opiniões para serem curtidas e perdendo tempo aqui neste supermercado, nesta realidade infeliz…onde está o azeite trufado?…Peraí! O QUE É ISSO? Seção de biscoitos? Biscoito Bauducco?? Biscoito Piraquê???

ONDE ESTÃO MINHAS BOLACHAS?

A realidade te dá biscoitos

A realidade te dá bolachas

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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