A volta do consumidor ‘consciente’

Os lojistas não conseguem estimar o crescimento, mas o volume de mercadorias nas lojas mostra que eles não têm do que reclamar

Lojas de consertos de eletroeletrônicos comemoram os efeitos da crise econômica

Por Laura Antunes | ODS 12 • Publicada em 22 de janeiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 24 de janeiro de 2016 - 16:06

Os lojistas não conseguem estimar o crescimento, mas o volume de mercadorias nas lojas mostra que eles não têm do que reclamar
Os lojistas não conseguem estimar o crescimento, mas o volume de mercadorias nas lojas mostra que eles não têm do que reclamar
Os lojistas não conseguem estimar o crescimento, mas o volume de mercadorias nas lojas mostra que eles não têm do que reclamar

Até um passado recente, quando os brasileiros consumiam como se não houvesse amanhã, fazendo a alegria, especialmente, das lojas de eletroeletrônicos, quase ninguém cogitava mandar consertar um equipamento que apresentasse defeito. O raciocínio imediato era: “Vai sair quase tão caro quanto comprar um novo.” Bem, mas agora, os tempos de crise forçaram os consumidores a fazer contas e perceber que pode, sim, sair bem mais barato mandar reparar o aparelho defeituoso em vez de correr para trocá-lo por um mais moderno. Com isso, consequentemente, uma leve brisa de bons negócios volta a soprar em direção a pelo menos um segmento do ramo comercial: as lojas de assistência técnica.

Ele já está enguiçado há uns cinco meses. Eu estava pensando em comprar um novo porque todo mundo diz que consertar custa quase o preço de um aparelho novo. Mas, como não estou pretendendo fazer mais despesas, decidi pesquisar quanto vai custar o conserto

A julgar pelo movimento que esse tipo de estabelecimento voltou a ter, a regra do “enguiçou, descarta” anda fora de moda entre os consumidores. Basta reparar como essas lojas estão com suas prateleiras cheias de produtos à espera de reparos. Entre os campeões de procura estão as TVs de tela plana, de todos os tamanhos.

– Se eu estivesse com menos problemas de caixa no momento, eu preferiria trocar por um novo o meu aparelho de TV, que comprei há quase três anos. Mas não quero fazer novas prestações, pelo menos por enquanto. Uma TV como a minha acho que agora não sai por menos de R$ 1,5 mil. Então, resolvi deixá-la na loja de consertos e fazer um orçamento – conta Amélia Braga, moradora da Tijuca.

Amélia, que deixou o aparelho num estabelecimento no próprio bairro, personifica um perfil de consumidor que a crise econômica está trazendo de volta. Aquele que pensa duas vezes antes de se endividar com uma dúzia de novas prestações no orçamento doméstico. Esse cliente agora avalia o que sai mais em conta: consertar ou comprar um eletrodoméstico novo.

Instalada na Rua Uruguai, na Tijuca, uma loja de assistência técnica de marcas variadas nunca esteve tão cheia de aparelhos de TV. São tantos que já não cabem atrás do balcão e na pequena oficina nos fundos do estabelecimento. Os aparelhos de tela plana já ocupam o espaço destinado aos clientes que chegam para pedir orçamentos. Elas estão coladas umas às outras no chão. Uma olhada e dá para perceber que cerca de 40 aguardam por conserto.

– Com essa crise econômica, as pessoas têm procurado mais a loja para pedir orçamentos de conserto. Acho que não está tão mais fácil trocar por um aparelho novo. Os aparelhos de som também chegam bastante para uma avaliação – diz um funcionário da loja, sem saber precisar em quanto, percentualmente, a loja aumentou o número de reparos.

Os funcionários de outra loja de assistência técnica, a Eletrônica Almeida e Silva, no mesmo bairro, também constatam o aumento da clientela nos últimos meses, embora não tenham noção do percentual de crescimento. O estabelecimento, aberto há 30 anos, é especializado em consertos de aparelhos de áudio e vídeo. Segundo eles, no passado, a grande maioria dos clientes procurava assistência para os aparelhos que ainda estavam dentro da garantia de fábrica.

– Realmente, aumentou o número de clientes que chegam para pedir orçamento de conserto de seus aparelhos de TV, que já saíram da garantia. Estão descobrindo que fica bem mais barato consertar do que trocar por um novo – diz o técnico Otacílio de Almeida Filho, um dos mais antigos da casa.

A dona de casa Maria José Marques entrou no rol dos clientes que, diante da crise, passaram a praticar um consumo mais consciente. Dona de um equipamento de som, comprado há cerca de cinco anos, ela agora busca uma loja de assistência técnica confiável para levá-lo. Maria espera que o conserto (a bandeja que recebe os CDs está emperrada) não seja exorbitante.

– Ele já está enguiçado há uns cinco meses. Eu estava pensando em comprar um novo porque todo mundo diz que consertar custa quase o preço de um aparelho novo. Mas, como não estou pretendendo fazer mais despesas, decidi pesquisar quanto vai custar o conserto – explica a consumidora.

IDEC FALA

Por ser um fenômeno recente, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) ainda não tem pesquisas que identifiquem esse crescimento. A última feita pelo órgão, em fevereiro de 2014, mostrava que, entre os consumidores que buscavam assistência técnica, a maioria acabava comprando outro aparelho. De acordo com o levantamento, quem desistia de reparar o produto dava como principal motivo o valor do orçamento.

O IDEC ouviu 806 entrevistados, por telefone, de 18 a 69 anos, de diferentes classes sociais em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo (SP), entre agosto e outubro de 2013. Na época, a pesquisa constatou que 81% dos brasileiros trocavam, por exemplo, de celular sem antes recorrer à assistência técnica e em menos de três anos de uso. Além disso, um em cada três celulares e eletroeletrônicos era substituído por falta de funcionamento e três em cada dez eletrodomésticos eram trocados por apresentarem defeitos, mesmo estando em funcionamento.

Com a mudança de comportamento do consumidor, o IDEC dá algumas dicas para quem procura as lojas de assistência técnica. Uma delas é exigir sempre a nota fiscal do serviço executado. Com ela, o cliente poderá exigir seus direitos, em caso de problemas. Ao utilizar a assistência técnica, ainda segundo o IDEC, o consumidor deve saber que “o fornecedor do serviço é obrigado a entregar um orçamento prévio, discriminando o valor da mão de obra e dos materiais e equipamentos a serem empregados, assim como as condições de pagamento e datas de início e término do trabalho. A mera solicitação de um orçamento não obriga o consumidor a aceitá-lo”. No ato da entrega do aparelho à assistência técnica, é importante exigir um comprovante por escrito no qual devem constar todos os dados do produto (número de série, cor, modelo, marca, defeito apresentado). Ao retirar o aparelho, o consumidor deve testá-lo imediatamente.

Laura Antunes

Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *