A insólita missão de durar para sempre

A inglesa Tara Button trabalhava como redatora numa agência de publicidade chamada “krow”, antes de decidir abrir a “BuyMeOnce”

Publicitária cria espaço que valoriza produtos duráveis ou com garantias generosas

Por Claudia Penteado | ODS 12 • Publicada em 28 de abril de 2016 - 08:47 • Atualizada em 28 de abril de 2016 - 12:34

A inglesa Tara Button trabalhava como redatora numa agência de publicidade chamada “krow”, antes de decidir abrir a “BuyMeOnce”
A inglesa Tara Button trabalhava como redatora numa agência de publicidade chamada “krow”, antes de decidir abrir a "BuyMeOnce"
A inglesa Tara Button trabalhava como redatora numa agência de publicidade chamada “krow”, antes de decidir abrir a “BuyMeOnce”

A inglesa Tara Button trabalhava como redatora numa agência de publicidade moderninha chamada “krow”, que fica em Londres. Lá, teve a oportunidade de criar campanhas para a marca Le Creuset, cujo atributo básico é “durar uma vida inteira”. Não é uma promessa comum no mundo da publicidade, mas lhe ocorreu que propostas como aquela poderiam, quem sabe, contribuir para resolver algumas importantes questões ambientais, e, ao mesmo tempo, fazer as pessoas economizarem um bom dinheiro.

No futuro, prazos de validade mais duradouros se tornarão itens de primeira grandeza. E as empresas serão responsáveis por aquilo que vendem, sob pena de terem de lidar com imensos prejuízos, deixando claro para os clientes o real custo-benefício de suas compras.

Tara diz que combateu enquanto pôde a ideia de criar um site que reunisse apenas marcas e “coisas” feitas para durar, que ensinasse as pessoas a cuidar melhor dos seus pertences ou até mesmo desafiasse fabricantes a criar produtos mais duráveis. Não conseguiu. O resultado é o site “BuyMeOnce”, que já cobre a Inglaterra e os Estados Unidos, e tirou Tara de vez do mundo da publicidade.

“Tentei desesperadamente ignorar a ideia de criar o site. Eu tinha um trabalho full time e estava tentando escrever um livro no meu ‘tempo livre’. A última coisa que eu precisava era de um novo projeto. No entanto, sempre que lia algo sobre meio ambiente, sentia uma coceira dentro da minha cabeça, me cutucando e dizendo para me mexer e realizar o meu projeto”, conta.

E assim foi. Ela registrou o domínio em março de 2013 e “bem devagarinho”, como gosta de enfatizar, iniciou a escalada da curva de aprendizado (talvez mais uma parede do que uma curva) da construção de um site. De ursos de pelúcia a camisetas, em cada categoria, Tara procurou fabricantes comprometidos com a ideia da durabilidade no planeta Terra. Ou, pelo menos, com uma garantia bem generosa.

As surpresas boas suplantaram as ruins. Hoje estão lá marcas como a Patagonia, que promete assistência técnica eterna. Parece um contrassenso para uma marca californiana de artigos esportivos criada por um jovem rebelde escalador, mas o fato é que o conglomerado de US$ 700 milhões se ergueu em bases muito sólidas de criação de valor, busca pelo menor impacto possível no meio ambiente e a promoção ostensiva do consumo moderado.

Campanha da marca de roupas "Patagonia", publicada em diversos jornais, prega o consumo consciente
Campanha da marca de roupas “Patagonia”, publicada em diversos jornais, prega o consumo consciente

Curiosamente, Tara cresceu em Hong Kong, a capital do barato e do descartável. Quando pequena, uma vez construiu um artefato de papelão cuja função era projetar na lua a palavra “salve o planeta”, na tentativa de engajar as pessoas nessa missão. O máximo que ela conseguiu foi projetar a frase no teto do seu próprio quarto, mas ao que tudo indica o site BuyMe Once materializa finalmente seu “projetor” original, e em proporções bastante próximas às imaginadas por aquela menininha de 7 anos.

Seu critério para escolher as marcas que figuram no site passa por algumas premissas básicas: a “coisa” deve durar mais do que os concorrentes do mercado (e isso tem que ser comprovado via opiniões de consumidores, naturalmente). Se possível, deve ser fabricado com materiais sustentáveis, como o algodão orgânico da Patagônia. Levam vantagem marcas com garantia “perpétua”. Se for um clássico, tanto melhor. Nada que “sai de moda” pode ser considerado confiável. Marcas que entram, ficam – é preciso coerência. A ex-cliente Le Creuset está lá. E outras, como Wooden Story, Briggs and Riley, Saddleback Leather, Darn Tough Socks, Davek Umbrellas, Tom Cridland. Cada um com sua historinha e charme muito particulares.

Ao propor desafios à indústria – que ainda me parecem um pouco tímidos – Tara quer estimular e “empoderar” pessoas criativas a criar produtos feitos para durar. Sua ideia veio das muitas sugestões e cartas que recebeu até hoje e acredita que, se puder oferecer um prêmio verdadeiramente significativo, as ideias virão.

Mais de 4 milhões de pageviews fazem Tara acreditar que o projeto já é vencedor. Sua audiência vem principalmente dos EUA mas também do Canadá, da Austrália, da Europa. Há propostas de expansão e muitos pedidos de entrevistas.

“Estamos espalhando a ideia de sustentabilidade e meu desejo é expandir mundialmente”, diz, com os olhos brilhantes da menina de 7 anos que sonhava que o mundo inteiro se mobilizasse em torno desse esforço.

Ela diz contar com mudanças de atitudes – vistas hoje em maior abundância do que ações concretas, é verdade. Mas há um “apetite” por mudança no ar. O que faltam são possibilidades e maneiras mais simples de as pessoas materializarem tal apetite. Tara vem promovendo uma campanha global para obrigar fabricantes – de todas as indústrias – a colocar em seus produtos etiquetas que revelem sua “expectativa de vida” aproximada. No futuro, ela acredita, prazos de validade mais duradouros se tornarão itens de primeira grandeza. E as empresas serão responsáveis por aquilo que vendem, sob pena de terem de lidar com imensos prejuízos, deixando claro para os clientes o real custo-benefício de suas compras. Tara acredita no poder transformador dessa verdadeira revolução no relacionamento entre pessoas e coisas.

Claudia Penteado

Jornalista especializada em marketing e comunicação - é repórter e articulista do PropMark, assina a coluna semanal Negócios & Propaganda no Jornal do Commercio, o blog Mundo Criativo no portal da Época Negócios e é correspondente do jornal Advertising Age (EUA). Tem MBA em marketing pelo Coppead, é pós-graduada em Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo pela PUC-Rio, dedica-se ao estudo do tema Sustentabilidade, pratica yoga e é mãe da Juliana.

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