O Che Guevara do escritório

Um jeito de recarregar o cartucho sem entrar no cheque especial (Foto: divulgação)

O dia em que o cartucho de tinta da impressora desencadeou uma revolução

Por Leo Aversa | ArtigoODS 12 • Publicada em 7 de dezembro de 2016 - 09:20 • Atualizada em 7 de dezembro de 2016 - 11:53

Um jeito de recarregar o cartucho sem entrar no cheque especial (Foto: divulgação)
Um jeito 'revolucionário' de trocar a tinta da impressora (Foto: divulgação)
Um jeito ‘revolucionário’ de trocar a tinta da impressora (Foto: divulgação)

A luzinha começa a piscar e o documento sai como se fosse uma papiro do antigo Egito. Já sei que vou entrar no cheque especial: acabou a tinta da impressora.
Entro no site do fabricante: tá lá o cartucho oficial, legítimo, genuíno, com atestado de bons antecedentes e pedigree de dez gerações. O preço? Estratosférico.

Ok, setenta e cinco reais não são uma fortuna. Depende. O cartucho tem 5 ml de tinta. Isso mesmo, cinco mililitros de tinta. São quinze reais por ml. Isso significa quinze mil reais por litro. Dá para comprar um Chateau Petrus ou um Romanée-Conti e ainda sobra dinheiro suficiente para dar descarga com champanhe nacional por um mês.
Vai começar a revolução.

O fabricante reage, toca o terror dizendo que se você comprar um cartucho falso ou reaproveitado vai parar em Bangu 1, na cela do Sérgio Cabral. Além disso, sua impressora vai explodir e sua família será amaldiçoada por três gerações. O inimigo é tinhoso e matreiro.

Sou o Che Guevara do escritório e a impressora é minha Sierra Maestra.

O fabricante reage, toca o terror dizendo que se você comprar um cartucho falso ou reaproveitado vai parar em Bangu 1, na cela do Sérgio Cabral. Além disso, sua impressora vai explodir e sua família será amaldiçoada por três gerações. O inimigo é tinhoso e matreiro.
Que se dane, agora sou um revolucionário com uma causa e apelo para minha amiga de fé, irmã camarada, a Internet. Mais precisamente o Youtube, que, para ficar no Roberto Carlos, é o amigo certo das horas incertas. Ali sempre tem uma solução.
Num vídeo tão tosco quanto preciso, um garoto de uns treze anos me explica o óbvio. Não precisa jogar fora e comprar outro. É só encher de novo.
A revolução está encaminhada.
Mas como? Será preciso um equipamento de altíssima tecnologia? Assessoria da Nasa? Decifrar um manual em chinês?
Nada disso. Basta tinta e uma seringa.
Sim,
Só isso.
A tinta não fica solta no cartucho. Lá dentro tem uma pequena espuma de borracha. É ela que segura a tinta e vai soltando aos poucos. E debaixo da etiqueta, tem um buraco. É só enfiar agulha ali, injetar a tinta e pronto. Se você quiser fazer bonito e deixar a impressão perfeita, tem uma pecinha de plástico que serve para tirar o ar de dentro da espuma, tirando as bolhas de ar.
O kit com seringa, a tal pecinha e tinta, 250ml, custa vinte reais. Depois disso, você pode comprar só a tinta, custa vinte reais um litro. Online, é claro, que o Che Guevara do século XXI só trabalha com bits e bytes
Quando você faz isso pela primeira vez, a impressora corcoveia como um cavalo chucro, soltando bips e barulhos variados. Tudo jogo de cena das forças reacionárias. Também aparecem na tela do computador, além das ameaças jurídicas, perguntas capciosas, onde o fabricante quer saber se você declara o cartucho falso ou então de segunda mão. Parece conversa de advogado de porta de cadeia. E é. Querem te dar a impressão que basta uma resposta errada para que o camburão estacione na sua porta. Seja marginal, seja herói.
Não é falso porque você o comprou do próprio fabricante. Também não é de segunda mão, você mesmo, o dono, é que o reabasteceu.
Bingo!
As impressões saem que é uma beleza, ao menos para mim. É claro que eu, assim como 99% das pessoas, uso a impressora para documentos e coisas afins. Não faço reproduções para o Louvre ou testes de cor para o Romero Britto.
E a satisfação de encher aquele cartucho gastando setecentos e cinquenta vezes menos é algo que se aproxima muito do nirvana. Recomendo.
Como bom radical, Che Guevara toma posse do escritório e exporta sua revolução.
Agora é a vez da cozinha.
Cápsulas de Nespresso, seus dias estão contados.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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