Que tal um cavalo no sofá?

Foto: Pixabay

Mamíferos, em eras pré-históricas, diminuíram de tamanho em resposta a um rápido aquecimento do planeta. O que isso tem a ver com o nosso futuro?

Por José Eduardo Mendonça | ODS 13 • Publicada em 31 de março de 2017 - 08:00 • Atualizada em 4 de abril de 2017 - 12:36

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Há mais de 50 milhões de anos, cavalos ficaram do tamanho de um gato. Foto: Pixabay

Um conjunto de dentes encontrados na bacia Bighorn, em Wyoming, nos Estados Unidos, datado de 53.7 milhões de anos atrás, foi usado em um estudo recente como material de pesquisa. O que se verificou, mais uma vez, é que animais de eras pré-históricas diminuíram de tamanho em resposta a um rápido esquentamento do planeta. Isso pode servir de presságio em relação ao futuro imediato de humanos e outros animais.

Estes organismos levaram 10 mil anos para se adaptar aos eventos globais de mudança do clima. Hoje, estamos aquecendo e jogando CO2 na atmosfera a uma taxa 10 vezes maior que na era estudada

Devemos levar em conta a ameaça? Sim, diz Abigail D’Ambrosia, paleoclimatologista da Universidade de New Hampshire e líder do estudo. “É importante ter isso em conta: estes organismos levaram 10 mil anos para se adaptar aos eventos globais de mudança do clima. Hoje, estamos aquecendo e jogando CO2 na atmosfera a uma taxa 10 vezes maior que na era estudada”.

A exploração focou nos dentes em um período que vai desde o Paleoceno até o início do Eoceno, quando, durante milhões de anos, gases de efeito estufa causaram uma série de três eventos de aquecimento, chamados de hipertermais. O primeiro e maior dos três, o Máximo Térmico Paleoceno-Holoceno, começou há 54 milhões de anos, e aqueceu a Terra entre 9 e 14 graus Farenheit. Os dentes dessa época foram comparados com o evento ocorrido 2 milhões de anos depois, o Maximo Térmico Eoceno 2.

Fragmento da arcada dentária de um de um cavalo da raça Arenahippus pernix. Foto de Abigail D’Ambrosia.

A época estudada durou 180 mil anos e corresponde a uma queda drástica no tamanho de mamíferos, conclusão obtida com o que pesquisadores puderam coletar na bacia. Outro estudo, de 2012, registrou um encolhimento de 30% nos cavalos da raça Sifrhippus, a mais antiga espécie desses animais. “Não sabemos se houve ou não um limite”, diz Ross Secord, paleontologista da Universidade de Nebrasca, que liderou o estudo de 2013. “Talvez tenhamos de checar se há uma certa magnitude de aquecimento ou de CO2 na atmosfera antes que isso ocorra”.

No estudo atual, os dentes de um cavalo da raça Arenahippus pernix mostram que ele ficou 14% menor. “Eles deveriam ter, na época, o tamanho de um cachorro, antes de encolherem. E acabaram tendo o tamanho de um gato”, diz D’Ambrosia.

A relação de temperaturas quentes com o peso de mamíferos foi estabelecida pela primeira vez no século 19, pelo zoólogo alemão Carl Bergmann. A Regra de Bergmann afirma que o tamanho de animais dentro de uma mesma espécie varia dependendo da temperatura. Raposas vermelhas, por exemplo, são menores em latitudes próximas do equador, comparadas às que vivem em locais mais frios.

Se parece que começamos a ver padrões repetidos, temos aí uma lição. E o que aprendemos, certamente, vai ser importante para pensarmos a resposta possível de plantas e animais em uma mudança climática no futuro

Outras evidências mostram a redução de nutrientes nas plantas. O estresse térmico tem impactos também já verificados no tamanho de carneiros na Escócia, renas na Noruega e esquilos na Califórnia. “Isto tem essencialmente a ver com a capacidade de resfriar ou reter o calor com eficiência. Um organismo menor tem uma superfície maior em relação a seu volume. Portanto, pode perder calor e ficar mais frio de maneira eficaz. Acontece o oposto se o tamanho corporal for maior”, afirma D’Ambrosia.

Em outras palavras, em climas mais quentes os mamíferos e outros animais de sangue quente precisam perder calor, e por isso encolhem. Os animais menores têm mais pele, ou pelos por quilo, e mais calor pode escapar, tornando-os mais adaptados. “Estes resultados são muito significativos porque fornecem outro teste independente da relação entre temperatura e tamanho”.

Nós seremos atingidos em algum momento previsível? Provavelmente, não. Já somos afetados pelo aquecimento, na forma de tempestades e secas, que ocorrem agora mais vezes e com maior intensidade, em nosso novo “normal”. Também sofremos mais doenças como a malária, principalmente se vivermos em regiões mais pobres, como a África, onde os números de mortes por epidemias relacionadas ao clima são assombrosos. Mas temos a nosso favor a ciência, que permite medidas de adaptação e mitigação dos impactos da mudança climática, e com ela também criamos uma agricultura mais eficiente e resiliente. Se continuarmos com o mesmo tamanho e um cavalo encolher até chegar ao tamanho de um gato, poderemos ver uma grande mudança em nossas opções quando pensarmos em um bicho de estimação.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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