Em uma curva, o estado perigoso do planeta

A persistência de Charles Keeling, o pesquisador que mostrou o tamanho do risco que corremos

Por José Eduardo Mendonça | ODS 13 • Publicada em 5 de abril de 2016 - 08:00 • Atualizada em 5 de abril de 2016 - 11:08

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Você muito provavelmente nunca ouviu falar dele. Mas Charles Keeling, climatologista e químico americano, criou a curva que lhe dá nome, um dos gráficos mais famosos da ciência e um símbolo poderoso de nossos tempos. Por quê? Ela resulta do registro das concentrações de CO2 na atmosfera. E é alarmante.

Sem esta curva e o trabalho incansável de Keeling, não há dúvida de que nossa compreensão do aquecimento global induzido pelo homem estaria atrasado em 10 ou 20 anos.

O conceito do impacto dos gases de efeito estufa – o aquecimento global – foi postulado muito antes da mensuração de Keeling, e anunciado na década de 1820 pelo matemático e físico francês Joseph Fourier (1768–1830).

O primeiro a tentar calcular como mudanças nos níveis de CO2 atmosférico poderiam afetar as temperaturas de superfície foi Sven Arrenius, em estudo publicado em 1896. Arrenius era físico e químico sueco, detentor do Prêmio Nobel de Química de 1903 (uma das crateras da Lua leva seu nome).

Os cálculos de Fourier mostraram que a Terra deveria ser muito mais fria do que era, dada a quantidade de energia que recebe do sol. A explicação do cientista foi que a atmosfera forneceria um efeito isolante, retendo calor que de outra forma seria enviado de volta ao espaço.

Fourier, no entanto, não tinha à mão instrumentos que pudessem verificar com rigor sua teoria, mas sua intuição foi o pontapé inicial para o mundo se dar conta do perigo que corre.

Keeling, da Instituição Scripps de Oceanograpfia da Universidade da Califórnia-Davis, foi a primeira pessoa a registrar dados regulares das concentrações de CO2, tanto no Polo Sul quanto no observartório de Mauna Loa, no Havaí, a partir de 1950.

O trabalho de Keeling começou como parte de uma iniciativa de 12 meses, no Ano Geofísico Internacional, mas por conta de sua persistência continua. Após sua morte, em 2005, o trabalho passou a ser feito por seu filho, Ralph.

A elevação atual das concentrações se iniciou antes das observações do cientista. Pesquisas mais recentes mostram que os níveis pré-industriais delas (do ano 1000 até 1750) estavam entre 275 e 285 ppm (partes por milhão). Com nossas atividades, queimando combustíveis fósseis, levamos este patamar a mais de 400 ppm (uma medida de concentração), mas o nível considerado seguro é de 350 ppm.

Keeling aperfeiçoou e levou adiante o que se intuía. Notou que as concentrações de CO2 caíam na primavera e verão no hemisfério norte, quando as plantas crescem e absorvem carbono da atmosfera para crescerem. No outono e inverno se desintegravam, liberando CO2 para a atmosfera e causando um pequeno aumento de temperatura.

Registros de cerca de 100 outros locais confirmaram a tendência de longo prazo mostrada por Keeling, embora nenhum deles tenha dados de tanto tempo.

Os dados de Keeling coletados em Mauna Loa são considerados os mais consistentes registros do clima em qualquer lugar, embora cientistas usem também outras fontes, incluindo ar armazenado por gelo polar, para analisar CO2 no último milênio.

“Sem esta curva e o trabalho incansável de Keeling, não há dúvida de que nossa compreensão do aquecimento global induzido pelo homem estaria atrasado em 10 ou 20 anos”, diz Andrew Manning, professor de ciência atmosférica e oceânica da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, um dos centros mundiais mais importantes de pesquisas do clima.

“O gráfico é icônico”, ecoa Andrew Watkinson, diretor do Centro Tyndall de Pesquisa do Clima e também professor na mesma universidade.

 

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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