Ártico: entre a preservação e a exploração

Estima-se que o Ártico tenha 30% de reservas mundiais de gás natural e 13%, de petróleo, as maiores do mundo ainda a serem descobertas e exploradas

Empresas e países se mobilizam para ganhar dinheiro e poder com o aquecimento global

Por Flavia Milhorance | ODS 13 • Publicada em 19 de janeiro de 2016 - 08:51 • Atualizada em 19 de janeiro de 2016 - 10:52

Estima-se que o Ártico tenha 30% de reservas mundiais de gás natural e 13%, de petróleo, as maiores do mundo ainda a serem descobertas e exploradas

A Conferência do Clima em Paris terminou com um acordo entre 195 países. Conter o derretimento do Ártico está entre as prioridades da agenda. Mas a crescente sensibilização global com esse frágil ecossistema é apenas um lado da moeda. Do outro lado, estão companhias e nações (inclusive signatárias do tratado) numa corrida territorial que se intensifica em 2016 e que tem a ganhar com o degelo. A Rússia, por exemplo, acaba de anunciar pela agência estatal “Sputinik” que pretende finalizar até o final do ano a construção de instalações militares em ilhas do Ártico.

O país tem abertamente aumentado sua presença militar na área. Segundo o presidente Vladimir Putin a intenção não é militarizar o Ártico, mas “tomar as medidas necessárias para garantir a defesa da região”. O interesse divulgado são depósitos de petróleo e gás. Estima-se que o Ártico tenha 30% de reservas mundiais de gás natural e 13%, de petróleo, as maiores do mundo ainda a serem descobertas e exploradas.

Se Putin realmente decidiu orientar a Rússia rumo a um comportamento militar mais agressivo como parece, em última instância isto significa que todos os esforços de cooperação na região, especialmente com o Conselho do Ártico, terão sido em vão

Esse cenário contraditório entre aumento da preservação, de um lado, e de interesse geopolítico e comercial do Ártico, do outro, foi acompanhado com olhos mais abertos por especialistas em conferências internacionais que se estenderam pelo segundo semestre de 2015, além de outras já estarem agendadas para este ano. E agora a discussão desloca-se da esfera ambiental para a das relações internacionais.

“Se Putin realmente decidiu orientar a Rússia rumo a um comportamento militar mais agressivo como parece, em última instância isto significa que todos os esforços de cooperação na região, especialmente com o Conselho do Ártico, terão sido em vão”, comentou o professor Rob Huebert, do Canadian Global Affairs Institute, durante a conferência “MatchPoint – Segurança e Governança no Ártico globalizado”, considerada uma das mais importante da década em política externa nórdica, realizada em novembro na cidade de Aarhus, na Dinamarca.

Nem todos, entretanto, têm uma preocupação iminente com a geopolítica da região. “Ao contrário do que algumas pessoas dizem, a cooperação está prosperando no Ártico. Estamos vendo uma cooperação contínua entre Noruega e Rússia para gerenciamento de pesca, e entre Rússia e Estados Unidos para operações de resgate”, rebateu o professor Michael Byers, da Universidade de British Columbia, no Canadá, autor de livros sobre a soberania do Ártico, que ainda reforça: “Não há conflito armado, há apenas um pequeno nível de fortalecimento militar”.

Estima-se que o Ártico tenha 30% de reservas mundiais de gás natural e 13%, de petróleo, as maiores do mundo ainda a serem descobertas e exploradas
Estima-se que o Ártico tenha 30% de reservas mundiais de gás natural e 13%, de petróleo, as maiores do mundo ainda a serem descobertas e exploradas

Todos querem suas riquezas

As atenções estão principalmente voltadas para a Rússia, mas não unicamente. O Ártico é fatiado entre Canadá, Dinamarca, Noruega, Rússia, Islândia, Finlândia, Suécia e Estados Unidos. No entanto, ainda há áreas não reguladas, e os quatro primeiros países reivindicam territórios (e seus tesouros enterrados) no âmbito das Nações Unidas. Até a China se diz um estado próximo ao Ártico e demonstra ter interesses econômicos: a maior companhia de navegação chinesa, Cosco, deve lançar uma rota regular entre o Oceano Ártico e a Europa.

A multinacional anglo-holandesa Shell chegou a gastar US$ 7 bilhões na exploração de águas no entorno do Alasca, mas ano passado decidiu interromper as atividades após missões malsucedidas e uma chuva de críticas de ambientalistas. Num passe muito mais discreto, a norte-americana Hilcorp aguarda o sinal verde do governo federal para a instalação de uma plataforma no mar de Beaufort, no Oceano Ártico. O presidente Barack Obama já deu motivos para se acreditar que ele pode ir na direção oposta, já que nos últimos meses cancelou concessões de perfurações no Ártico.

Enquanto isto, pesquisadores dinamarqueses dizem que é possível ao mesmo tempo explorar e preservar o Ártico e são defensores de uma gestão compartilhada de seus combustíveis fósseis. Professor da Universidade de Aarhus, Søren Rysgaard acrescenta que a ciência pode ser aplicada em favor da exploração controlada. “A ciência está muito voltada para as perspectivas do aquecimento global, só que também pode ser usada, por exemplo, para minimizar os riscos de um derramamento de óleo no gelo”, afirmou durante o “MatchPoint”.

Mas os contrastes entre preservação e exploração figuram até em escalas menores, como no interior da própria Groenlândia, cujo território é dinamarquês. O degelo de calotas polares levou à criação de negócios de mineração de metais e pedras preciosas em Porto Kayak, enquanto que para as ilhas Hans, um arquipélago inabitado, considera-se a instalação de um parque internacional que seria gerenciado pela Groenlândia e também, para 2018, espera-se um moderno aparato de satélites para melhorar as telecomunicações e o monitoramento da região.

Flavia Milhorance

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem e edição em veículos de imprensa do Brasil e exterior, como BBC Brasil, O Globo, TMT Finance e Mongabay News. Mestre em jornalismo de negócios e finanças pelas Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University, em Londres.

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