A economia verde e a taça da desigualdade

Pavan: “Os mais pobres são os mais afetados pelas mudanças climáticas”

Economista indiano prevê o fim da cultura do desperdício e uma nova era mais inclusiva

Por Oscar Valporto | ODS 1ODS 13 • Publicada em 24 de novembro de 2015 - 08:00 • Atualizada em 26 de novembro de 2015 - 18:19

Pavan: “Os mais pobres são os mais afetados pelas mudanças climáticas”
Pavan: "Os mais pobres são os mais afetados pelas mudanças climáticas"
Pavan: “Os mais pobres são os mais afetados pelas mudanças climáticas”

Na primavera baiana, o indiano Pavan Sukhdev, embaixador da ONU para o meio ambiente e um dos maiores especialistas do mundo em economia verde, abre sua palestra com uma metáfora sobre o eclipse da lua que acompanhara da varanda de seu hotel em Salvador. Numa mensagem otimista, diz que os eclipses tendem a ser assustadores por trazerem a escuridão, mas, quando terminam, dão lugar a uma luz mais forte que ilumina os caminhos. Na metáfora, vivemos agora tempos de eclipse com os impactos das mudanças climáticas e da cultura do desperdício, mas temos também a chance de criar uma nova economia. Verde. ‘E inclusiva’ – como Pavan faz questão sempre de acrescentar para frisar que o futuro economicamente sustentável precisa ser também capaz de reduzir as desigualdades.

O futuro economicamente sustentável precisa ser também capaz de reduzir as desigualdades

O tom da palestra de Pavan Sukhdev na Bahia é sempre otimista. Ele fala das oportunidades para o Brasil numa nova economia pelo nosso capital natural – que precisa ser preservado – e pelo nosso capital humano – que deve ser desenvolvido através da educação. Defende com veemência que há recursos para transformar a atual economia, ‘marrom e insustentável’, baseada no consumo, no desperdício e na energia suja dos combustíveis fósseis. Só é preciso mudar a lógica da economia. ‘Taxar muito mais os maus e reduzir a taxação sobre os bons’, afirma, sem medo do maniqueísmo. Isso aponta para o papel do estado de fazer a empresa poluidora pagar – através de impostos pelos impactos no ambiente ou na saúde ou por meio de taxas específicas, ou por sua exclusão em programas de incentivos, que, por outro lado, devem estimular negócios sustentáveis e empresas que não poluem.

Pavan Taça

Mas, apesar do tom otimista, Pavan não deixa de mostrar o tamanho da encrenca em que o mundo se encontra. Para aqueles com formação inspirada nos ideais da Revolução Francesa, de igualdade, liberdade e fraternidade, a imagem mais impressionante da palestra do economista indiano é a taça de champanhe que representa a distribuição da riqueza do mundo. A base fininha vai mostrando que os 20% mais pobres têm apenas 1,2% da renda mundial; os 20% acima ficam só com 1,9 %; os 20% do meio levam 2,3%; os 20% seguintes ficam com 11, 7%.  Até chegar na faixa que efetivamente bebe champanhe – os 20% mais ricos detêm, naquela borda larga da taça, 82,7% da riqueza.  Sua conclusão: 60% da população do planeta reúnem menos de 6% da riqueza e 800 milhões de pessoas ainda vão para a cama com fome. “Esse modelo é insustentável”, afirma Pavan Sukhdev,

Embaixador da ONU para o meio ambiente, o economista indiano lembra que os primeiros dos 17 Objetivos Globais do Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pelas Nações Unidas para seus membros nos próximos 15 anos, são exatamente o fim da pobreza e acabar com a fome.  As metas vão de promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo a tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.  “Esses temas estão todos interligados. Os mais pobres são os mais afetados pelas mudanças climáticas”, argumenta.

 Formado em economia, Pavan Sukhdev chegou a ser o principal executivo do Deutsche Bank antes de deixar a trincheira corporativa para passar a advogar por uma nova economia. Ele acredita que a mudança é possível e depende tanto dos governos – para taxar os maus e poupar os bons – como das próprias empresas. E mostra pesquisas para provar que acionistas das empresas e seus clientes e fornecedores estão cada vez mais preocupados com sustentabilidade e impacto social. Levantamento de 2013 com investidores e analistas europeus aponta que 67% sempre avaliam relatórios de sustentabilidade e informações não-financeiras em suas decisões estratégicas – e 25% frequentemente usam.

Mas o tom otimista de Pavan Sukhdev não impede a reflexão de quem conhece o mundo corporativo. Ele insiste que é possível e factível mudar o foco da economia mundial para um modelo sustentável. E inclusivo. ‘Isso não significa que é fácil’ –  alerta em conversa após a palestra na Bahia. Em entrevista à jornalista Rachel Vita, editora de conteúdo do Agenda Bahia, o fórum de debates responsável sua visita a Salvador, o economista destacou a ação dos inimigos das mudanças. “Os atuais segmentos da economia marrom – como a indústria global de óleo & gás, por exemplo -, trabalham pela manutenção do status quo, apesar de terem conhecimento dos devastadores custos ocultos dos combustíveis fósseis. Eles subornam políticos e burocratas para decidirem contra o interesse público; eles pagam por pesquisas tendenciosas e falsas”.

Nós – brasileiros e habitantes de outros países dominados pela mesma lógica econômica – sabem como são poderosos esses inimigos. Mas os revolucionários franceses do século XVIII – aqueles da liberdade, igualdade e fraternidade – desafiaram monarcas que governavam em nome de Deus e, mesmo assim, conseguiram mudar o rumo da história colocar esses princípios como base de uma nova sociedade. Na Conferência do Clima em Paris, a mudança da economia para um modelo verde e inclusivo como caminho para um futuro sustentável do planeta estará no centro dos debates. E não se pode perder de vista que, essa nova economia mundial precisa ser capaz de tornar essa taça de champanhe um copo de base maior e mais equilibrado.

 

 

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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