Valei-me, Nossa Senhora da Paz

Entrada da estação Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Obra da linha 4 do metrô custou cerca de R$ 10 bilhões. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP

Os roubos e os roubos numa das praças mais famosas do Rio

Por Agostinho Vieira | ODS 11ODS 8 • Publicada em 25 de abril de 2017 - 19:00 • Atualizada em 6 de setembro de 2017 - 14:06

Entrada da estação Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Obra da linha 4 do metrô custou cerca de R$ 10 bilhões. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
Entrada da estação Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Obra da linha 4 do metrô custou cerca de R$ 10 bilhões. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
Entrada da estação Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Obra da linha 4 do metrô custou cerca de R$ 10 bilhões. Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP

Os dois eram jovens, não tinham mais de 30 anos, e caminhavam tranquilamente, domingo chuvoso, pela Praça Nossa Senhora da Paz. Nos braços, rolos de papel higiênico. Alguns ainda na embalagem e outros que pareciam ter sido retirados há pouco de um banheiro. E foram. Os quatro banheiros químicos instalados provisoriamente na praça estavam desabastecidos. O que será que leva uma pessoa a roubar papel higiênico de um banheiro público? Miséria, senso de oportunidade ou a certeza da impunidade?

Será que alguma obra pública já foi feita no Brasil regularmente, custando o preço justo, sem acordos escusos? Por que empresários e políticos estão sempre trilhando esse caminho? Miséria, senso de oportunidade ou a certeza da impunidade?

Dois dias antes, em frente a mesma praça, na rua Visconde de Pirajá, homens fortemente armados explodiram uma agência da Caixa e levaram cerca de R$ 60 mil que seriam usados para o pagamento do FGTS de quem tinha contas inativas. A ação aconteceu no meio da madrugada, acordou alguns moradores da região e assustou os feirantes que começavam a montar suas barracas. A polícia suspeita que os bandidos tenham vindo de São Paulo e façam parte de uma quadrilha conhecida. O que será que leva um grupo de pessoas a tamanha ousadia? Miséria, senso de oportunidade ou a certeza da impunidade?

No dia seguinte, a explosão do banco era o grande assunto da feira que, apesar disso, seguia a sua vida normal. Incluindo a rotineira queda de braço entre feirantes e fregueses para saber quem leva mais vantagem. Os frequentadores habituais sabem que preço e qualidade são conceitos relativos e variam de acordo com a barraca, o horário da compra e a cara do freguês. Não é incomum ver um incauto pagando caro por um produto de qualidade duvidosa. O que será que leva um comerciante, na feira livre ou nas lojas, a enganar o consumidor? Miséria, senso de oportunidade ou a certeza da impunidade?

Banheiros improvisados na Praça Nossa da Paz. Foto Agostinho Vieira
Banheiros improvisados na Praça Nossa da Paz. Foto: Agostinho Vieira

A praça Nossa Senhora da Paz ficou fechada alguns anos por conta da construção da Linha 4 do metrô, uma obra que custou cerca de R$ 10 bilhões. O consórcio construtor era formado por algumas das empreiteiras que hoje aparecem, dia sim outro também, no noticiário policial: Odebrecht Infraestrutura, Carioca Engenharia e Queiroz Galvão. De acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), do valor total da obra, cerca de 25% ou R$ 2,5 bilhões teriam sido desviados, através de contratos superfaturados. Será que alguma obra pública já foi feita no Brasil regularmente, custando o preço justo, sem acordos escusos? Por que empresários e políticos estão sempre trilhando esse caminho? Miséria, senso de oportunidade ou a certeza da impunidade?

Apesar de tudo, o metrô está funcionando e presta um bom serviço numa cidade cada vez mais caótica. Na entrada da estação Nossa Senhora da Paz, uma placa homenageia os responsáveis. A lista é encabeçada por Michel Temer, que quase nada fez pela obra. Herdou o trabalho pronto e não se incomodou nem um pouco em usurpar o lugar na parede. Um personagem sem legitimidade, sem votos, que tem uma dezena de ministros envolvidos em denúncias de corrupção e que tenta aprovar no Congresso uma agenda que não foi referendada nas urnas. Por que será? Miséria, senso de oportunidade ou a certeza da impunidade?

Cinco crimes em torno de uma mesma praça. Um cenário que talvez represente o Brasil de hoje: bonito, agradável, convidativo, injusto e perverso. Qual o pior dos crimes? Como punir os ladrões de papel  higiênico e fechar os olhos para o resto? Como já dizia, sabiamente, Stanislaw Ponte Preta: “Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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3 comentários “Valei-me, Nossa Senhora da Paz

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    Parabéns pela matéria! Pertinente reflexão. As interrogações formuladas são provocações que se impõem, que nos exigem resposta, se desejamos construir saídas, visto que a geração espontânea é uma teoria há muito refutada.

  2. Rosana Alves disse:

    Até o presente momento, não compreendo como este governo não se sente nem um pouco culpado por tantas mazelas e caos. Tocam suas vidas e as nossas como se tudo estivesse por conta das reformas aprovadas… Matéria excelente.

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