Vai ficar tudo bem

O cartão da papelaria e o bilhete que a menina não leu

Será que a regra é passar pelas pessoas que choram e não fazer nada?

Por Rodrigo Barbosa | ArtigoODS 11 • Publicada em 3 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 3 de junho de 2016 - 11:16

O cartão da papelaria e o bilhete que a menina não leu
O cartão da papelaria e o bilhete que a menina não leu
O cartão da papelaria e o bilhete que a menina não leu

Hoje entrei numa dessas galerias de Ipanema para comprar uma luminária e vi uma menina chorando. Ela devia ter uns 25 anos, idade de mulher, jeito doce de menina e falava ao telefone encostada na parede, naqueles choros mansos, sem desespero, mas que deixam rolar lágrimas pelo rosto todo.

Saí da galeria e ela ainda estava ali, do mesmo jeito, chorosa de dar dó. Triste. Fui até a galeria ao lado e quando passei na calçada, vi que continuava lá, chorando, no mesmo lugar. Eu tentava disfarçar, mas nem sei mais o quanto devemos tirar o olhar de alguém que chora.

Entrei numa loja de chocolates que tem por ali e comprei um alfajor. Na papelaria, comprei um cartão e escrevi um bilhetinho. Grudei uma etiqueta fofa e coloquei tudo na sacola colorida que a loja de chocolates me deu. Voltei até a galeria e ela estava saindo. Já havia terminado a ligação, mas ainda chorava.

Sem saber se fazia a coisa certa, ou do jeito certo, disse um “oi, comprei isso pra você”, e estendi a mão com a sacola da loja de chocolates. Ela foi educada, deu um sorriso tímido, surpreso e muito desconfiado, mas não parou pra falar comigo. Agradeceu andando, já olhando pra trás. Eu disse: “é sério, não é cantada, é só um chocolate e um bilhetinho dentro. Comprei pra você. Leva”. Mas ela não aceitou. Uma pena.

Não que ela não vá ficar bem. Longe disso. Mas será que não vai, afinal, ficar tudo bem? Estragamos tudo? O normal é passar pelas pessoas que choram e não fazer nada? É deixar de tentar alegrar cinco minutos da vida de quem não conhecemos porque as abordagens são mais para o mal do que para o bem? Chegamos ao ponto de evitar quem nos sorri, mas aceitamos sermos feitos reféns de quem nos causa qualquer desgraça?

Fiquei com o chocolate. Para completar, ainda na calçada, ouço dois homens dizendo algo do tipo: “deixa a esposa dele ver que ele está dando chocolate pra mulher na rua!”

O alfajor estava delicioso. Doce menina anônima, você vai ficar bem. E que fiquemos todos bem também.

Rodrigo Barbosa

Rodrigo é enfermeiro no diploma, empreendedor imobiliário na prática e acha que a empatia, o amor e a colaboração são a única salvação num mundo auto-centrado e radicalizado.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

9 comentários “Vai ficar tudo bem

  1. consuelo sanchez disse:

    Já pensei mais de uma vez em abordar uma pessoa que chorava para perguntar se podia ajudar. E desisti exatamente porque acho que não saberia lidar com uma reação negativa. O que os outros pensam, como esses dois idiotas, nem incomoda. Mas você ser mal interpretado pode ser um grande incômodo sim. Em todas as vezes me arrependi de não ir adiante. Da próxima vez, quem sabe eu compre um chocolate. Se a pessoa não aceitar, pelo menos eu vou terminar a situação com um gosto doce na boca.
    Adorei seu texto. As always. Bj

  2. Josy disse:

    Já passei pelas duas situações (estar chorando e sentar ao lado de alguém assim). Quando eu estava chorando, recebi um desses panfletos de igreja e trazia uma palavra de conforto. Quando sentei ao lado de uma idosa que chorava, perguntei se podia ajudar e ela segurou a minha mão. Só isso, por uns bons minutos.
    Empatia tá em falta. O que tem sobrado é desconfiança, medo e frieza. Feliz pelo seu gesto.

  3. Ana Cristina Pauli disse:

    O que acontece Rodrigo, é que estamos com o pé atrás com tudo, somos bombardeados com notícias e alertas de golpes e alimentos “batizados” que quando acontece uma situação em que você foi apenas gentil e solidário, ficamos desconfiados e apreensivos.
    Mas não esmoreça, não se deixe levar pelo comum, seja extraordinário. Parabéns pela atitude.

  4. Julie Scofield disse:

    Adorei o gesto,o texto, tudo… Já recebi um abraço de uma estranha quando chorava na rua, só pediu meu nome para rezar por mim. Já ofereci chocolate para uma estranha que nem falava minha língua porque tb sofria com o choro dela. Mesmo que o outro não receba, o gesto de carinho e a vontade de se doar um pouco pela dor do outro, esta é uma semente do bem, que aos poucos se espalha para quem consegue ver… Bjs querido e boa sorte no seu início no #colabora. Seu gesto tem tudo a ver com a proposta do #colabora.

  5. Denyse disse:

    Interessante. ..penso como vc. Já fiz isso algumas vezes e pra meu espanto na maioria delas deu certo. Infelizmente em várias outras fui mal interpretada. Mas é por aí Rodrigo. …amar ainda é a melhor solução. Não amar somente a quem conhecemos amar a quem precisa de amor . Afinal foi esse o ensinamento maior Daquele q nos amou primeiro: Jesus. Continue assim …..amor e bondade brotando de seu coração.

  6. Polyana disse:

    Sou dessas que não consegue passar por alguém chorando e não fazer nada. Já dei chocolate. Já de abraço. Ja falei que tudo ia ficar bem, mesmo não sabendo o que era… não estamos sozinhos nessa de querer o bem!

  7. Beatriz Barroso disse:

    Se fosse uma flor com certeza aceitaria. Infelizmente , nos dias de hoje, a grande maioria das abordagens não são para o bem. Uma tristeza constatar que até um gesto desinteressado e delicado como o seu tenha que ser rechaçado.

  8. Marta Simões disse:

    Sempre tenho vontade de abordar pessoas que estão chorando para oferecer ajuda. Mas, o temor da rejeição,
    para alguém que já é tímida o suficiente para que ser considerada grosseira e antipática, exige esforço sobre humano. Um dia, quem sabe…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *