O que é o que é? Tem internet, celular e TV a cabo, mas falta saneamento

Áreas carentes convivem com doenças e lançam 90% do esgoto no meio ambiente

Por Edison Carlos | ODS 11 • Publicada em 23 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 5 de dezembro de 2017 - 17:10

O volume de esgoto gerado nas áreas carentes das grandes cidades é de mais de 530 milhões m³/ano, suficiente para encher 212 mil piscinas olímpicas por ano
O volume de esgoto gerado nas áreas carentes das grandes cidades é de mais de 530 milhões m³/ano, suficiente para encher 212 mil piscinas olímpicas por ano

Já dissemos várias vezes, aqui no Projeto Colabora, que não há infraestrutura mais atrasada no Brasil do que a falta de saneamento básico. A falta de água tratada, coleta e tratamento de esgotos assola milhões de brasileiros, como apontam os dados do SNIS 2014 (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico). Temos cerca de 35 milhões de brasileiros sem acesso aos serviços de água tratada, metade da população não tem coleta de esgotos e apenas 40% dos esgotos coletados do País são tratados. A carência do saneamento básico atinge a todos.

Os moradores, mesmo os mais pobres, querem receber os serviços e querem pagar por eles, mas estão cansados de promessas que nunca são cumpridas. Jogam seus esgotos em fossas comuns, em córregos, nos bueiros, a céu aberto… e conhecem de perto as consequências… o cheiro, a poluição, os ratos, os mosquitos, mas também as doenças do esgoto, as diarreias, infecções na pele e nos olhos e as doenças do Aedes aegypti.

Apesar de a ausência desses serviços essenciais estar por toda parte, mesmo nas áreas mais nobres do país, é certo que os maiores impactos se dão nas famílias de baixa de renda e que vivem nas chamadas “áreas irregulares”, sempre muito próximas dos esgotos a céu aberto ou dos córregos contaminados. O Censo Demográfico do IBGE, realizado em 2010, mostrou que no Brasil existiam mais de 6 mil assentamentos irregulares perfazendo mais de 3 milhões de domicílios e 11,4 milhões de pessoas. As Regiões Metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes abrigavam 88,2% desses domicílios, a grande maioria sem serviços regulares de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos e população sofrendo com doenças e poluição.

No último dia 16 de maio, o Instituto Trata Brasil lançou seu mais novo estudo “Saneamento Básico em Áreas Irregulares nas Grandes Cidades Brasileiras” onde procurou identificar a situação do acesso da população dessas áreas nos 100 maiores municípios aos serviços de água, coleta e tratamento dos esgotos. Extrapolando os dados conseguidos para 89 das 100 maiores cidades, o estudo encontrou 6.880 áreas irregulares onde moram mais de 10 milhões de brasileiros, o que representa cerca de 5,0% da população do País. Embora cercado de toda preocupação científica e estatísticas, a incerteza e insuficiência de dados concretos sobre essas áreas é tão grande que é bem provável que os números estimados sejam muito superiores (e piores) do que os mostrados no estudo.

Os resultados mostram números alarmantes para qualquer política pública que pretenda passar perto das soluções para o problema. Estimou-se um consumo total de água por esses moradores de 662 milhões de m³/ano, sendo que somente 32% desta água consegue ser cobrada. Mais de 450 milhões de m³/ano não são faturados (68%). Ao todo, esse consumo representa 265 mil piscinas olímpicas por ano de água consumida, num volume equivalente a 67% da capacidade total do Sistema Cantareira, o maior conjunto de reservatórios de água para consumo em São Paulo.

O volume de esgoto gerado nessas áreas é de mais de 530 milhões m³/ano, suficiente para encher 212 mil piscinas olímpicas por ano. Destes, apenas 8,3% são coletados, ou seja, 91,7% do volume de esgotos é lançado no ambiente – 486 milhões m³/ano. A perda financeira de não fornecer serviços regulares de água tratada, não coletar e tratar seus esgotos nestas áreas é de R$ 2,5 bilhões/ano.

Os pesquisadores também entrevistaram centenas de moradores de áreas irregulares para saber o ponto de vista de quem convive com o problema e os resultados também foram surpreendentes. Os moradores, mesmo os mais pobres, querem receber os serviços e querem pagar por eles, mas estão cansados de tantas promessas eleitoreiras e que nunca são cumpridas. Em muitos casos estão há décadas com a água dos “gatos”, de poços rudimentares e água de nascentes e cachoeiras. Jogam seus esgotos em fossas comuns, em córregos, nos bueiros, a céu aberto… e conhecem de perto as consequências… o cheiro, a poluição, os ratos, os mosquitos, mas também as doenças do esgoto, as diarreias, infecções na pele e nos olhos e as doenças do Aedes aegypti. O estranho é que na grande maioria destas áreas somente o saneamento básico não chega. Quase todas têm energia elétrica, TV aberta e a cabo, telefonia celular, Internet, coleta de lixo, menos água e esgotos que são proibidos pela questão fundiária.

Nem o estudo nem esse artigo têm como objetivo incentivar as áreas irregulares, ao contrário. Nas áreas não passíveis de regularização fundiária a solução certamente passa longe do problema do saneamento, mas o que se questiona é que muitas outras áreas podem ser regularizadas, pois estão consolidadas há 40, 50 anos, possuem arruamento, CEP, iluminação, pavimentação, mas continuam sem direito a receber o mais importante – saneamento. Se as áreas não estão em terreno de proteção ambiental, nem em topo de morro ou áreas de risco, nem em beira de represa, então por que não permitir que o cidadão tenha os serviços básicos?

Temos bons exemplos de solução acontecendo em cidades como Porto Alegre e Campo Grande, o que mostra que com boa vontade das partes envolvidas é possível se chegar a algum avanço. Precisamos colocar na mesma mesa o prefeito, Ministério Público, órgão ambiental, moradores, empresa operadora, entidades da sociedade civil. A situação exige!

Edison Carlos

É Presidente Executivo do Instituto Trata Brasil. Químico industrial de formação, por muitos anos atuou em áreas ligadas à Comunicação e Relações Institucionais nos setores químico e petroquímico. Além de formado em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz, o executivo é pós-graduado em Comunicação Estratégica, já tendo atuado nas áreas de tratamento de águas e efluentes. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que nos últimos anos foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa. Em 2012, Édison Carlos recebeu o prêmio “Faz Diferença – Personalidade do Ano” do Jornal O Globo – categoria “Revista Amanhã” que premia quem mais se destacou na área da Sustentabilidade em todo o país.

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Um comentário em “O que é o que é? Tem internet, celular e TV a cabo, mas falta saneamento

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    A baixa taxa de saneamento no país é o reflexo mais claro da crise de legitimidade da política vigente, na medida em que não atende a sua finalidade de representar as demandas da sociedade. Ainda que o Saneamento esteja inscrito na maioria dos programas de partidos e tenha comparecido de forma sistemática nas plataformas dos sucessivos governos eleitos, a realidade demonstra que nem os partidos políticos, nem os políticos eleitos, avançam em direção à executar seus compromissos de campanha.

    Concordo integralmente com a proposta que finaliza o artigo: “Precisamos colocar na mesma mesa o prefeito, Ministério Público, órgão ambiental, moradores, empresa operadora, entidades da sociedade civil.”

    A situação exige! E para formar opinião este tipo de artigo é mais que necessário, é essencial!

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