O fenômeno ‘#vamosjuntas?’

Babi Souza, do coletivo Vamos Juntas

De um post no Facebook, hashtag se torna movimento, vira livro e ganha canal no YouTube

Por Olga de Mello | ODS 11 • Publicada em 15 de julho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 16 de julho de 2016 - 14:58

Babi Souza, do coletivo Vamos Juntas
Babi Souza, do coletivo Vamos Juntas
Babi Souza (de blaser azul), do coletivo Vamos Juntas?, em lançamento do livro no Rio de Janeiro

Ao descer sozinha de um ônibus em Porto Alegre, numa noite de inverno, em 2015, a jornalista gaúcha Babi Souza, de 25 anos, imaginou como reduzir a angústia comum a tantas mulheres que precisam atravessar ruas desertas e escuras, caminhando distâncias consideráveis ao voltar do trabalho. Duas semanas mais tarde, no mês de julho, ela publicava o primeiro post com a hashtag #vamosjuntas? em seu perfil no Facebook. Diante da repercussão imediata, criou uma página onde mulheres passaram a contar seus temores em relação a assédio e violência sexual, enquanto tomavam coragem e se juntavam a desconhecidas para percorrer o trajeto dos pontos de ônibus ou metrô até suas casas. Nascia ali um movimento espontâneo, sem qualquer sistemática, mas que vem ajudando a “democratizar o feminismo”, acredita Babi.

“Homens têm medo de assalto, da violência urbana; mulheres se preocupam com o que pode acontecer a seus corpos”, diz Babi, que reuniu alguns dos depoimentos que chegam diariamente à página no livro Vamos juntas? O guia da sororidade para todas, lançado em maio deste ano pela editora Record, dentro do selo Galera, destinado a jovens leitores.

Homens têm medo de assalto, da violência urbana; mulheres se preocupam com o que pode acontecer a seus corpos

A jornalista é uma entre muitas criadoras de movimentos surgidos depois da Web 2.0., desenvolvidos a partir do interesse de quem a ele se associa, sem qualquer organização formal. Como outras mobilizações coletivas em torno de causas colaborativas, o Vamos Juntas? se estrutura sem um rigor legal. Mesmo sem intenção – no momento – de criar uma organização não-governamental, Babi deixou o emprego, devido à necessidade de dedicar tempo a desenvolver um conteúdo cada vez mais embasado em questões de gênero e nas temáticas feministas. Abriu a Bertha Comunicação, uma referência à Bertha Lutz, pioneira do feminismo no Brasil. A empresa presta assessoria e planejamento de comunicação para mulheres empreendedoras e ainda permite que Babi acompanhe e comente as mais de 80 postagens diárias na página, além das comunidades do Vamos Juntas? criadas nas regiões brasileiras. Já existe uma comunidade também na Argentina.

“Todo o desdobramento foi natural e muito rápido, chegando, atualmente a cerca de 350 mil acessos semanais. Eu precisava responder a essas mulheres, que aderiram a uma ideia simples, a de se agruparem para se sentirem mais seguras. Vemos o início de muitas microrrevoluções sociais, que acontecem simultaneamente por todo o país, graças ao alcance da Internet. Mais do que dar a sensação de segurança a mulheres que têm de voltar para casa tarde da noite, quero derrubar o preconceito em torno da luta feminista. A maioria das mulheres que entra na página é jovem, muitas pré-adolescentes. Meninas engajadas, aos 12, 13 anos, como as de uma cidade do interior do Nordeste, que colaram cartazes pela escola, falando sobre assédio, sobre seus medos. Encontraram o material
rasgado, jogado nas latas de lixo. Elas não desistiram, fizeram cópias e montaram novos murais. Essas garotas não conhecem os conceitos de empoderamento, sororidade e feminismo, mas os exercitaram na prática. Estão descobrindo e tomando posse de seu lugar social, sem submissão, denunciando humilhações diárias que relativizamos, como as grosserias que ouvimos nas ruas”, conta Babi.

Abaixo o julgamento moral

Reunião no parque do coletivo Vamos Juntas
Reunião no parque do coletivo Vamos Juntas?

Os encontros pessoais com seguidoras da comunidade virtual começaram na época do lançamento do livro, em abril deste ano, quando Babi Souza foi chamada a fazer palestras no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Em vez de falar sobre o tema, preferiu ouvir depoimentos de quem estivesse presente. O primeiro a pedir a palavra foi um homem. “Diante de um grupo majoritariamente feminino, discutindo um problema vivido por mulheres, ele não se intimidou. Os homens têm total domínio e conhecimento do lugar social deles. E é muito bom que eles se aproximem, que compreendam a abrangência das conquistas feministas, como elas podem modificar positivamente a situação atual”, opina Babi Souza.

Por acreditar que a comunicação digital é essencial nos negócios e na discussão política da atualidade, há cerca de um mês, Babi criou um canal de vídeos no YouTube, onde trata da violência de gênero que, no Brasil, tem nas mulheres o maior grupo de vítimas. Embora a postura de ativista tenha começado pela percepção sobre o risco nas ruas, ela lembra que maioria dos assédios e estupros acontece no âmbito familiar, cometidos por parentes ou conhecidos.

“O julgamento moral da vítima, torná-la culpada pela violência, precisa acabar. A menina estuprada no Rio vem passando por isso. A gente vê mulheres protestando nas redes sociais, nas ruas, apoiando a menina, mas quantas duvidam do relato dela? E aí vem toda a carga contra o feminismo, que tantas mulheres dizem detestar, sem saber que o praticam quando não dependem de homens para sobreviver. O movimento veio da insegurança que só as mulheres entendem, que relativizam, que sofrem. Mas aos poucos eu fui começando a divulgar noções sobre o feminismo, procurei o núcleo de estudos feministas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, busquei uma base científica para falar, com simplicidade, numa linguagem acessível a todas, o que é mais do que urgente: tomarmos posse de nossos corpos, não permitirmos que eles sejam violentados de maneira alguma. Uma em cada três mulheres assassinadas é agredida por atuais ou ex-companheiros. Isso prova o quanto é importante refletir sobre o feminicídio”, diz Babi.

A empolgação pelo tema domina a jornalista, que já teve o Vamos Juntas? destacado em diversas publicações, entre elas o jornal inglês “The Guardian”, num artigo sobre as manifestações feministas brasileiras. Dentro do propósito inicial do movimento, pensou em criar um aplicativo indicando locais para o encontro de mulheres nas ruas. Temendo que sua utilização facilitasse a localização de quem estivesse caminhando sozinha, modificou o projeto, que deverá mapear locais mal iluminados, áreas onde já foram registrados casos de assédio ou violência.

Coletivos de mulheres

Giovanna Dealtry, professora de Letras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lança em setembro um e-book com os depoimentos postados no Facebook, no fim de 2015, sob a hashtag #MeuPrimeiroAssédio. Para Giovanna, as mobilizações virtuais como o Vamos Juntas? e o Me avisa quando chegar, – criado pelas alunas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), diante da falta de segurança no campus da instituição, em Seropédica – ajudam a derrubar “o velho mito patriarcal da inimizade e da competitividade inatas entre mulheres”. Ela ressalta, entretanto, que esses movimentos são paliativos diante da “epidemia de estupros” brasileira.

“A sensação de segurança que essas iniciativas criam fortalecem as mulheres, que passam a confiar umas nas outras, sem precisar recorrer à clássica proteção de um homem – o que é, essencialmente, uma obrigação do Estado. As novas gerações feministas estão sinalizando um problema enfrentado pelas mulheres há décadas: o medo de estarem sozinhas nas ruas, neste espaço masculino por excelência. A importância dessas campanha está ainda na defesa de que o corpo é da mulher e não serve apenas para o prazer ou a manutenção do poder masculino. Elas afirmam: não ensine a mulher a se proteger, mas o homem a respeitar”, diz Giovanna Dealtry.

Olga de Mello

É jornalista há mais de 30 anos. Carioca por nascimento, convicção e insistência, obsessiva-compulsiva por literatura, cinema, música e pelo Rio de Janeiro, passou pelas redações do Globo, Jornal do Brasil e O Dia, além de ter feito assessoria de imprensa para o Instituto Nacional de Câncer e a Petrobras, entre outras instituições.

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