Dias de ‘Silent Hill’ em Manaus

Queimadas criminosas e clandestinas destroem área verde na capital do Amazonas

Por Liege Albuquerque | FlorestasODS 11ODS 14 • Publicada em 4 de novembro de 2015 - 12:01 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:57

fumaça em manausUm nevoeiro denso, na verdade fumaça de queimadas, tem encoberto a capital amazonense desde o fim de setembro, causado por queimadas nas áreas verdes da cidade e na floresta do entorno. As cidades mais afetadas são os municípios como Iranduba, Manaquiri, Careiro e Manacapuru – que têm sofrido com a densa nuvem cinza

O primeiro episódio da série “Newsroom” mostra o frenesi de uma redação na cobertura de um vazamento de óleo no mar. O furo é a descoberta que a quantidade de homens para fiscalizar a estação era insuficiente. Aqui em Manaus, eis o furo: a Secretaria municipal do Meio Ambiente conta com 19 fiscais para toda a área da capital, ou mais de 11 mil quilômetros quadrados com 1,9 milhão de habitantes. Para todo o tipo de desastre ambiental, desde queimadas a captura ou maus tratos de animais silvestres.

Por conta dessa falta de fiscalização e da educação ambiental do manauara, que em geral passa longe (é praxe entupir os igarapés que cortam a cidade com lixo ou queimar áreas verdes) estamos vivendo um outubro cinzento. A causa da fumaça que cobre Manaus dia e noite desde o fim de setembro é só uma: as queimadas na capital e em seu entorno, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O governo do Amazonas decretou, no dia 13 de outubro,  situação de emergência em 12 municípios por conta da fumaça, pioradas pela baixa pluviosidade. Governo e prefeituras se esforçam, mas a ênfase precisa ser maior. Embora o Mato Grosso continue líder no desmatamento, seguido de Rondônia, Pará e Roraima, o sul do Amazonas está sendo comido por fogo e já com conflitos com mortes entre os grandes latifundiários (e responsáveis pelas grandes queimadas) e os ribeirinhos resistentes.

Queimadas criminosas e clandestinas destroem as poucas áreas verdes no entorno da capital do Amazonas (além das autorizadas, para construções de grandes condomínios de luxo). Como a gente tem de rir para não chorar (embora a gente chore naturalmente porque a fumaça provoca isso), memes divertidos como este comparam Manaus a “Silent Hill” (um filme de terror baseado num jogo e livros de Stephen King, onde uma cidade vive momentos macabros embaixo de um denso fog).

Essas queimadas são favorecidas pelo clima comum da cidade nessa época do ano, tipo 40 graus à sombra, bem mais quente e menos úmido (na verdade, muito seco) do que o normal. Tudo efeito do El Niño.  Mas, é claro, não podemos só culpar o fenômeno natural (e cruel), pois, como disse antes,  a população em geral não colabora para manter a cidade verde e limpinha no geral.

A explicação físico-química do fenômeno é assim: a atmosfera resfria de baixo para cima. O ar mais frio fica embaixo e o ar mais quente fica em cima. Esse processo cria uma camada de inversão térmica durante a noite que dificulta o transporte do ar, ou fumaça. A fumaça das queimadas fica presa na parte de baixo da atmosfera. Assim, todos os dias amanhecem com a névoa de fumaça das queimadas.

Manaus tem sido uma cidade com sucessivas prefeituras em compasso de descuido com a qualidade de vida do manauara. Mas já houve dias piores. Houve um prefeito que comprou palmeiras imperiais a preço de ouro, que obviamente não se acostumaram com o clima da cidade e morreram esturricadas. A prefeitura atual começou a plantar ipês, mas os bichinhos ainda estão tímidos no meio das avenidas mais movimentadas (ainda mais com o clima terrível atual).

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Neblina ‘londrina’ na vista do Teatro Amazonas

O interior está virando Pará: o desmatamento criminoso chegou há anos no sul do Estado, onde há mortes e perseguições a ribeirinhos pelos grandes, ricos e misteriosos (!?) destruidores da floresta. E os números impressionam. Segundo o Inpe, em números divulgados no início de outubro, o Amazonas registrou até setembro recorde de incêndios neste ano, com 11.104 focos de queimadas (e contando). O número é o maior já registrado pelo Instituto, que registra os dados por satélites há 17 anos. Em todo o ano passado, foram 9.322 focos de incêndio no estado.

Estranhamente, embora as queimadas se espalhem, a nuvem se concentrou em Silent Hill/Manaus e cidades dos arredores, como Careiro da Várzea, Iranduba, Manaquiri, Careiro e Manacapuru.  A fumaça faz mal às árvores e muito também aos humanos e animais.

Em Manaus, muitos pronto-socorros estão lotados, principalmente,  de crianças, com problemas respiratórios por conta da fumaça. Nas calçadas, muitos protetores de animais dão água aos (muitos) bichos que moram nas ruas de Manaus. E todo mundo fazendo a dança da chuva, que milagrosamente, tem pingado de vez em quando – mas não consegue desfazer toda a fumaça concentrada.

P.S. Para quem quiser mais informações sobre as queimadas no Amazonas, o Inpe mantém uma página atualizada  com o  ranking das cidades. No estado,  Careiro encabeça a lista, com 320 focos, enquanto Manaus está em 29o lugar.

Liege Albuquerque

Liege Albuquerque é jornalista e mestre em Ciências Políticas (USP). É professora de jornalismo e publicidade na UniNorte/Laureate em Manaus, de onde faz freelances para diversos veículos. Foi repórter e editora de Cidades e Política em jornais como A Crítica, Amazonas em Tempo e Diário do Amazonas (em Manaus), Folha de S. Paulo e Veja (em São Paulo), O Globo e O Estado de S. Paulo (em Brasília). Trabalhou por oito anos como correspondente do Estadão no Amazonas. É autora de dois livros infantis e tem um blog sobre maternidade com outras jornalistas: o maescricri.

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