Tripé ou trilema da sustentabilidade?

Itália enfrenta êxodo de imigrantes

Em meio à COP21, uma reflexão sobre a crise tripla - econômica, ecológica e social - enfrentada pelo mundo

Por George Martine | Artigo • Publicada em 5 de dezembro de 2015 - 08:00 • Atualizada em 6 de dezembro de 2015 - 16:07

Itália enfrenta êxodo de imigrantes

O progresso humano ocorreu de forma lenta na maior parte da história, mas adquiriu uma dimensão exponencial nas últimas sete décadas, com a aceleração das atividades antrópicas do pós-guerra. Turbinada pela busca frenética do lucro na economia capitalista, pelo petróleo barato e pelo desenvolvimento tecnológico, a expansão da produção de bens e serviços contribuiu para uma melhoria significativa na qualidade de vida de bilhões de pessoas. A redução da miséria e dos níveis de pobreza, assim como a melhoria dos indicadores de saúde, de educação e de bem estar por conta desse progresso foram drásticas e incontestáveis.

Entretanto, existem sinais claros de que esse período de bonança poderia esfumar-se rapidamente. O crescimento econômico tem se baseado no uso insustentável de recursos não-renováveis, na redução da biodiversidade, na concentração de dióxido de carbono na atmosfera e na acidificação dos oceanos, além de ter gerado fossos cada vez maiores entre ricos e pobres. Com o aprofundamento do processo de globalização, avistam-se graves crises ambientais e sociais, enquanto a trajetória da própria economia também apresenta sinais de exaustão do modelo hegemônico.

Continua havendo muita incompreensão, desinformação e deturpação programada a respeito da natureza e da gravidade dos problemas ambientais que o planeta Terra enfrenta no século 21.  A falta de uma visão consentida a respeito dos determinantes e dos contornos da crise propicia o surgimento de soluções espúrias, ou favorece um clima de inação política que não se coaduna com a dimensão ou a gravidade da crise ambiental.

A ciência já determinou de forma incontestável que várias fronteiras ecológicas globais estão sendo ultrapassadas, abrindo a probabilidade de transformações bruscas e incontroláveis na esfera planetária se não houver mudanças significativas e urgentes na trajetória da nossa civilização. O atual momento histórico, marcado por profundas crises ecológicas, econômicas e sociais, exige repensar essa situação à luz dos limites sendo impostos pela própria natureza.

O trabalho “Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade?” apresenta uma análise estrutural da crise ambiental que sintetiza a natureza da problemática e analisa as interações entre seus principais condicionantes econômicos, sociais, demográficos e políticos. Pretende-se demonstrar algumas das limitações para o tão-sonhado desenvolvimento sustentável. Infelizmente, este termo passou a ser um oximoro, pois o desenvolvimento que conhecemos é tudo menos sustentável. O tripé da sustentabilidade – econômico, social e ambiental – que foi o mote da Rio + 20 – não é um tripé, senão um trilema. Trilema se refere a uma proposição formada de três lemas contraditórios ou que reúne uma escolha difícil entre três opções conflitantes. Ou seja, está cada vez mais difícil conciliar crescimento econômico, bem estar social e sustentabilidade ambiental.  Aliás, está aumentando a cisão ou ruptura entre os polos desse trilema.

Como chegamos a esta situação e como poderemos sair dela? São complexas as inter-relações entre os fatores que levaram a humanidade e o planeta a esta situação. O debate mistura aspectos científicos derivados de muitas disciplinas com posturas ideológicas que giram em torno dos eixos conservador/liberal e otimista/pessimista.

A dinâmica demográfica figura de maneira importante na acentuação e na resolução desse trilema, mas de uma forma diferente do que tem sido tradicionalmente discutida. Os debates entre neomalthusianos e anti-neo-malthusianos, ou entre cornucopianos e pessimistas, mesmo os mais recentes, já se tornaram anacrônicos frente à gravidade do trilema atual. A grande questão não é mais relacionada apenas com o número de pessoas – se é que alguma vez foi assim – senão com as crises múltiplas do nosso paradigma de civilização, as suas origens e as suas consequências em diferentes grupos e classes sociais.

O artigo citado, publicado na Revista Brasileira de Estudos de População (REBEP), de novembro de 2015, faz uma revisão dos grandes embates teóricos sobre população, desenvolvimento e meio ambiente e realiza uma revisão dos estudos empíricos que mostram: a) A fraqueza ambiental dos alicerces do progresso; b) Os paradoxos do desenvolvimento tecnológico; e c) A insustentabilidade do desenvolvimento desigual.

A conclusão  pode ser resumida no seguinte parágrafo “A humanidade precisa continuar reduzindo a pobreza, mas deve se focar mais na redução das desigualdades sociais e menos no crescimento quantitativo da economia. O crescimento deve também ficar contido dentro das fronteiras planetárias, sem comprometer a biocapacidade da Terra e nem a biodiversidade das espécies. O sistema de produção e consumo hegemônico (capitalista ou socialista) não consegue ser, ao mesmo tempo, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Por isto é impossível que esse modelo, tal como o conhecemos, mantenha de pé as três bases do tripé da sustentabilidade, que na verdade se transformou em um trilema”.

George Martine

Sociólogo e demógrafo canadense, é autor de mais de cem publicações. Mestre pela Universidade de Fordham e PhD pela Universidade de Brown. Foi diretor da Equipe de Apoio Técnico do UNFPA para a América Latina e o Caribe, senior fellow no Centro de População e Desenvolvimento da Universidade de Harvard, diretor do Instituto Sociedade População e Natureza em Brasília, coordenador de projetos de assistência técnica da ONU para o Brasil na área de desenvolvimento social e pesquisador Cepal. Hoje trabalha como consultor.

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