A sabedoria que vem do céu

Tão originais quanto o Corcovado e o Pão de Açúcar, os biguás já estavam por aqui quando os índios chegaram. Foto Leo Aversa

Não há dúvida: o Rio pertence, por direito e antiguidade, aos biguás

Por Leo Aversa | ArtigoODS 11 • Publicada em 4 de julho de 2017 - 18:36 • Atualizada em 5 de julho de 2017 - 12:48

Tão originais quanto o Corcovado e o Pão de Açúcar, os biguás já estavam por aqui quando os índios chegaram. Foto Leo Aversa
Tão originais quanto o Corcovado e o Pão de Açúcar, os biguás já estavam por aqui quando os índios chegaram. Foto Leo Aversa
Tão originais quanto o Corcovado e o Pão de Açúcar, os biguás já estavam por aqui quando os índios chegaram. Foto: Leo Aversa

Estácio de Sá chegou e eles já estavam por aqui, velhos conhecidos dos indígenas brasileiros. E quando os índios chegaram eles também já eram locais. Na verdade, moravam aqui desde sempre, tão originais quanto o Corcovado e o Pão de Açúcar. Estavam aqui quando a cidade já era quarenta graus mas não, ainda, o purgatório da beleza e do caos. Na Zona Sul, eles dominam a curva do Calombo, basta olhar onde o chão da ciclovia fica branco. Cuidado, ao perceber o fato, não olhe para cima.

O Rio pertence, por direito e antiguidade, aos biguás.

A ciência não explica o critério dos biguás para atirar seus dejetos nas ideias de quem passa. Pode ser o clima, a vegetação, a posição das montanhas. O que importa é que lá de cima das árvores, cagando na cabeça de uns e outros, os biguás vão mantendo vivo o verdadeiro espírito carioca.

O estudante vai para a PUC em sua bicicleta elétrica, sonhando com a revolução que não vai passar na TV. A revolta, imagina o jovem, será via web, no delivery. Ou, quem sabe, por aplicativo. O que seria ainda mais prático e indolor. Algo que promova a solidariedade, o progresso sustentável, a ecologia e, se der, a união entre a zona norte e a zona sul, a despoluição da Baía de Guanabara e o fim dos flanelinhas, pensa o rapaz enquanto finge para si mesmo que pedala a bicicleta elétrica. A paisagem inspira sua mente inquieta e juvenil. Os biguás olham aquele ser sensível com ideias geniais e ploft, cagam na cabeça dele.

O startupeiro do Leblon vem na sua bicicleta de fibra de carbono importada. Vem pedalando e fantasiando um novo Rio de Janeiro. Uma cidade conectada com o futuro, com uma modernidade importada do outro hemisfério. O bom, o norte. Quem sabe a Barra não se torna o novo Vale do Silício? Com alguém como o Doria de presidente isso vai acontecer, imagina o visionário, afinal chegou a hora de os empreendedores antenados tomarem o poder. Aí sim teremos startups pipocando por todo canto, será a era de Murici, cada um cuidará de si, projeta o dinâmico inventor. Os biguás se sensibilizam com aquele criador cheio de planos e ploft, cagam na cabeça dele.

O velho saudosista vem caminhando e resmungando contra os dias de hoje. Ele olha a paisagem e lembra do Rio de antigamente, da Colombo, da Bossa Nova, do Antonio’s, do Hippo. Com desdém observa o que há em volta e decreta que tudo está uma bosta. O Rio de Janeiro já foi muito melhor, reclama enquanto tenta acertar uma bengalada no ciclista que passa apressado. Comovidos com tanta rabugice, os biguás apuram a mira e acertam em cheio os sedosos cabelos brancos do senhorzinho.

Mais um com titica na cabeça.

O casal vem correndo e sem perder a passada já vai enquadrando a cidade como moldura para seu treino matinal.  Quando chegam na curva do Calombo percebem que ali é o lugar perfeito para uma selfie, um ângulo que compõe perfeitamente o Dois Irmãos e a Pedra da Gávea. Uma foto que vai lacrar o Instagram e virar trendig topic no Twitter. O mundo vai parar para invejar e admirar o sentimento e a beleza dos dois, sonham apaixonados. Os biguás olham aquela cena tão linda e romântica e ploft, ploft, cagam na cabeça dos dois.

A ciência não explica o critério dos biguás para atirar seus dejetos nas ideias de quem passa. Pode ser o clima, a vegetação, a posição das montanhas. Ou, quem sabe, algum sexto sentido sofisticado demais para o nosso conhecimento. O que importa é que lá de cima das árvores, cagando na cabeça de uns e outros, os biguás vão mantendo vivo o verdadeiro espírito carioca.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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