Saneamento nas favelas, uma foto em preto e branco e com cheiro

De acordo com os dados do IBGE, os aglomerados subnormais, como são chamadas as favelas, teriam uma cobertura de esgoto de 82,2%

Situação continua dramática, mas dados do IBGE podem distorcer essa imagem

Por Agostinho Vieira | ODS 11ODS 6 • Publicada em 15 de outubro de 2015 - 16:31 • Atualizada em 6 de junho de 2019 - 18:05

De acordo com os dados do IBGE, os aglomerados subnormais, como são chamadas as favelas, teriam uma cobertura de esgoto de 82,2%
De acordo com os dados do IBGE, os aglomerados subnormais, como são chamadas as favelas, teriam uma cobertura de esgoto de 82,2%
De acordo com os dados do IBGE, os aglomerados subnormais, como são chamadas as favelas, teriam uma cobertura de esgoto de 82,2%

Os últimos dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, indicam que o Rio coleta 77,85% do esgoto que produz e trata apenas 51,92%. Ou seja, quase metade de tudo que é eliminado pelas descargas dos cariocas chega in natura num rio e no mar. Se este é o panorama da cidade, imagine a situação das favelas, onde vivem 20% da população?

Essa pergunta foi feita pelo pessoal do projeto Viva Favela, ligado à ONG Viva Rio. Um grupo abnegado de jornalistas e correspondentes comunitários que tenta mostrar um ponto de vista diferente da história. No caso do saneamento, o trabalho começou com uma surpresa. Uma boa surpresa. Na verdade, boa demais para ser verdade. Os números do Censo 2010, do IBGE, mostravam que as favelas, em alguns quesitos, estariam numa situação melhor do que o resto da cidade.

O percentual de domicílios com abastecimento adequado de água chegaria a 91% nos “aglomerados subnormais”, que é como o IBGE classifica as áreas carentes. Contra 86% da cidade como um todo. Já no item cobertura de esgoto, os índices estariam em fantásticos 82,2%, pouco abaixo dos 89,1% da cidade. Estranho? Pois é. Não dá para dizer que o IBGE esteja errado, isso não acontece com muita frequência. O problema está na maneira como a pergunta é feita.

A do esgoto é assim: “Para onde são destinados os esgotos domésticos de seu domicílio?”. E aí aparecem cinco alternativas: rede geral de esgoto e pluvial, fossa séptica, fossa rudimentar, vala e, por último, rio, lago ou mar. Como estamos falando de Censo e de entrevistas com moradores, as respostas refletem o que eles veem ou sentem e não necessariamente a verdade. Quem não tem vala negra na porta de casa e sabe ou acredita que um cano está levando o seu esgoto para longe, escolhe a alternativa “A”: rede geral de esgoto e pluvial. Foi o que fizeram, por exemplo, 99% dos moradores do Vidigal. E é aí que mora o perigo.

Quando os romanos inventaram os primeiros sistemas de esgoto, ainda no século VI antes de Cristo, esse era o principal objetivo, afastar de perto das casas os dejetos e as doenças que vinham com eles. Com o tempo se percebeu que isso não era suficiente. Era preciso tratar esse esgoto e evitar que ele contaminasse os rios e lagos. Tem sido assim no mundo desenvolvido. Por aqui não é bem assim. Na prática, em pleno século XXI, não só as comunidades carentes, mas grande parte da nossa cidade ainda vive como os contemporâneos de Cesar.

De um modo geral, o esgoto das favelas do Rio tem três destinos básicos, nenhum deles adequado: os rios e canais da cidade, as praias e as galerias de águas pluviais. Por trás de cada língua negra numa praia da Zona Sul existe uma favela sem tratamento de esgoto. A do Leme, por exemplo, existe há mais de 30 anos e nasce nos morros do Chapéu Mangueira e da Babilônia. O Cantagalo e o Pavãozinho jogam seus dejetos no Canal do Jardim de Alah. Já os da Rocinha podem ser vistos boiando impunimente nas águas de São Conrado.

Os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do governo federal, e os projetos “Sena Limpa” e “Morar Carioca”, do governo do estado e da prefeitura, serviriam para minimizar esses problemas, mas avançam muito lentamente. O ex-secretário de Meio Ambiente do Estado Carlos Minc classifica a falta de saneamento nas favelas como “um desastre ecológico de grandes dimensões”. Já o presidente da Cedae, Wagner Victer, acredita que reduzir as valas negras nas comunidades já foi um grande avanço. Ele argumenta que é difícil fazer obras nos morros e que, em algum momento, os investimentos darão resultado.

A questão é saber quando. Em 2007, por conta da falta de resultados práticos, o então prefeito Cesar Maia pediu ao governador que transferisse a gestão do saneamento das favelas e da Zona Oeste para o município. Isso foi feito, mas nada aconteceu. Em 2012, o prefeito Eduardo Paes decidiu devolver o abacaxi para a Cedae. Ele veio fatiado. Hoje, as favelas com UPP ficam com a Cedae, as comunidades sem UPP estão com a empresa Rio Águas e a Zona Oeste foi entregue à iniciativa privada. Talvez seja uma boa maneira de avaliar quem faz mais, mais rápido e melhor.

Enquanto isso, na vida real, o trabalho dos correspondentes do projeto Viva Favela mostra moradores tirando dinheiro do bolso e fazendo vaquinha para comprar canos de esgoto, crianças mergulhando em águas contaminadas, montes de lixos e ratos convivendo em harmonia, rios sem dragagem e muito mais.  O resultado do trabalho estará numa edição especial sobre o tema que vai ao ar no próximo dia 20. Uma boa leitura para quem gosta de calcular a distância entre discurso e prática.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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