Irresponsabilidade mantém milhões de brasileiros sem saneamento

Metade da população não tem acesso à coleta, e só 39% dos esgotos país são tratados

Por Edison Carlos | ODS 1ODS 6 • Publicada em 6 de novembro de 2015 - 21:00 • Atualizada em 7 de novembro de 2015 - 13:26

A situação do saneamento básico no Brasil é vergonhosa. Podemos dizer que de todas as mazelas sociais e ambientais do país talvez nada se compare ao descomunal impacto à natureza e ao cidadão causado pela ausência da infraestrutura mais elementar – os serviços de água tratada e de coleta e tratamento dos esgotos. Dados do Ministério das Cidades (base 2013) mostram que ainda temos cerca de 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada, mais da metade da população não tem acesso à coleta dos esgotos e somente 39% dos esgotos do país são tratados antes de serem lançados na natureza. Significa que 61% de todo o esgoto do país segue para fossas, rios, lagos, reservatórios, bacias hidrográficas e aquíferos da forma como sai dos nossos banheiros. É um volume equivalente a 5 mil piscinas olímpicas de esgoto por dia sendo jogado irresponsavelmente na água que depois temos que trata para beber.

O resultado de tamanho descaso é uma tragédia para as cidades e para o país, pois a poluição dos esgotos drena recursos de várias áreas. Recentemente o IBGE reportou mais de 400 mil internações por doenças gastrintestinais em 2013, sendo as maiores vítimas os idosos e as crianças. Essas doenças na infância são ainda mais trágicas porque podem derivar para problemas na Educação fazendo com que muitas crianças aprendam menos e tenham mais dificuldade em se tornar profissionais mais capacitados e com melhores salários.

Perdemos 37% da água potável produzida, seja em vazamentos, “gatos” e roubos, falta de medidores ou hidrômetros com problemas. Para se ter ideia da gravidade dessas perdas, estudo do Instituto Trata Brasil (“Perdas de Água: Desafios ao Avanço do Saneamento Básico e à Escassez Hídrica”) mostrou que somente nas 100 maiores cidades do Brasil essas perdas representaram algo como 330 milhões m3 de água (1/3 do volume do Sistema Cantareira) num custo aproximado de R$ 258 milhões ao ano. O país como um todo desperdiçou o volume correspondente a mais de seis sistemas Cantareira, num custo de mais de R$ 8 bilhões.

Também referente a 2013 o Ministério das Cidades indicou que foram investidos R$ 10,47 bilhões em água e esgoto no país, mas infelizmente esse número ainda está abaixo do valor anual necessário para cumprir as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico e universalizar o atendimento em saneamento básico à grande maioria dos brasileiros até 2033. Pelo PLANSAB, o Brasil deveria estar investindo algo como R$ 16 bilhões ao ano para atingir a universalização, então estamos distantes.

Ao trazer a realidade para as 100 maiores cidades do país, onde vivem 40% da população, vê-se que a situação mais crítica permanece no Norte e Nordeste com várias capitais muito atrasadas. Em dez grandes cidades (Joinville, Teresina, Várzea Grande, Manaus, Belém, Jaboatão dos Guararapes, Macapá, Porto Velho, Santarém e Ananindeua) menos de 20% da população possuía coleta de esgotos em 2013, o que mostra a gravidade da situação. Do lado positivo, o Sudeste concentra a maior parte das melhores cidades em saneamento (14 entre as 20 melhores). Dez grandes cidades em 2013 já tratavam mais de 80% de seus esgotos (Jundiaí, Maringá, São José do Rio Preto, Uberlândia, Niterói, Curitiba, Limeira, Londrina, Ponta Grossa e Petrópolis).

Cabe então a pergunta, se não conseguimos evoluir na velocidade necessária nas áreas regulares das maiores cidades, como atender os bairros mais pobres, as favelas mais carentes? Uma grande indefinição para o futuro desses serviços está nas milhares de áreas irregulares espalhadas pelas cidades do país.  Apesar do crescimento econômico e da transferência de renda que vivemos nos últimos anos, os dados do Censo 2010 do IBGE mostram que no Brasil ainda temos mais de 11 milhões de pessoas morando nestas áreas irregulares, sendo que os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Pernambuco concentram as maiores populações nessa situação. Somente esses 5 estados respondem por quase 8 milhões dos brasileiros vivendo em aglomerados subnormais (cerca de 70% do total).

Uma hipocrisia pensar que não levar os serviços de saneamento ajuda a frear o crescimento dessas áreas porque é evidente que os moradores conseguem algum acesso à água (tratada ou não). E se conseguem água geram esgotos. Apesar de ser uma constatação evidente muito pouco se avançou nas últimas décadas para uma solução definitiva, então o mais comum é mesmo o lançamento dos esgotos em fossas rudimentares, na rede de água de chuva, nos rios e riachos ou em valas a céu aberto. Por serem áreas fortemente adensadas, esta população fica ainda mais exposta a surtos das doenças dos esgotos, principalmente as crianças entre 0 e 5 anos.

Olhando pelo aspecto da crise da água, a lentidão da expansão das redes de coleta e tratamento dos esgotos, seja nas áreas regulares, seja nas áreas irregulares, é absurda e as soluções continuam lentas. Recente levantamento da SOS Mata Atlântica sobre a qualidade da água em 111 rios, córregos e lagos mostrou que nenhum dos pontos analisados foi avaliado como ótimo. 23,3% dos casos apresentam qualidade ruim ou péssima. A análise, que incluiu 25 rios da cidade de São Paulo e 12 da cidade do Rio de Janeiro, mostrou que a situação é preocupante uma vez que a poluição piora ainda mais a oferta de água para consumo da população. Como então aceitar a irresponsabilidade de estarmos poluindo cada vez mais os rios e os reservatórios de água, comprometendo o uso para abastecimento humano num cenário tão crítico?

Houve avanços, é bom que se diga, e temos que ressaltar o esforço do Governo Federal e de várias autoridades, então não se trata de sermos pessimistas, mas sim de apelarmos para o óbvio. Se não fomos competentes para planejar os serviços básicos visando o crescimento das cidades, então que sejamos rápidos na busca por soluções urgentes.  A falta de chuvas mudou o paradigma e temos que ter uma nova escala de prioridades. A crise pede reflexão, mas, sobretudo, ação!

Edison Carlos

É Presidente Executivo do Instituto Trata Brasil. Químico industrial de formação, por muitos anos atuou em áreas ligadas à Comunicação e Relações Institucionais nos setores químico e petroquímico. Além de formado em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz, o executivo é pós-graduado em Comunicação Estratégica, já tendo atuado nas áreas de tratamento de águas e efluentes. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que nos últimos anos foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa. Em 2012, Édison Carlos recebeu o prêmio “Faz Diferença – Personalidade do Ano” do Jornal O Globo – categoria “Revista Amanhã” que premia quem mais se destacou na área da Sustentabilidade em todo o país.

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2 comentários “Irresponsabilidade mantém milhões de brasileiros sem saneamento

  1. Renato Carreira disse:

    Prezado Edison,
    parabéns pelo excelente artigo. No Brasil há múltiplos problemas ambientais, mas a falta de saneamento básico é certamente o nosso maior flagelo.
    Acompanho a condição dos rios que drenam para a Baía de Guanabara há mais de 15 anos, e tristemente observo que a situação só piora. Veja vídeo sobre o Canal do Cunha, sobre a ponte da Avenida Brasil, que drena parte da zona norte da cidade do Rio de Janeiro. https://www.facebook.com/rscarreira/videos/vb.1798771551/10203140691117000/?type=2

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